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“Queremos governar com o povo, de baixo para cima” | A voz ancestral de Sônia Guajajara

20 de julho de 2018

Candidata à vice na chapa de Guilherme Boulos, ela defende um modelo de desenvolvimento que priorize os povos tradicionais

Guajajara destacou-se nos movimentos indígenas e se tornou a primeira nativa a compor uma chapa presidencial na história do Brasil | Foto por Mídia Ninja

Candidata à Vice-Presidência na chapa de Guilherme Boulos, ou melhor, a copresidente, Sônia Guajajara, 44 anos, é a primeira indígena a integrar uma chapa que disputa o mais alto cargo do País.

“Queremos governar com o povo, de baixo para cima”, frisa a maranhense, que defende na entrevista a seguir um modelo de desenvolvimento que priorize os povos tradicionais e seja capaz de garantir o equilíbrio do meio ambiente. “Quem tem de se desenvolver é o indivíduo, não as empresas, como é feito hoje, atendendo prioritariamente ao interesse do capital.”

Carta Capital: A senhora é a primeira candidata indígena a concorrer às eleições em uma chapa presidencial, mas atua na política há muitos anos, por meio do movimento social. Como foi essa trajetória?

Sônia Guajajara: Sou do Maranhão, do povo Guajajara, e da terra indígena Arariboia. A minha vida toda participei de movimentos indígenas e sociais de outros segmentos. Estudei em Minas Gerais a convite da Funai e depois voltei para a aldeia para trabalhar com o meu povo. Foi quando entrei para organizações mais institucionalizadas para brigar pelos direitos indígenas por dentro. Nessa época fui reconhecida pelas comunidades como liderança no Maranhão e esse reconhecimento se ampliou por toda a Amazônia. A partir desses espaços passei a articular mobilizações e agendas de lutas do povo indígena nacional e internacionalmente.

Então começamos a articular com os movimentos que lutam pelas causas ambientais e os parlamentares que têm interesse na nossa agenda. Foi isso que me aproximou dos partidos que têm afinidade com as nossas questões, e também o que me levou ao PSOL.

CC: Essa é a primeira vez que a senhora concorre a um cargo público. Como avalia a sua própria candidatura enquanto mulher e indígena?

SG: A gente vive um momento difícil, de duros ataques aos movimentos e ao direitos sociais e coletivos dos trabalhadores. Não só os indígenas são atacados, mas toda a população. Eu achava quase impossível uma chapa como a minha e do Guilherme num momento como este. É animador, porque é a possibilidade direta e concreta de resolver esse problema da sub-representatividade da diversidade. E nós estamos colhendo os frutos desse acerto. Agora, na pré-campanha, estamos conhecendo muita gente que se vê em nós.

CC: Quando Boulos fala sobre a falta de legitimidade do atual governo, ele critica a condição do vice e diz que não é, nesse sistema, o que leva o eleitor a votar na chapa ou em projeto. Seu nome é uma tentativa de mudar essa atitude política? Qual o projeto que a une a Boulos no PSOL?

SG: Desde as primeiras discussões sobre essa composição, nós conversávamos sobre a necessidade de modificar esse perfil. O Guilherme lidera a chapa como candidato a presidente, e eu, candidata a copresidenta. Nossa pré-campanha é compartilhada. Não serei uma vice que só atua na ausência do titular. Essa história de vice “deu ruim” no Brasil. A nossa intenção é criar um programa que fique para o pós-2018, agregando movimentos e bases sociais que possam combater as desigualdades do País. O nosso programa de governo está sendo discutido popularmente em todo o Brasil. Queremos fortalecer a democracia e renovar a participação. Queremos governar com o povo, de baixo para cima.

CC: Como defensora do meio ambiente, a senhora foi bastante crítica ao projeto da Hidrelétrica de Belo Monte. Qual modelo de desenvolvimento a senhora defende?

SG: Temos de contrapor esse modelo econômico baseado na produção, no uso da terra e na exploração das florestas e dos rios. Os projetos de hoje passam por cima das comunidades e não são tão eficientes. Temos de nos espelhar nos lugares que produzem energia solar, por exemplo. São iniciativas que fazem com que o homem do campo fique no campo, e que distribuem renda entre quem vive ali. Como está, tiramos o homem do campo, mandamos para a cidade sem nenhum preparo e o deixamos à margem. Quem tem de se desenvolver é o indivíduo, não as empresas, como é feito hoje, atendendo prioritariamente ao interesse do capital.

CC: Ano a ano, as demarcações de terra têm sido deixadas de lado, quando não retrocedendo em suas políticas regulatórias. Que investidas o movimento indígena tem feito para brecar esse movimento?

SG: No atual governo, os retrocessos deixaram de ser ameaças e se tornaram casos concretos. Em diversos estados foram anuladas as demarcações de terra feitas. A primeira medida de Temer, quando assumiu, foi estabelecer o marco temporal, que foi um debate suscitado pelo Supremo Tribunal Federal em razão da demarcação da Raposa Serra do Sol. Tem outro projeto no Congresso que quer mudar as regras de demarcação de terras. É uma batalha muito dura, pois a articulação dos Três Poderes é forte, sólida. E com este governo não temos como fazer reivindicação, porque ele não é legítimo. Ele nunca vai dar voz às demandas dos povos originários, mas temos a obrigação de revogar todas essas medidas de retrocesso.

 

 

Por Carol Scorce e Carol Castro

Fonte: Carta Capital