“Quem Mora Lá” | Documentário que retrata a luta das famílias do MTST em Pernambuco é lançado em clima de comoção
Recife acompanhou atenta na última segunda-feira, 16 de julho, o lançamento oficial do documentário longa-metragem “Quem Mora Lá”. O filme conta histórias pessoais da luta por moradia na capital pernambucana, focando a resistência das famílias da Comunidade do Pocotó e a trajetória das pessoas despejadas do local até a ocupação do prédio onde se estabeleceu a Ocupação Marielle Franco, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto de Pernambuco.
Sob palmas e muitas lágrimas, a primeira exibição pública de “Quem Mora Lá” foi aclamada pela plateia de um Cine São Luiz lotado. Num relato emocionado em que descreve a sua própria reação e do público presente, o historiador e professor Marco Mondaini contou o que a exibição representou: “Uma espécie de epifania capaz de acender uma centelha de esperança em meio a uma terra cada vez mais árida em termos sociais e políticos chamada Brasil”.
O documentário é obra dos cineastas paulistas Rafael Crespo e Conrado Ferrato, autores de “Limpam com Fogo”, filme de 2017 que retrata os incêndios em favelas de São Paulo e a sua relação com a gentrificação e o mercado imobiliário. Em “Quem Mora Lá”, ganham protagonismo os e as moradoras despejadas da Comunidade do Pocotó, área erguida sobre o túnel Augusto Lucena, em Recife. Dali, boa parte das pessoas seguiu até o edifício Sulamérica, abandonado há anos na região central, e ocupado pelo MTST em março deste ano — quando nasceu a Ocupação Marielle Franco, num processo registrado em detalhes na película.
O documentário vai além da luta por moradia ao apresentar o contexto de diferentes personagens escolhidos para retratar toda a complexidade envolvida em cada história de vida. “O filme aborda a questão da especulação imobiliária, do não cumprimento da função social e do preconceito contra as famílias Sem-Teto a partir da história de vida delas”, conta Rud Rafael, coordenador do MTST em Recife.
Em entrevista ao Jornal do Commercio, o cineasta Rafael Crespo discorreu sobre aquilo que transpôs para a tela. “Eles [os personagens] contam histórias que revelam a trajetória cuja população é pautada na sobrevivência: histórias de não ter casa, não ter perspectiva, não ter carinho paterno, não ter voz reconhecida e nem visibilidade[…] A moradia caiu na esfera do mercado, né? Hoje quem tem dinheiro para morar, mora. Seja tendo uma propriedade ou recorrendo ao aluguel. E quem não tem, recebe do Estado o bolsa-aluguel, que é uma verba totalmente insuficiente pra se viver nas cidades brasileiras”, acrescenta.
Após a exibição do longa, tanto cineastas quanto moradores da Ocupação Marielle Franco e membros do MTST realizaram um debate sobre as questões abordadas no filme, como o déficit de moradia na região e no País. Ainda sob a ótica do professor Marco Mondaini, presente na sessão, o evento representou uma rara ocasião de união entre dois mundos distintos da sociedade recifense: parte da classe média politizada e atenta às questões sociais, e aqueles e aquelas que sofrem na pele os problemas da desigualdade brasileira. “Dificilmente o encontro dessas duas cidades numa única plateia teria sido realizado sem a provocação desse movimento social urbano que parece imbuído do raro espírito de construção de pontes que unam a cidade, fazendo da luta pela moradia um instrumento de mobilização democrática na direção da utopia de edificação de uma nova cidade”, escreveu Mondaini.
O documentário teve o apoio da ONG Habitat para a Humanidade Brasil, que auxiliou a equipe de filmagem durante o mapeamento das áreas de conflito fundiário em Recife. O filme e sua produção também acertaram no timing ao ter sua estreia marcada para a semana de comemorações dos três anos de existência e luta do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto no Pernambuco, o que já havia ensejado outras celebrações ao longo dos últimos dias.
“Foi muito importante ver como esse processo de luta fez com que uma comunidade ameaçada de despejo se tornasse um território imortalizado no cinema, em um processo que tem e teve o protagonismo feminino como é o caso da Comunidade do Pocotó”, declarou Rud, uma das pessoas à frente da luta do MTST durante esses três anos do movimento na capital pernambucana. “A partir da resistência, conseguimos dar uma visibilidade à questão e abrir negociação. E, ao mesmo tempo, essas famílias construíram a Ocupação Marielle Franco também”. No início de maio, a ocupação tocada principalmente por mulheres conseguiu o apoio unânime da Câmara de Vereadores para a desapropriação do edifício.
Assista ao trailer de “Quem Mora Lá”:
MTST, A LUTA É PRA VALER!