“O Estado tira do pobre, da classe média, para dar aos super-ricos”, diz Guilherme Boulos
Pré-candidato do PSOL à Presidência participou da série “Sabatina GaúchaZH“
O mais jovem pré-candidato à Presidência da República e uma das principais lideranças da esquerda no país, Guilherme Boulos, 36 anos, do PSOL, é o quarto participante da série Sabatina GaúchaZH.
Entrevistado na segunda-feira pelos jornalistas Carolina Bahia, Daniel Scola e Rosane de Oliveira, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que não esconde o entusiasmo quando comparado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), defende a implementação de mecanismos de democracia direta, investimentos públicos em infraestrutura social e reforma tributária progressiva, com taxação concentrada na renda dos “super-ricos”:
— Vamos, sim, criar imposto sobre grandes fortunas, que está previsto no Constituição desde 1988 e não foi regulamentado até hoje por falta de coragem.
Na contramão de companheiros do PSOL que querem distância do PT, como Luciana Genro, Boulos esteve ao lado de Lula no dia em que foi preso, em São Bernardo do Campo, e defendeu a resistência. Ele diz que a afinidade é recíproca, mas não alimenta esperança de ser o indicado pelo petista, caso o ex-presidente seja mesmo impedido de concorrer:
— O PT não deixaria — afirma.
Confrontado com os baixos índices nas pesquisas, o pré-candidato tenta manter um discurso otimista:
— As pessoas não se sentem representadas pelo que está aí. As instituições estão em crise, talvez inédita desde o fim da ditadura militar. Então, isso abre espaço para a construção do novo.
Assista ou leia a entrevista na íntegra abaixo:
Nas recentes pesquisas de intenção de voto, o senhor aparece com 1%. Esta é uma campanha curta, e estamos há menos de três meses das eleições. Como fazer deslanchar a sua candidatura?
Estamos diante das eleições mais imprevisíveis dos últimos 30 anos no Brasil. A mesma pesquisa que você citou mostra que 58% dos brasileiros não sabem em quem votar ou dizem que vão votar nulo, em branco. A situação geral é de indefinição para uma crise do sistema político. O sistema político brasileiro faliu. As pessoas não se sentem representadas pelo que está aí. As instituições estão em crise, talvez inédita desde o fim da ditadura militar. Isso abre espaço para a construção do novo. Essa crise de representação, essa desesperança da sociedade, permite que aventureiros e oportunistas saiam da sua toca e queiram explorar o medo e a insegurança das pessoas, fazendo política em cima da intolerância e do ódio. E aqui estou falando de Jair Bolsonaro (pré-candidato à Presidência pelo PSL).
Se por um lado há espaço para esse tipo de excrescência, por outro também é oportunidade para apresentar o novo e a mudança. Não temos a menor dúvida de que, quando tivermos oportunidade, durante a campanha, de dialogar com o povo brasileiro e apresentar alternativa que toque o dedo na ferida, uma alternativa que não tenha medo de bater de frente com o privilégio e que diga, com todas as letras, que esse sistema político faliu, que precisa ser refundado, vamos conseguir dialogar com maioria do povo.
“O sistema político brasileiro faliu. As pessoas não se sentem representadas pelo que está aí”
Quando fala em “bater de frente com os privilégios”, poderia exemplificar quais combateria em primeiro lugar?
Posso exemplificar começando com os privilégios da elite financeira do país. É inadmissível que o Brasil seja a sétima economia do mundo e esteja entre os 10 países mais desiguais do planeta. É inadmissível, segundo levantamento da Oxford, que seis bilionários tenham mais patrimônio, riqueza, renda, do que 100 milhões de brasileiros e brasileiras. Não dá. Esse abismo social que temos no Brasil é resultado de um Estado que funciona como se fosse um Robin Hood ao contrário, que tira dos trabalhadores da classe média, dos mais pobres, para dar para os super-ricos. O Robin Hood tirava do rico para dar ao pobre. O Estado brasileiro tira do pobre, da classe média, para dar aos super-ricos, com um sistema tributário abusivo e injusto. Isso precisa ser enfrentado.
Como corrigiria isso? Criando, por exemplo, imposto sobre fortuna?
