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Sônia Guajajara: ‘Queremos ser representados por nós mesmos’

7 de julho de 2018

Pré-candidata a vice de Guiherme Boulos (PSOL), a indígena rechaça a comparação com Marina Silva, por ser mulher e ativista da causa ambiental.

Sônia Guajajara é pré-candidata a vice de Guilherme Boulos. | Foto por Nunah Alle/PSOL

Sônia Guajajara, pré-candidata a vice-presidente nas eleições deste ano, fecha com Guilherme Boulos uma chapa que é a representação fiel de movimentos sociais. Ambos, pré-candidatos pelo PSOL, representam causas. Até se licenciar este no, Sônia era presidente da Associação dos Povos Indígenas do Brasil. Já Boulos é líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

Além da liderança institucional, Sônia é mulher, indígena e nordestina. E é com base nessas credenciais que ela é assertiva ao dizer que as pessoas querem ser representadas por elas mesmas. “Nós temos nós mesmos, a gente quer ser protagonista da nossa história”, diz. A afirmação foi feita ao HuffPost Brasil ao responder uma pergunta sobre a constante comparação com Marina Silva, pré-candidata à Presidência pela Rede Sustentabilidade.

Segundo Guajajara, por um bom tempo, Marina, que foi ex-ministra do Meio Ambiente, foi um nome apoiado pelos povos indígenas. Mas para a indígena, esse tempo foi superado. “Podemos ter uma porta-voz que é a própria representação em vez de apenas intermediários.”

Tentar ao máximo tirar os intermediários do caminho é um dos objetivos da chapa. O discurso de que existe uma guerra contra a Amazônia já, inclusive, subiu aos palcos do Rock in Rio, por causa de um convite da cantora Alicia Keys.

HuffPost Brasil: Como nasceu a ideia de participar da chapa do PSOL?

Sônia Guajajara: A decisão de participar da chapa foi bem coletiva, conversada com várias pessoas, com vários atores que atuam com a gente. E se deu por conta da nossa necessidade de ocupar espaço na política institucional. Veio muito por essa leitura de 518 anos e a gente teve apenas uma representação indígena no Parlamento e nunca mais ninguém ocupou. Sempre tivemos essa necessidade de ter indígena, a gente sente falta disso. Isso esteve nas conversas com o MTST, a Mídia Ninja, a Apib, movimento que eu estava liderando, com o 342, a campanha da Amazônia e das artes. Fomos animando a ousar mais e foi quando decidimos no coletivo, com essa rede de apoiadores. Eu já estava no PSOL desde 2011. Foi nessa vivência que pensamos em uma alternativa mais comprometida, que tivesse vivência com as bases, para a gente apresentar esse novo.

Há estímulo a outras candidaturas indígenas?

Tem bastante. Estamos contabilizando quase 40 indígenas que estão se candidatando este ano. Do PSOL, são 12, estimulados por esse processo da minha participação da chapa. São 12 em 10 estados. Estávamos tentando trazer mais, mas não deu tempo. Tem também indígenas de outros partidos. Nos municípios, nos estados, tem muito essa leitura do que é possível, de qual partido e coligação que é mais viável. Por mais que a gente tenha esse cuidado de não fortalecer ou estar dentro de partido de extrema direita, que sempre foi declarado inimigo da gente, que sempre foi contra tudo, mas no local tem algumas coligações que se dão de forma muito particular.

Tem também indígenas de outros partidos. Nos municípios, nos estados, tem muito essa leitura do que é possível, de qual partido e coligação que é mais viável.

Mais relação de amizade até do que de partido muitas das vezes. Então, essa participação em outros partidos se dá mais por isso do que compactuada em outros partidos, outras bandeiras. Quando os indígenas entram para essas candidaturas, o objetivo dele é trazer a causa, trazer o movimento dos povos indígenas independente de onde ele esteja.

O fato de ser mulher pesou para composição da chapa?

Teve peso sim. Tanto por ser indígenas quanto mulher. Hoje, quem tem uma compreensão política mais do lado de contemplar a questão de gênero sempre tem essa preocupação de um homem e uma mulher, de ter paridade. Acho que de certa forma influenciou, sim, dentro do partido para gente garantir um mínimo de equilíbrio entre homem e mulher.

Qual a sua avaliação sobre a onda conservadora e o impacto dela nas decisões do presidente Michel Temer?

