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Prédio que desabou em SP deixou vítimas. Entre elas, os movimentos de moradia

3 de maio de 2018

Ativistas temem que governos usem episódio para criminalizar ocupações; desabrigados criticam prefeitura por ‘desviar’ doações para abrigos

Bombeiros realizam trabalho de escaldo nos escombros do edifício | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

A montanha de pedaços de concreto e formas retorcidos de metal que havia sido um edifício de 26 andares no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, ainda soltava fumaça quando o governador Márcio França (PSB) declarou, na manhã desta terça (1/5), que promotores e juízes precisavam ter “boa vontade” para “não dar liminares” a favor de pessoas que ocupam imóveis vazios e que “essas pessoas precisam ser tiradas daí”.

Horas depois, o ex-prefeito e candidato a governador João Dória (PSDB) foi além. “O prédio foi invadido e parte desta invasão financiada e ocupada por uma facção criminosa”, declarou.

Uma tragédia como essa é um prato cheio para criminalizar os movimentos de moradia”, afirma o militante Eli Carlos Mariano, da União dos Movimentos de Moradia. O padre Júlio Lancelotti, vigário episcopal para a população de rua, concorda: “As declarações do governador e do ex-prefeito indicam que há um risco muito grande de criminalizar as ocupações”. Para ele, não se pode culpar os sem-teto por tragédias como a do Paissandu. “Se houvesse respostas adequadas do poder público na questão da moradia, não ocorreria uma tragédia dessas.

Sobreviventes do prédio incendiado reunidos no Largo do Paissandu | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

O edifício Wilton Paes de Almeida foi atingido por um incêndio que começou no quinto andar e daí se espalhou. Por volta de 2h50, o prédio desabou. Pertencente ao governo federal, o imóvel estava abandonado e, há aproximadamente seis anos, havia sido ocupado por sem-tetos do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia).

Atualmente, havia no local cerca de 150 famílias, que ocupavam os dez primeiros andares. Os moradores ouvidos pela Ponte contaram que pagavam uma taxa de contribuição para a manutenção do prédio, que podia variar de R$ 150 a R$ 450.

Bombeiros buscam sobreviventes nos escombros | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

“Esse edifício não estava ocupado por um movimento organizado. Muitas dessas ocupações sem organização são feitos por oportunistas que usam as ocupações para obter lucro por meio do aluguel”, afirma o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, que foi relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo. Segundo ele, o prédio havia se tornado “uma grande favela vertical” e não poderia ser usado como moradia.

“Ali era uma laje de concreto, sem divisórias de alvenaria, com parede de vidro, que não tinha condição que permitisse abrigar famílias. Colocaram uma série de tapumes para ocupar o espaço e criaram condições favoráveis a um incêndio. E havia uma estrutura de aço que, com grande temperatura, fica comprometida”, afirma Bonduki. Para o arquiteto, é preciso distinguir ocupações como a do prédio que desabou no Paissandu daquelas feitas por movimentos de moradia organizados, que “ocupam prédios com condições de virar moradia” e “conseguem melhorar as condições” dos locais que ocupam.

Bombeiro trabalha nos escombros do edifício | Foto: Daniel arroyo/Ponte

Presidente do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo, Maurílio Ribeiro discorda da avaliação de que o edifício não serviria para habitação. “O prédio é moderno, estava em boas condições e, com algumas adaptações, poderia servir para moradia. Quando um movimento ocupa, ele cuida do prédio. O que ocorreu foi um acidente”, afirma.

Atualmente, segundo a Prefeitura, há cerca de 70 prédios ocupados na região central por aproximadamente 4 mil famílias sem-teto, a maioria em prédios particulares. Sobre o  edifício do Largo Paissandu, informa que  “a Secretaria Municipal de Habitação atuava na ocupação do edifício por meio do grupo de Mediação de Conflitos, uma vez que no local estava previsto haver a reintegração de posse, movida pela Secretaria de Patrimônio da União”. Uma vez desocupado, o imóvel seria cedido à Prefeitura.

Vida de sobrevivente

Diante da multidão de famílias carregando pouco mais do que a roupa do corpo, amontoados com seus filhos no Largo do Paissandu, soa estranho quando as palavras “podia ser pior” saem da boca de um dos desabrigados, o vendedor ambulante Celso José dos Santos, 54 anos. Mas podia.

incendio paissandu
Após incêndio, desabrigado é refrescado pelo filho no Paissandu | Foto: Fausto Salvadori/Ponte

Celso conta que, quando o incêndio começou, a porta do prédio estava trancada com um cadeado. “No meio da fumaça, fogo pegando, vai achar chave onde?”, diz. A salvação veio de um rapaz que conseguiu estourar o cadeado. “Deus abençoou, porque quase que não escapou ninguém.”

Até o momento, há uma morte confirmada: a de Ricardo, o Tatuagem, um jovem, fã de skates e tatuagens. Segundo os moradores, Ricardo já havia conseguido escapar do incêndio, mas decidiu voltar ao prédio em chamas para salvar outros moradores. Por questão de segundos, esteve muito perto de ser resgatado pelo cabo jogado por um bombeiro, mas o edifício desabou antes que pudesse ser içado até um prédio vizinho.

 

Por Fausto Salvatori

Fonte: Ponte Jornalismo