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Soltar presos em flagrante não faz com que eles voltem a cometer crimes, mostra levantamento inédito

12 de julho de 2018
Ilustração por The Intercept Brasil

O senso comum diz que, em liberdade provisória, presos voltam a praticar crimes. Não é o que apontam os números da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que acompanha há dois anos na capital carioca uma nova forma de triagem de presos que cometeram crimes em flagrante, as chamadas audiências de custódia. Em sessões com cerca de 10 minutos realizadas até 24 horas, os detidos em flagrante são apresentados a um juiz que decide por manter ou não a prisão. Ao menos 80 casos são analisados por dia no estado.

Dos 4.545 presos soltos até hoje, somente 617 voltaram a cometer crimes e passaram por uma nova audiência – 5,28% dos casos. Ao todo, 11.667 pessoas já foram atendidas.

As audiências de custódia, criadas em em 2015, são uma tentativa de diminuir essa superlotação concedendo liberdade provisória para quem foi preso em flagrante, mas tem condições de esperar o julgamento em liberdade. O sistema prisional brasileiro opera com 68,6% de presos além da sua capacidade – apenas no Rio, são 50.940 presos para 28.688 vagas. Elas acontecem em todos os estados e, em tese, deveriam ser obrigatórias.

“Existe a ideia que a taxa de reincidência – quando a pessoa é condenada e volta a praticar um novo crime –, é muito alta no sistema de justiça criminal. As pessoas chutam até 70%, mas não existem uma mensuração”, explica o defensor público Ricardo André.

Nas audiências, os juízes analisam ainda a necessidade de aplicação de outras restrições de liberdade, como o uso de tornozeleira eletrônica ou mesmo a proibição de frequentar determinados locais.

As audiências também são uma forma de o juiz verificar a prática de tortura por parte dos policiais no momento da prisão. Cerca de 35% dos presos em flagrante relatam terem sofrido algum tipo de maus tratos, segundo a Defensoria.

“A presença do preso diante do juiz permite que ele possa verificar as lesões aparentes a fim de avaliar o grau e extensão dessas lesões. É muito difícil punir os torturadores. Pouquíssimos casos vão até o fim. A contabilização é uma forma de prevenção. É possível que haja subnotificação se a vítima não estiver certa de que será vista pelo juiz”, diz André.

Cerca de 70%  dos casos atendidos pela Justiça no último ano eram de pessoas envolvidas em roubos e furtos. Na sequência, aparecem crimes relacionados ao tráfico de drogas. Desses, o que tem maior índice de libertação são os furtos, pois não envolvem violência.

“Quando o crime é cometido sem violência ou grave ameaça, o juiz verifica uma possibilidade de no futuro aquele preso, ainda que seja condenado, ter uma pena que que possa cumprir em liberdade. Então, se a pessoa não vai ser presa depois de condenada, não faz sentido que ele aguarde o julgamento preso”, diz André.

Negros continuam presos, brancos são soltos

Pelo primeiro ano, cor e raça foram levados em consideração no levantamento realizado pela Defensoria. Entre os detidos em 2017, 4.553 são pretos ou pardos e 1.337 são brancos. 79,9% que denunciaram agressões no momento da prisão eram negras. E dos que se declararam negros, 42,1% tiveram liberdade concedida. Já o índice dos brancos, chega a 48,9%.

“No geral, muitos mais negros sofrem agressão do que os brancos no momento da prisão. E, em relação ao índice de soltura, mais negros permanecem presos do que brancos”, explica Carolina Herbas, diretora de estudos e pesquisas de acesso à justiça da Defensoria.

O relatório também traça o perfil social das pessoas presas em flagrante. Das 6.374 pessoas detidas no último ano, 65% tem apenas o ensino fundamental completo, 84% têm entre 18 e 36 anos. Quase 90% dessas pessoas trabalhavam sem carteira assinada antes da prisão. Mulheres representam 7,36% entre os presos.

 

 

Por Juliana Gonçalves

Fonte: The Intercept Brasil