Vou lhe dar dois caminhos. Primeiro, é a reforma tributária. Vamos, sim, criar imposto sobre grandes fortunas, que está previsto no Constituição desde 1988 e não foi regulamentado até hoje por falta de coragem. Vamos, sim, tributar lucros e dividendos. Não é aceitável que acionista de grande empresa não pague sobre o que recebe da companhia. Estudos de tributaristas mostram que só a tributação de lucros e dividendos arrecadaria R$ 60 bilhões para o país por ano. Hoje, no Brasil, quem tem mais, paga menos. Quem tem menos, paga mais. Vamos colocar essa coisa nos eixos. O segundo caminho é que vamos enfrentar a farra do bolsa-empresário no Brasil. Não dá. Saiu recentemente declaração do secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, que falou que, neste ano, o país vai deixar R$ 283 bilhões de desonerações a empresas. Isso é 4% do PIB, o dobro da média internacional em desonerações. Tem de acabar com essa palhaçada.
As pessoas dizem, muitas vezes, sobre o Bolsa Família, “ah, não pode dar o peixe, tem de ensinar a pescar”. Para lá. A média do Bolsa Família é de R$ 174 por família. Hoje não dá quase para comprar um botijão de gás no país, do jeito que a coisa anda. O total do Bolsa Família no orçamento da União é R$ 30 bilhões ao ano, 10 vezes menos do que o bolsa-empresário. Vamos deixar de dar o peixe ao grande empresário e ensinar a pescar.
O Brasil tem mais de 12 milhões de desempregados. Qual sua proposta para geração de empregos?
Estamos em crise profunda, com anos de recessão, o PIB tem queda acumulada em três anos e pouco de 7%, e nenhum país do mundo saiu de crise sem investimento público. Não tem saída da crise sem investimento público. Vamos criar programa emergencial para geração de emprego e renda, recuperar o emprego para o trabalhador brasileiro, primeiro retomando o investimento público em infraestrutura social, em saneamento, em moradia. Isso, além de gerar melhoria na qualidade de vida, gera emprego. Vamos investir em serviços públicos, saúde, educação, nessas cadeias, e vamos retomar o programa de obras públicas. Como vamos fazer isso? A reforma tributária progressiva e o fim da farra das desonerações. Isso libera condições de investimento para o Estado que são incríveis. É mentira que falta dinheiro. O dinheiro está mal distribuído ou superarrecadado por quem está recebendo benefício fiscal indevido.
Outra coisa: venderam um peixe podre para os trabalhadores brasileiros com a reforma trabalhista. Disseram: “vamos cortar direitos, que isso vai gerar empregos”. Opa! Vai fazer um ano da reforma trabalhista, e o desemprego só cresceu e precarizou o trabalho de quem tem.
Pretende reverter alguma coisa da reforma trabalhista?
Não tenho a menor dúvida. Nossa primeira medida, dia 1º de janeiro de 2019, se ganharmos as eleições, vai ser, com o Congresso e a sociedade e brasileira, chamar um plebiscito para que o povo possa decidir se quer manter ou revogar as medidas do governo Michel Temer. E cito aqui a reforma trabalhista em bloco, inteira. Ela não foi feita para modernizar a legislação do trabalho. Foi feita para retirar direitos.
O povo vai ter condições de votar em questões técnicas, por exemplo, que não dizem só respeito somente ao trabalhador, mas também ao empregador?
Essas não são questões técnicas, são questões sociais. Você autorizar que uma mulher grávida possa trabalhar em locais insalubres, isso não tem nada de técnica.
Em relação à contribuição sindical obrigatória, também acha que é um ponto que deve ser revogado?
Há uma legislação que precisava ser aprimorada. Agora, isso precisa ser discutido com as categorias. Contribuição sindical tem de passar pela assembleia. Os trabalhadores têm de ser chamados a opinar. O que não pode é fazer como se fez, um enfraquecimento geral dos sindicatos. Não estou falando apenas de estrutura, mas sobretudo da legislação. Com os sindicatos não precisando mais homologar demissão, os acordos coletivos perderam valor em relação aos individuais, porque isso enfraquece os trabalhadores. O sindicato é um mecanismo importante de luta. É claro que sindicato que não representa de fato os trabalhadores e que serve para poder pegar recursos públicos e chupinhar tem de ser combatido.
