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“Os presos cuidaram de mim”, diz rapaz baleado nas costas por PM

29 de agosto de 2017

Fonte: R7

Por Peu Araújo

Jonathan de Araujo Sousa mostra os 36 pontos que levou no abdômen | Foto por
Eduardo Enomoto/R7

“Os presos cuidaram de mim”, diz o vendedor de roupas Jonathan de Araujo Sousa, de 18 anos. O jovem baleado por um policial na tarde do domingo dia 9 de julho está em liberdade desde a quarta-feira (23), depois de permanecer oito dias internado no Hospital-geral de Pedreira e 37 dias encarcerado, boa parte deles no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Guarulhos.

Na terça-feira (22), ele ganhou o direiro de aguardar o julgamento em casa. Por causa do tiro ele perdeu o rim esquerdo e parte do intestino.

Ele anda com dificuldade pela casa de dois cômodos em Cidade Júlia, na zona sul de São Paulo. Os 36 pontos no abdômen impactam mais do que a pequena marca de pistola .40 em suas costas.

Maria Irene de Araujo Oliveira Sousa, de 42 anos, mãe do jovem, fala sobre seu quadro clínico e a sorte do único filho estar andando.

— O médico dele disse que, a cada 1.000 pacientes que dão entrada como ele deu, apenas um sobrevive.

Jonathan completa.

— Uma enfermeira me disse que eu fui a primeira pessoa que ela viu levar um tiro nas costas e sair de lá andando.

O tiro

Segundo o boletim de ocorrência, Jonathan, depois de desembarcar de uma motocicleta 700 cilindradas branca, “colocou a mão na cintura, sacou uma arma de fogo tipo revólver e apontou na direção do policial que reagiu e efetuou dois disparos contra o indivíduo”. O jovem apresenta outra versão.

Ele afirma que estava em sua moto, um modelo de 300 cilindradas vermelha, e viu uma moto branca passar por ele em alta velocidade.

— Eu escutei um disparo mais perto de mim, tomei um choque e quando eu andei mais um pouco escutei outro tiro. Aí senti uma queimação muito forte e minha perna (esquerda) esticou e paralisou. Em nenhum momento eu escutei polícia falando para eu parar.

Para provar que estava em sua moto — e não na motocicleta branca, que havia sido roubada —, Jonathan mostra uma foto de marca de tiro em seu veículo. Segundo seu advogado, a perícia constatou que trata-se no veículo foi encontrado um projétil de .40.

Foto apresentada pela família de Jonathan com a marca de tiro
Foto apresentada pela família de Jonathan com a marca de tiroAcervo Pessoal

O jovem conta que voltou até a casa de um amigo, de onde tinha saído minutos antes, em busca de ajuda. Ele foi colocado em um carro e levado ao hospital. Ele relata que, no meio do caminho, foi abordado por policiais que o tentaram tirar do veículo. Depois de muita insistência, ele seguiu no automóvel em que estava.

Os policiais acompanharam Jonathan até o Hospital Geral de Pedreira. Ela conta do que se lembra.

— Eu lembro pouca coisa do hospital, mas assim que eu cheguei um policial colocou a mão no meu bolso e tirou a minha carteira, o documento da minha moto e meu celular. Quando eu estava na maca um outro policial tirou uma foto do meu rosto.

Depois de cerca de quatro horas de cirurgia o jovem acordou com uma surpresa.

— Eu acordei no hospital e tinha um policial do meu lado. Eu não entendia, porque eu estava sendo algemado.

Segundo o boletim de ocorrência, a vítima reconheceu, “sem sombra de dúvidas”, Jonathan como autor do roubo.

Ao fundo, foto de formatura do rapaz
Ao fundo, foto de formatura do rapazEduardo Enomoto/R7

A prisão

Jonathan foi encaminhado ao 98º DP (Jardim Miriam), onde passou uma noite sozinho em uma cela. No dia seguinte seguiu para o 101º DP, no Jardim das Embuias, onde permaneceu uma semana.

