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Ocupação contra distorção nas cotas na UFRGS: reitoria deve acatar pauta do movimento negro

13 de março de 2018

Movimento negro da UFRGS ocupa reitoria contra ‘destruição’ de política de cotas

Frei David (dir.) participou da atividades na reitoria ocupada e mediou o diálogo com o reitor | Foto: Reprodução Facebook/Balanta

Apesar de as negociações diretas entre a reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e os estudantes que promovem a ocupação do prédio estarem congeladas, uma reunião realizada nesta segunda-feira (12) entre o reitor Rui Vicente Oppermann e o diretor-executivo da ONG Educafro, Frei David Santos, pode ter encaminhado a solução do impasse a respeito das mudanças nas políticas de cotas da universidade e da ocupação da reitoria da instituição, iniciada na última quarta-feira (7). As partes devem agora se encontrar em uma audiência de conciliação na Justiça para entrar em um entendimento.

Frei David, uma das lideranças da frente nacional de movimentos que luta pela qualificação da política de cotas, veio a Porto Alegre para apoiar a ocupação dos estudantes ligados ao movimento negro e atuou como mediador da negociação com a reitoria. Segundo ele, o encontro foi positivo porque indicou que há um “crescente entendimento” da direção da universidade da pauta do movimento negro e uma indicação de que as suas demandas serão atendidas.

O mediador – reitoria e movimento não conversam diretamente desde a semana passada – afirmou que o reitor Oppermann se comprometeu a incluir negros do movimento universitário e indicados por entidades sociais do movimento negro na composição da comissão recursal de verificação de fraudes na política de cotas raciais. Até então, apenas a primeira instância da comissão de verificação tinha essa composição, um dos fatos que justamente motivou a ocupação da reitoria. O movimento negro reclama que, na comissão que analisou os recursos dos estudantes apontados como fraudadores, pessoas que não apresentam o fenótipo negro – características como cor de pele, formato de lábios, nariz, etc. – passaram ter a cota validada desde que apresentassem comprovação de descendência, isto é, tivessem pais ou bisavós negros.

“Essa primeira demanda foi atendida e, para evitar que seja só uma fala de boca do reitor, conseguimos que a garantia de que ele assinará um docuimento a ser elaborado em audiência de conciliação, na qual os estudantes também vão dizer se estão satisfeitos essa mudança”, disse o frei.

Ele também destaca que outra demanda que o reitor se comprometeu a cumprir foi a de que a comissão de verificação terá autoridade total sobre quem tem direito às cotas raciais e que o único critério será o fenótipo. “Aquela história de genotipia do avô cai por terra e aquela história de índio pardo também cai por terra, porque a comissão tem autoridade de manter-se unicamente naquilo que a politica publica defende, naquilo que o STF definiu na ADPF 186, que a autodeclaração é a porta inicial, mas que essa porta inicial tem que ser reforçada com a comissão de combate a fraudes. Ou seja, que estas comissões têm total autonomia perante a Justiça”, afirmou.

Segundo Frei David, a legislação que estabeleceu as cotas sempre teve como objetivo reservar vagas nas universidades públicas para estudantes com características do negro (preto ou pardo), e não para pessoas com familiares negros. No entanto, ao longo do tempo passou-se a aceitar como válida a autodeclaração, o que para ele era uma tese defendida por pessoas contrárias ao movimento negro, incluindo antropólogos cuja defesa era de que descendentes de negros deveriam ter direito a vagas. “Essa é uma visão ingênua de pessoas que trabalham muito mais com uma antropologia eurocêntrica, desfocada da realidade brasileira. A polícia quando para um ônibus, não vai perguntar sobre os seus parentes antes de te tornar o foco da ação, vai olhar para o seu cabelo, sua pele”, disse.

O frei cita como exemplo de jurisprudência que autoriza comissões de verificação a não homologar matrículas de postulantes a cotas que não tenham características do negro o recente concurso realizado para o Itamaraty, em que a Justiça determinou a suspensão da posse, prevista para fevereiro, de candidatos brancos que ingressaram via cotas e que tiveram a inscrição como cotistas homologada por uma comissão recursal. “Um despacho do Ministério Público Federal mostrou que houve uma grande falha nessa comissão, que não teve um critério pré-determinado para fazer o seu trabalho. Fez na base do achismo e achismo não é critério”, afirmou.

Ele destacou que este não é um problema da UFRGS, que ainda estaria, em realidade, mais avançada que a maioria das universidades federais em sua política de cotas. “100% das universidades do Brasil estão com problemas iguais ou piores do que a federal do Rio Grande do Sul. Apenas 18 foram responsáveis e criaram comissões de averiguação de fraudes”, disse.

David ainda afirmou que a frente nacional de movimentos negros irá acionar a Justiça denunciando as universidades que ainda não adotaram comissões de verificação de fraudes por improbidade administrativa. “Essas universidades não estão administrativamente levando a sério o sucesso da política pública, o que consciente ou inconscientemente prejudica uma parcela da população. Mas não é uma brincadeira que o reitor faz se quiser, é uma política de estado no Brasil, votada e aprovado pelo Congresso Nacional. Então, o reitor tem que cumprir, senão ele tem que sofrer um processo por improbidade administrativa”, afirmou.

Procurada, a reitoria da UFRGS confirmou, por meio de uma assessoria, que uma audiência de conciliação será realizada para discutir a ocupação e a política de cota, com a data ainda a ser marcada pela Justiça, e que a direção da universidade participará da reunião. O movimento Balanta, um dos que lidera a ocupação, também diz estar esperando a audiência de conciliação, mas que a ocupação irá permanecer até ela ocorrer.

 

Fonte: Sul21

Por Luís Eduardo Gomes