Qual sua posição sobre a reforma da Previdência?
Primeiro, temos de encarar o fato de que toda vez que aumenta a expectativa de vida de um país, abre-se o debate sobre sistema de seguridade social e de previdência pública. E é preciso fazer esse debate de maneira democrática. O que é a Previdência? Solidariedade de uma geração com outra. Hoje, trabalhamos para ajudar a sustentar a aposentadoria de uma geração que trabalhou antes, que, por sua vez, quando trabalhava, sustentou a aposentadoria de outra geração. É solidariedade geracional.
Esse princípio o senhor não quebraria? Porque também há países em que o sistema é diferente, a pessoa faz a poupança para depois, no futuro.
Não achamos que deveria se individualizar a Previdência. Ela tem de ser um direito universal. Mais do que isso. Não há países do mundo em que esse sistema é autossustentável. Ele precisa, sim, de investimento público. Isso se chama de déficit. Aliás, a Constituição já prevê isso. Uma série de fontes de financiamento para seguridade social no Brasil, PIS, Cofins, Pasep, contribuição social sobre lucro líquido, são impostos destinados a sustentar a seguridade e a Previdência. Quando começa o problema? Quando 30% do total dessa arrecadação por meio da DRU é desviado da sua finalidade original. E é sistematicamente utilizado para pagar juros da dívida pública para agiota. Vamos rever a DRU, porque é muito fácil apontar o déficit da Previdência quando o dinheiro que deveria ir para ela está sendo retirado. É claro que vai ter um rombo cada vez maior.
Segundo: precisamos cobrar das grandes empresas que não pagam a sua parte. Temos R$ 450 bilhões de estoque de dívida de grandes empresas com a Previdência no Brasil. Mais do que isso, tem uma série de desonerações em folha, que aí é fluxo, não é estoque, de empresas que deixam de pagar para Previdência. Temos de rever essas desonerações. O que o Temer tentou fazer é crime, covardia. Você querer botar a conta do problema da Previdência em gente que trabalhou a vida inteira e que vai receber um salário mínimo depois. Isso é covardia de quem não tem coragem para mexer em grandes privilégios. Não vamos aceitar e vamos mexer na ferida, no privilégio.
O senhor é um dos líderes do MTST, e as ocupações geram debate intenso no Rio Grande do Sul. Qual é o critério para existir uma ocupação? Qual é a sua avaliação?
Quero agradecer pela pergunta, porque ajuda a esclarecer muitos preconceitos. Estou há 17 anos na luta pelo direito à moradia e o que mais ouço, quando há ocupação, é “ah, é vagabundo”, “gente que quer tomar o que é dos outro, quer ganhar fácil”. É muito fácil fazer essa leitura sem se colocar na pele das famílias que vão para uma ocupação. O que leva uma senhora com seus dois filhos a pisar no barro, ficar debaixo de um barraco de lona, sem água encanada, sem energia elétrica, sem infraestrutura básica, não é nenhum tipo de oportunismo, porque ela não está ganhando nada com isso. É completa falta de alternativa. Temos milhões de pessoas no Brasil que, no final do mês, tem de escolher entre pagar aluguel e botar comida na mesa. Conheci muita gente, atuando no movimento de moradia, que chega lá e diz: “Olha, recebo R$ 900 por mês e pago R$ 700 de aluguel”. O que você vai dizer para uma pessoa dessas? O poder público nunca ofereceu alternativa para ela. O que você vai dizer para uma família dessas?
O problema é complexo. Mas qual é o critério para a ocupação?
Temos de ver as ocupações quebrando esse preconceito, entendendo ela como um problema social antes de qualquer outra coisa. Poderíamos falar aqui também do problema legal, e aí vamos tratar disso. Qual é o critério que um movimento social usa para ocupar uma terra? Ninguém, ao contrário do que mistificam, vai chegar e falar “ó, vai ocupar o teu quintal, vai dividir teu quarto no meio, vai ocupar teu apartamento”. Não é isso. Movimento social ocupa prédio ou terreno que está abandonado, ocioso, devendo imposto. Portanto, está numa situação ilegal.