— A primeira noite foi horrível, eu não consegui dormir. Eu nunca tinha entrado numa delegacia. Eu estava desesperado.

O jovem conta que nem sabia o que era um CDP antes de colocar os pés em um. Ele fala como os detentos o recepcionaram.

—  Foi um choque muito grande. Na hora que eu cheguei estava rolando futebol, aquela gritaria. Quando eu entrei parou o jogo. Eles fizeram um círculo em volta de mim. Eles ficaram muito revoltados quando eu contei o que aconteceu.

Ainda sentindo as dores causadas pelo tiro, Jonathan foi bem recebido no cárcere. Ele explica.

— O costume é que o preso novo vá para a praia (dormir no chão), mas como eu estava baleado eles tiraram alguém da cama e eu fui para a cama. Eu dormia numa cama sozinho e geralmente dormem dois.

Ele acrescenta.

— Os presos cuidaram de mim. Eles tinham um cuidado muito grande comigo, não fumavam do meu lado, quando eu estava no pátio não tinha futebol para a bola não pegar em mim, eu tinha preferência no banheiro, tomava banho primeiro.

Ele fala de sua saída nesta quarta-feira (23).

— É como se eu estivesse vendo tudo pela primeira vez.

Marca do tiro que acertou Jonathan.
Marca do tiro que acertou Jonathan.Eduardo Enomoto/R7

Medo

Os familiares de Jonathan relatam que, desde o jovem levou um tiro, policiais, inclusive da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), passam diariamente em frente a sua casa.

Uma vizinha fala sobre a rotina das viaturas.

— Eles passam aqui a noite, ficam parados na esquina. Nunca teve patrulha aqui na rua, mas agora eles passam aqui todo dia, inclusive da Rota.

A família está com medo. Jonathan conta.

— Quero sair daqui, tenho muito medo. Por mais que eu queira ver meus amigos, não quero mais morar aqui. Eu só quero ficar dentro de casa.

A mãe fala sobre o momento em que estão passando.

— Nem no meu pior pesadelo eu imaginei viver o que eu vivi.

Viatura ao lado da casa de Jonathan. Segundo a família, o registro foi feito quando ele estava encarcerado no 101 DP
Viatura ao lado da casa de Jonathan. Segundo a família, o registro foi feito quando ele estava encarcerado no 101 DPAcervo Pessoal

Futuro

Jonathan, que trabalha desde os 14 anos, revela que já atuou como repositor num mercado, foi jovem aprendiz, trabalhou em telemarketing, pegador de bolinhas de tênis no clube Pinheiros, ajudante de motorista de caminhão, trabalhou em lanchonete e com vendas. Há cerca de oito meses, ele trabalha numa loja de roupas. Pretendia entrar na faculdade de Educação Física.

Para o futuro ele espera seguir adiante.

— Eu quero que tudo isso acabe logo para eu poder retomar a minha vida.

A família procurou a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo.

Em nota enviada após a publicação da reportagem, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirma que “A Corregedoria da PM informa que recebeu documentação da Ouvidoria a respeito dos fatos citados pela reportagem, a qual foi juntada ao IPM (Inquérito Policial Militar) que já havia sido instaurado para apurar todas as circunstâncias referentes ao caso. De qualquer forma, a Corregedoria da PM também está à disposição para que qualquer pessoa que se sinta coagida, ameaçada ou intimidada por algum policial militar registre o ocorrido.

Cabe esclarecer que a Polícia Civil encaminhou os depoimentos e provas coletadas no dia da ocorrência à apreciação dos representantes do MP e do Poder Judiciário, que expediram o mandado de prisão preventiva contra o acusado. A arma encontrada no local dos fatos, assim como a de um policial, foi apreendida e encaminhada para perícia. A moto roubada foi periciada e entregue ao dono. Os PMs que participaram da ação foram designados para serviços administrativos, sendo afastados do trabalho nas ruas até o término das investigações”.