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Jornada de Lutas do MTST Pernambuco | Pelo direito à cidade e a resistência urbana

21 de agosto de 2018

Uma retrospectiva da Jornada de Lutas do MTST Pernambuco, em agosto de 2018

Para compreendermos a recente Jornada de Lutas do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, em Recife, capital de Pernambuco, é preciso voltar à manhã da sexta-feira, 3 de agosto de 2018. A rua Ernesto de Paula Santos, na descida do viaduto Tancredo Neves, em Boa Viagem, zona sul recifense, foi paralisada por um travamento da Comunidade do Pocotó contra uma ordem judicial de reintegração de posse e a consequente remoção de dezenas de famílias que não teriam para onde ir ou qualquer tipo de apoio social.

Sob esse cenário de luta e, sobretudo, resistência, que o primeiro dia da jornada teve início na segunda-feira, 6 de agosto, onde as ocupações do MTST se mobilizaram para um novo travamento na região e, assim, obter a abertura de diálogo entre a Prefeitura de Recife e as 42 famílias do Pocotó. A ação veio como reforço e laço de solidariedade entre as famílias, num amplo sentimento de pertencimento e indignação frente a invisibilidade vivenciada por todos aqueles que são alijados dos direitos básicos que todo e qualquer cidadão deveria ter garantido constitucionalmente.

O segundo dia, terça-feira, 7 de agosto, foi marcado por um travamento que denunciou o descaso do poder público com as famílias que habitam nas palafitas do Pina e na Ocupação Sítio dos Pescadores, localizada no Bode. A avenida Domingos Ferreira foi o espaço de luta em busca de uma saída habitacional para as 80 famílias que vivem na ocupação. O bairro do Bode, local onde as famílias se encontram, é uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) e, portanto, deveria servir às políticas públicas de moradia e regularização fundiária, mas o fato vem sendo negligenciado pela Prefeitura e estado, com a moradia somada à invisibilidade social provocada pelas classes mais privilegiadas que insistem em não enxergar a dimensão e a gravidade da resistência da ocupação.

O terceiro dia de luta, quarta-feira, 8 de agosto, foi realizado na BR-101, na altura do Terminal Integrado do Barro, zona oeste de Recife. O travamento fechou os dois sentidos da rodovia federal e a luta reivindicava a desapropriação do terreno da Ocupação Carolina Maria de Jesus, ao lado do terminal, e o prosseguimento do programa Minha Casa Minha Vida – Entidades. É válido reforçar que a responsabilidade da desapropriação é do Governo do Estado de Pernambuco que não havia avançado nas negociações nos últimos tempos, e somado ao descaso da Prefeitura de Recife em apresentar alternativas habitacionais que pudessem proteger as famílias da situação de vulnerabilidade provocada pela falta de moradia.

As balas de borracha e as bombas de efeito moral não foram mais fortes do que as famílias que constroem o MTST, o maior movimento de resistência urbana do país e formado, sobretudo, de fortes mulheres, mães, trabalhadoras e guerreiras

O quarto dia de ações, 9 de agosto, uma quinta-feira, foi marcado pela interdição da avenida Conde da Boa Vista e que, além de contestar as ordens de reintegração de posse emitidas contra várias ocupações localizadas na capital pernambucana, mostrou o quanto cada uma delas, ali, especificamente, local da ocupação predial Marielle Franco, fizeram história ao travar o principal eixo viário da área do centro de Recife.

É importante destacar que com a luta da Ocupação Marielle Franco, no edifício SulAmérica, prédio que acumula mais de R$ 1,5 milhão de dívida em IPTU, o espaço atualmente tem sua função social garantida, algo que não acontecia há mais 20 de anos. Podemos reforçar que as centenas de famílias reescreveram um novo capítulo na conquista da moradia digna, persistindo no pedido de diálogo e tomando o protagonismo de uma cidade que, inúmeras vezes, permite apenas a voz dos mais privilegiados socialmente.

Diante das inúmeras ações e resistência, o MTST foi recebido na Prefeitura de Recife, pela Secretaria de Governo e Participação Social, porém, a equipe técnica ainda não apresentava respostas para as demandas das famílias que se mantiveram no local e estavam dispostas a realizar uma greve de fome, caso a intransigência e a negligência persistissem. Ao final do impasse, um dos secretários executivos acabou por encaminhar importantes questões como a proposta de auxílio-moradia, inclusão no programa habitacional do Aeroclube e abertura de diálogo com a Comunidade do Pocotó —  ameaçada pelo despejo das famílias.

Paralelamente aos travamentos, os espaços também foram ocupados por cultura, o que se mostrou desde a estreia do documentário “Quem mora lá?”, possibilitando o debate entre extremos de uma mesma cidade e buscando eliminar tais distâncias, passando por rodas de conversa e apresentações de rap e slam, na Praça da Independência. Todas as atividades reafirmando que “quem ocupa não tem culpa”, e que resisitir é um direito de todo aquele que acredita no quanto o poder popular pode transformar espaços e vidas em curso.

É perceptível que essa importante semana se mostrou como uma primeira vitória das mobilizações das ruas na luta pelo direito à cidade tanto que, no dia 14 de agosto, uma terça-feira, mais uma consequência da resistência veio à tona: a Prefeitura de Recife oficializou o decreto nº 31.671/2018 — que ordena que imóveis comprovadamente abandonados e com débito de IPTU sejam desapropriados e arrecadados como patrimônio do município. Desse modo, os imóveis arrecadados poderão ser destinados a programas de moradia social, ao fomento da Regularização Fundiária de Interesse Social, prestação de serviços públicos ou outros fins determinados pela prefeitura local. Os proprietários que discordarem do destino estabelecido pelo Poder Público terão 30 dias para recorrer na Justiça.

Cada uma dessas ações possibilitou com que vozes, há tanto silenciadas, ecoassem pelas ruas, avenidas e espaços públicos de Recife. Ocupar a cidade demonstrou o quanto o abandono não será mais aceito, mesmo sob a forte tensão policial que ocorreu em todos os dias de jornada. As balas de borracha e as bombas de efeito moral não foram mais fortes do que as famílias que constroem o MTST, o maior movimento de resistência urbana do país e formado, sobretudo, de fortes mulheres, mães, trabalhadoras e guerreiras, que denunciam diariamente a dura realidade de quem mora numa ocupação e suas histórias de vida.

Essa retrospectiva deixa como reflexão as palavras de Bertolt Brecht, poeta e dramaturgo: “Apenas as lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade”. Portanto, a Jornada de Lutas do MTST Pernambuco é essa lição da realidade que reescreve um novo caminho mais humano e igualitário!

Vida longa para todos e todas das ocupações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto!

MTST, A LUTA É PRA VALER!