“Nossa primeira medida, se ganharmos as eleições, vai ser chamar um plebiscito para que o povo possa decidir se quer manter ou revogar as medidas do governo Michel Temer”
Mesmo que seja privado?
Sim, porque está ilegal. A Constituição assegura o direito à propriedade privada, mas também diz que a propriedade tem de cumprir função social. Propriedade que está largada, abandonada, devendo, está em situação inconstitucional e ilegal no país.
Mesmo que esses locais não tenham condições?
Quem tem condições, competência para analisar isso e resolver é o poder público. Quem tem Defesa Civil, bombeiro, engenheiro, arquiteto para fazer análise de habitabilidade é o poder público, que, aliás, não deveria deixar um prédio sem condições, esperando para ser ocupado. Deveria fazer a lei ser cumprida, desapropriá-lo e requalificá-lo para moradia popular e entregar para as famílias que precisam.
Qual é a sua relação com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)?
Relação de apoio. A luta para a reforma agrária no Brasil é dívida histórica do nosso Estado. Vamos lembrar do comício da Central do Brasil, do gaúcho João Goulart (presidendo do Brasil entre 1961 a 1964), em 1964, que estava lá assinando a lei da reforma agrária. Mas, em 54 anos, ela não foi feita no Brasil. Temos 1% dos proprietários que concentram 40% das terras. Isso é inadmissível.
Mas concorda com a invasão quando a fazenda é produtiva e, mesmo assim, é ocupada?
Temos de discutir quais são os critérios de produtividade. Um latifúndio que esteja em suposta produtividade, tem lá uma terra do tamanho do Mato Grosso e você planta um pé de alface e vem me dizer que é produtivo? Não é.
O senhor é contra o uso de transgênico?
Sou contra transgênico.
E pretende banir?
Claro, assim como vários países do mundo já o proibiram. A produção de agrotóxico, de transgênico, na verdade, serve para enriquecer meia dúzia de corporações, como Syngenta, Bayer. Monopolizam o comércio das sementes e tornam qualquer pequeno agricultor refém deles, porque as sementes têm de vir deles, e trazem um prejuízo incalculável para o meio ambiente no médio e longo prazos. Vamos banir isso. A gente ouve muito que o agronegócio é a salvação nacional. Pera lá, gente. 70% da comida que chega na nossa mesa todos os dias vem da agricultura familiar, que recebe quase zero de crédito do Estado, enquanto o agronegócio tem dinheiro e tapete vermelho em qualquer instituição bancária pública.
Dentro do campo de centro-esquerda, o concorrente com o melhor desempenho nas pesquisas, com exceção de Lula, é o candidato do PDT, Ciro Gomes. O PSOL estaria disposto a fazer aliança com ele?
Praticamos uma unidade da esquerda quando se trata de defender princípios, democracia, direitos sociais, que estão sendo fortemente agredidos no Brasil no último período. Temos de pensar, quando se fala de unidade, onde estava cada um no verão passado. Eu estava, junto com o PSOL, junto com vários movimentos sociais que constroem a aliança da nossa candidatura, construindo lutas sociais, contra a reforma da Previdência, contra a reforma trabalhista, para tirar o Temer do poder, quando ele se salvou. Salvou o pescoço dele com emenda parlamentar comprando mais da metade do Congresso. É lá que estávamos. Unidade se constrói aí. Tanto eu quanto PSOL, PCB e movimentos que estão conosco não nos sentimos representados por projeto que volte a fazer aliança com quem está na base de Temer e que ajudou a dar golpe parlamentar no Brasil. Não me representa.
Mas, e em eventual segundo turno, no caso de o senhor ficar fora, e aquela escolha que precisa ser feita entre o ruim e o menos pior, às vezes. Qual seria a posição do PSOL?
Primeiro, espero estar no segundo turno, acreditamos que há espaço enorme para que a nossa pré-candidatura cresça. Agora, em cenário de segundo turno em que eventualmente a gente não esteja, e esteja qualquer representação da centro-esquerda contra uma candidatura do campo do Michel Temer, estaremos com essa representação da centro-esquerda contra Temer. Não há a menor dúvida.