Essa onda sempre existiu, mas não se se publicizava tanto. Hoje as pessoas expressam raiva, ódio, racismo, escancaradamente. E isso se deu muito por conta de se sentirem respaldados nas próprias pessoas, nas figuras públicas que estão aí no próprio Parlamento, políticos principalmente. E é incrível como a gente percebe que as pessoas estão se deixando muito levar ou preferir acreditar nesse tipo de continuidade ou fortalecer um conservadorismo do que fortalecer uma democracia. A gente vai lutar pela democracia ou mobilizar e defender isso, muitas pessoas vêm muito reacionárias para cima.

É incrível como a gente percebe que as pessoas estão preferindo fortalecer um conservadorismo do que fortalecer uma democracia.

É muito estranho o comportamento do brasileiro nos últimos tempos. As pessoas vêm acreditando muito nas figuras públicas e [estão] muito à vontade para dizer o que pensam. Por algum tempo ficaram escondendo, mas agora vieram revelar o que realmente são. Mas as pessoas também estão com muita esperança, muita vontade de mudar, muita vontade de resolver e isso não é na velha política, é no que é novo. Defendem essa questão de valorizar mesmo a questão das pessoas, trazer as pessoas não só na pré-campanha, mas também no processo de decisão, de trazer as pessoas para pensar junto, decidir junto, é uma forma de as pessoas voltarem a acreditar nas representações políticas.

Como está a situação da demarcação das terras indígenas? Havia espaço nos governos para discutir o tema?

No governo Lula, tivemos uma ampliação boa na participação, por meio dos conselhos, do controle social. Lula algumas vezes presidiu as reuniões, criou na época a Comissão Nacional de Política Indigenista. Era essa a comissão a representação dos povos indígenas, com representação de todos os estados. Ali foi onde a gente se enxergava e estávamos representados. Tinha uma política indigenista como um todo. No governo Dilma, essa comissão continuou e a gente teve mais dificuldade da presença dela, de falar diretamente. Teve aí um certo distanciamento, e como tinha a implementação de grandes investimentos, grandes projetos, a gente tinha a necessidade de conversar diretamente para colocar os pontos de vista. A gente teve a primeira reunião com a Dilma foi em 2013, com aqueles movimentos de rua. Ao final do governo Dilma, a gente teve um avanço grande, que foi transformar essa comissão em conselho. A gente criou um Conselho Nacional de Política Indigenista, por meio de decreto, o que foi avaliado como positivo.

Dilma e Sônia, em junho de 2012. A presidente foi responsável por criar o Conselho Nacional de Política Indigenista. | Foto por Evaristo Sá/Getty Images

Embora a Dilma tenha sido muito falha na demarcação de terras indígenas, teve um avanço nos empreendimentos, que impactavam direto e teve uma paralisação, tiveram algumas demarcações, mas nada muito relevante. Teve realmente essa paralisação. Já agora no governo Temer, não só paralisou, mas também ele teve uma decisão política de rever terras já demarcadas, foi realmente um passo largo para trás. A gente ainda estava ali no governo Dilma com um levantamento de terras em procedimento já concluído que precisava só homologar, a gente tinha aquela esperança de que algum momento elas pudessem ser regularizadas.

Agora no governo Temer até essa lista que existia foi devolvida para a Funai para rever procedimentos e inclusive para questionar alguns processos já concluídos. É um retrocesso monstruoso em relação à demarcação de terras; não só paralisou, mas retrocedeu bastante. Tem já alguns casos concretos de terras que tiveram processos anulados, o que é muito pior porque tem um acordo coletivo nos três poderes, tem um com a bancada ruralista que eles apresentam qual é a área que eles querem ou área que está em conflito, essa aqui pode e essa não pode, com essa conivência do poder Executivo. E o Judiciário não fica fora dessa; está judicializando muitas terras.

[O governo Temer] é um retrocesso monstruoso em relação a demarcação de terras, não só paralisou, mas retrocedeu bastante.

Para não dizer não demarca, eles criaram uma medida com base na demarcação de Raposa Serra do Sol estabeleceram um marco temporal, que veio do STF, e o Executivo por meio da AGU publicou um parecer que é claro em estabelecer o ano de 1988 como o ano marco para decidir sobre território indígena. Agora, o Legislativo pega esse parecer e faz um projeto de lei que muda o texto. A Constituição diz que são territórios considerados indígenas aquelas terras tradicionalmente ocupadas. E o novo texto diz são territórios indígenas aqueles que comprovarem a presença física em 5 de outubro de 1988. Você vê claramente o texto sendo alterado. É um absurdo tentar legalizar o acesso para exploração.

