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Quarenta e quatro Sem Terra conquistam diploma em Medicina Veterinária

5 de setembro de 2018

Trabalhadores são de oito estados e ajudarão na qualificação dos assentamentos da Reforma Agrária

Festa na hora do diploma depois de cinco anos sem repetir matéria | Foto por Maurem Silva

O sonho de cursar Medicina Veterinária se tornou realidade em 2002 para Natiele Veeck, oriunda de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul, após abertura do edital para ingresso da segunda turma especial para beneficiários da Reforma Agrária. O curso acontece via Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

À época, ela era estagiária de uma cooperativa que atua em assistência técnica em Tupanciretã. “Veterinária sempre foi uma opção de curso que eu tive, mas sabia que seria difícil, porque é bem concorrido. Quando saiu o edital eu me inscrevi e fui selecionada junto a outras 59 colegas”, recorda.

Na turma de Natiele, batizada de Hugo Chávez, está Fernando Vieira, de Cáceres, no Mato Grosso. Antes de Pelotas se tornar a sua nova cidade, ele produzia alimentos no lote da família. “Fui indicado para o vestibular num encontro estadual do MST. Achei uma proposta bastante interessante para melhorar a produção dos assentamentos, principalmente a bovinocultura de leite”, acrescenta.

Dificuldades e superação

Os 60 acadêmicos tiveram que encarar inúmeros desafios em cinco anos de curso. Além de não poderem repetir nenhuma disciplina, enfrentaram preconceito de estudantes e professores, simplesmente por serem Sem Terra, e condições inadequadas de alojamento. Ainda sofreram com a morte, por doença, de uma colega, Kenia Ferreira da Silva, do Mato Grosso.

Mas os acadêmicos também guardam boas lembranças. Eles conquistaram amigos e apoio de professores, integrantes do curso de Agronomia e Diretório Central de Estudantes. “Nós formamos uma família. Isso fez com que seguíssemos as metas da turma, com que víssemos as dificuldades de outra forma”, conta Giovana Pivotto, de São José do Cedro, Santa Catarina.

Formatura

A segunda turma especial de Medicina Veterinária ficou constituída por 44 acadêmicos do Pará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins. A formatura de 39 — cinco se formaram em gabinete — aconteceu no  dia 16 de agosto em Pelotas, onde familiares e amigos se reuniram para celebrar a conquista coletiva.

Vieira e Ritieli dos Santos, oradores da turma, lembraram o quanto foi árdua a caminhada até chegar à formatura. “Nós resistimos aos olhares de repúdio, às piadas por sermos pobres e Sem Terra, às críticas ao método de ingresso. Mas saímos preparados para avaliar nosso paciente e contribuir com a nossa base enquanto médico veterinário e militante da classe trabalhadora”, ressaltaram.

O desmonte do Pronera

O curso especial de Medicina Veterinária começou a ser pensado em 2005 pelo MST, quando foi encaminhado ao Pronera, um projeto para capacitação de jovens na área. Em 2007, 60 trabalhadores ingressariam na primeira turma, porém, o Ministério Público de Pelotas entrou com ação civil contra a realização do curso. As aulas iniciaram em 2011, após parecer favorável do Superior Tribunal de Justiça ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Essa luta é lembrada pelo paraninfo da turma, professor Luiz Filipe Schuch. Na formatura, ele falou da parceira UFPel e Incra, que já formou via Pronera 89 Sem Terra em Medicina Veterinária. A terceira turma está em andamento e a quarta ingressou no final deste mês. Na colação de grau, Schuch alertou para o desmonte do programa.

“Em 2018 o investimento à educação no Pronera foi restrito a quatro novas turmas no RS. E o orçamento nacional, que já foi próximo de R$ 70 milhões, é de R$ 3 milhões. A UFPel está incluída com a quarta turma de Medicina Veterinária. Isso é motivo de felicidade, mas também de grande preocupação, pois precisamos garantir a liberação dos recursos para reforçar o programa”, apontou.

Em 20 anos de existência, o Pronera já beneficiou no país 187 mil acampados e assentados da Reforma Agrária, além de quilombolas e outros beneficiários. Numa metodologia de estudos em regime de alternância, as aulas oferecidas pela iniciativa ocorrem em sua maioria em universidades federais. De 1998 a 2011, foram realizados 320 cursos de vários níveis em parceria com instituições de 880 municípios.

 

 

Por Catiana de Medeiros

Fonte: Brasil de Fato