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Procuradoria puxa o freio da Lava Jato e beneficia Alckmin após prisão de Lula

18 de abril de 2018

Gestão de Raquel Dodge cria um novo entendimento em que diferencia caixa dois de corrupção que beneficia Alckmin, Haddad e outros 19 políticos

Michel Temer e Geraldo Alckmin, no Planalto, em 2016. | Foto por Beto Barata /Presidência da República

Menos de uma semana depois de o Judiciário mandar prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma decisão envolvendo um dos principais antagonistas do Partido dos Trabalhadores, o ex-governador de São Paulo e pré-candidato à presidência, Geraldo Alckmin (PSDB), provocou controvérsia no cenário político brasileiro. A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu enviar para a esfera eleitoral uma investigação contra o ex-governador paulista que era até então criminal. Alckmin é apontado na delação da empreiteira Odebrecht como o receptor de 10,3 milhões de reais como doações não contabilizadas, o caixa dois.

A decisão, endossada pelo vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, é uma inflexão no entendimento que vigorava dentro do Ministério Público Federal, de que o crime de caixa dois, em boa parte dos casos, é maior do que um delito simplesmente eleitoral. É um claro freio na Lava Jato. Dezenas de apurações que tramitam no STJ e no Supremo Tribunal Federal acompanhavam essa conclusão da acusação, que argumentava que a doação não contabilizada fazia parte de um esquema de desvio de recursos públicos. Houve até casos em que a doação oficial acabou sendo configurada como propina.

A gestão do ex-procurador Rodrigo Janot, responsável por dar corpo à Operação Lava Jato, entendia que vários dos casos delatados dentro dessa investigação tratavam-se de corrupção ou lavagem de dinheiro, não só de delito eleitoral. Na esfera criminal, a pena varia de 2 a 12 anos de prisão. Enquanto que, na eleitoral, varia de 1 a 5 anos. Com a atual recomendação do procurador Maia, a tendência é que a Procuradoria, comandada por Raquel Dodge, passe a ter uma nova conduta a partir de agora. Janot reagiu publicamente à mudança. Disse que era “tecnicamente difícil de engolir”, revelando tensões internas na PGR.

Agora, a expectativa é que ao menos 20 dos 84 políticos delatados pela Odebrecht consigam, assim como Alckmin, escapar da Lava Jato, e serem investigados apenas na esfera eleitoral, onde as penas são mais brandas e o tempo de prescrição é menor – ainda que, em tese, não esteja vetada a investigação de outros crimes. Entre esses beneficiados, estariam Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo e plano B de Lula nas eleições presidenciais, e Paulo Skaf (MDB), presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e pré-candidato ao Governo local, cujo caso já foi para esfera eleitoral por decisão do STF. Só não descerá à Justiça eleitoral o caso envolvendo Skaf juntamente com o presidente Michel Temer e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Ambos são acusados por delatores da Odebrecht por pedirem doações ilegais na campanha de 2014.

Embates e linha tênue

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o procurador Maia informou que Alckmin nunca esteve investigado na Lava Jato e que até o momento não há provas de que ele tenha cometido o ato de corrupção. “Nós não retiramos o ex-governador da Lava Jato. Ele não estava incluído nela”.

Vice-presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal, Maurício Gonzalez Nardelli, explica que a linha entre a corrupção e o caixa dois é extremamente tênue. “Nem sempre caixa dois é corrupção. É preciso provar que a empresa que fez a doação irregular foi beneficiada por algum ato da autoridade para quem ela doou”, explica. E pondera: “Mas também é muita ingenuidade acreditar que doações foram feitas sem esperar nada em troca. Todos sabem que não existe almoço grátis”.

Na avaliação de Nardelli, o caso envolvendo Alckmin tomou tamanha repercussão por conta do atual momento político do país. Ele acredita que poderia ser pior ainda, caso a decisão tivesse sido tomada pelo Supremo, e não pelo STJ. “O STJ é um tribunal técnico. O STF é político. E por causa dessa política do Supremo, que se tentou criar uma ‘segurança jurídica’ com o julgamento do Lula. Agora, chegamos a essa desconfiança com todo o Judiciário. O Supremo não tem se demonstrado à altura dos desafios”.

Preocupados com que todos os casos de doações ilegais fossem configurados como corrupção, políticos de diversos matizes iniciaram no ano passado uma tentativa de aprovar leis que anistiassem o crime de caixa dois. O primeiro movimento foi retirar essa criminalização do projeto batizado de 10 medidas contra a corrupção – aprovado de maneira desfigurada pela Câmara. Até o momento essa anistia ainda não evoluiu.

Se entre os operadores do direito essa discussão tem se amplificado, no mundo político ela tem atingido patamares ainda maiores. Assim que a entrevista de Maia foi publicada pela Folha, deputados federais do PSDB começaram a disseminar o texto por meio de mensagens de WhatsApp a boa parte de seus contatos. Nelas, destacava-se a fala do procurador de que Alckmin nunca havia estado na Lava Jato.

Nos bastidores, contudo, eles temem que os procuradores da Força Tarefa da Lava Jato em São Paulo tenham se sentido desafiados e, a partir de agora, se debrucem com ainda mais afinco nas suspeitas contra o ex-governador. Além disso, acreditam que os adversários tentarão explorar esse fato na campanha.

Opositores de Alckmin, principalmente do PT, também reclamaram da decisão do STJ. Mas as críticas não foram tão contundentes, já que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) também teve algumas de suas investigações enviadas à Justiça eleitoral assim que perdeu a prerrogativa de foro após sofrer o impeachment. Um desses casos é o que envolve supostas doações irregulares feitas pela empreiteira Odebrecht e pela cervejaria Petrópolis para a chapa Dilma-Temer na eleição de 2014. Outros quatro ex-governadores também deverão ser beneficiados pelas decisões do STJ.

 

Por Afonso Benites

Fonte: El País Brasil