O projeto de abrir a Renca para exploração era muito maior. Qual papel de vocês nesse tipo de ação do governo?

A gente sempre fez a nossa luta combatendo esse tipo de acesso, tipo de exploração porque para isso está valendo qualquer coisa, inclusive uso de medida legislativa para mudar e favorecer seus interesses. Projeto que trata da mineração em terras indígenas, de qualquer forma, quer abrir o espaço mais para exploração do que para desenvolvimento, é explorar porque o interesse é financeiro. Mais que examinar a diversidade e investir nas pessoas que estão ali.

Projeto que trata da mineração em terras indígenas, de qualquer forma, quer abrir o espaço mais para exploração do que para desenvolvimento.

Nós, povos indígenas, sempre fizemos a luta contra essa expansão desenfreada, sempre exigimos o cumprimento do direito de consulta que o Brasil é signatário e por conta da pressão que a gente faz, eles já tentaram tirar o Brasil dessa lista da convenção que diz estar atrapalhando o crescimento. Eles não cumprem e a gente vai para cima. Embora não considerem muito o respeito à consulta, trava de alguma forma, como foi feito com Tapajós, que os Munduruku conseguiram inviabilizar no período que estava plaenjado para começar e a exemplo do que foi o próprio Belo Monte no passado que conseguiu travar. é um tratado que está aí e nós temos que usar cada vez mais dele. E recentemente o Brasil foi listado como um dos países que não cumprem a convenção 69. É uma forma de constranger o País e vale a gente continuar batendo nessa tecla. Toda pressão para rever procedimentos e impedir a demarcação vem da bancada ruralista. tudo pelo acordo.

Toda pressão para rever procedimentos e impedir a demarcação vem da bancada ruralista. tudo pelo acordo.

Como governar com essa bancada?

Por mais que o povo reclame e não concorde, todo mundo achando as representações um caos, mas quando você vê as pesquisas e os resultados que nunca mudam, é uma continuidade absurda dessas representações. Realmente não dá para entender muito o que o povo pensa, espera ou quer. Pedem mudança, mas continuam elegendo os mesmo. É realmente frustrante… Não dá para entender como isso acontece. Estamos acreditando muito no processo participativo, a decisão não pode ser só dos parlamentares. Tem que trazer a população para perto e se você tem o povo perto é muito mais forte. Claro que tem os procedimentos-padrão, mas se você tem o povo do lado para ajudar a tomar decisão, é muito mais forte que o Legislativo. Estamos trazendo as pessoas para perto para propor e apresentar ideias.

Sônia Guajajara é pré-candidata a vice na chapa de Guilherme Boulos. Ambos do PSOL. | Foto por Yasuyoshi Chiba/Getty Images

Te incomoda ser constantemente comparada com a Marina?

Acho que as pessoas por muito tempo acreditaram e viram na Marina essa voz de defesa do meio ambiente e agora a Marina deixou de ser essa pessoa que as pessoas olhavam e já viam o que ela representava por ser essa mulher que veio do Norte, da roça. Depois pelas alianças que ela foi seguindo, que ela foi fazendo, ela perdeu muito. E agora as pessoas olham para mim assim e enxergam outra pessoa que não só representa essa voz, mas que é a própria voz porque essa questão indígena, ambiental e de ser mulher sempre vem junto. [Marina] Foi uma pessoa que por muito tempo nós realmente também nos espelhávamos, acreditamos, votamos, os indígenas tinham essa confiança nela, agora nós temos nós mesmos. A gente quer ser a própria protagonista da história, tendo uma porta-voz que é a própria representação sem intermediários, alguém que fale por nós… Acho que já superamos isso.

Como está a questão ambiental nesse governo?

Está muito nos acordos, o Ministério do Meio Ambiente sendo totalmente pautado pela bancada ruralista, não faz nenhum enfrentamento, não apresenta nenhuma nova bandeira, fica parecendo que está tranquilo. Há um medo de enfrentar, é como estão todos do mesmo lado, com os mesmos interesses, não tem como ter uma expressão. O que precisa ser enfrentado é a questão da proteção do próprio meio ambiente em relação a reduzir o desmatamento que não se consegue, apresentam números que não batem com a realidade. Quando você olha no chão não tem essa redução.

 

 

Por Grasielle Castro

Fonte: HuffPost Brasil