O que acha da Lava-Jato?
Primeiro, o combate à corrupção é fundamental para o país. Se houver operação policial, judicial ou a Lava-Jato que foque no combate à corrupção, muito bem. O que não pode é ela começar a se partidarizar e a se politizar nas suas investigações. Isso é um problema. Temos que combater a corrupção independentemente da coloração partidária. E, mais do que isso, temos de fazer combate à corrupção na sua estrutura. Uma operação policial não basta para isso. Lava-Jato é a dipirona diante da febre do sistema político.
Mas não é importante?
E é uma dipirona que ainda tem efeito colateral. Seria muito importante para a sociedade se se limitasse a fazer o combate à corrupção sem partidarização. Não foi isso que aconteceu.
O senhor pode dar um exemplo de partidarização?
A prisão de Lula. É um exemplo muito claro. Foi usado critério totalmente diferente para ele.
Mas o senhor reconhece a existência de desvios na Petrobras, por exemplo?
Não tenho a menor dúvida.
Então, como se puniria esses desvios?
Justiça criminal não se faz com achismo, se faz com provas. Não se condena no atacado. Justiça criminal precisa ter prova para condenar alguém. Essa história de “não sei quem indicou e o outro fez”, não é assim.
No caso do ex-presidente, foi o dono da OAS que disse “esse apartamento era para Lula”.
Ele disse isso se contradizendo duas vezes no que tinha dito depois de um ano preso. E você está com base em uma palavra, em uma delação. Que prova material tem? Tem gravação de Temer no porão do Palácio comprando silêncio de (deputado cassado Eduardo) Cunha, tem o braço direito dele filmado com mala de dinheiro na calçada e ele está dirigindo o Brasil. Tem gravação de Aécio Neves (senador do PSDB) dizendo até que iria matar o primo antes de delatar, e está fazendo lei a essa hora no Senado.
Estão errados, mas os dois têm foro privilegiado.
De um lado, há prova de sobra e não tem punição. Do outro, não tem prova material e tem punição. Não dá para ser assim. Quero acrescentar uma coisa: estamos falando de um desvio da Lava-Jato, que foi ir para o caminho da politização e da partidarização. Mas investigação, qualquer que seja ela, policial, operação judicial, não resolve a estrutura da corrupção no Brasil. A infecção. Corrupção é uma febre, você tem uma dipirona na operação policial. Temos de mexer na infecção. A infecção é como se organiza o sistema político brasileiro.
E como se mexe nessa infecção, então?
Primeiro, vamos diagnosticar o problema para dar a solução. Vamos falar o português claro para quem está nos lendo. Como é que começa a corrupção no Brasil: financiamento privado de campanha eleitoral. Grandes empresários, empreiteiros, banqueiros, agronegócio pagam campanha de deputado, governador, presidente da República, vereador, de cima a baixo. Aí quem ganha vai atender ao interesse de quem pagou, e não de quem votou. Se formam verdadeiras máfias no Congresso e no poder público. Máfias que defendem interesse corporativo.
Por conta da polêmica do impasse em torno do habeas corpus de Lula, o senhor disse que, se eleito, implementará processo de democratização do Judiciário. Acha que o Poder Judiciário não é democrático?
Não tenho a menor dúvida. É absolutamente antidemocrático.
Mas julga o Poder Judiciário em cima desse episódio?
Não. Julgo o Poder Judiciário em cima do que é e sempre foi na história brasileira.
Que é?
Que sempre julgou com dois pesos e duas medidas. Me diga se tem um juiz pobre no Brasil. Procure um, com lupa. Poder Judiciário é um poder elitizado, é um poder sem nenhum grau de controle social. Nenhuma instituição confiável se autocontrola. Toda instituição precisa ter controle externo.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não faz esse papel?
O CNJ é praticamente interno. Os privilégios do Judiciário e a falta de controle da sociedade sobre ele precisam ser enfrentados.
Sobre o programa Minha Casa Minha Vida, muitos condomínios estão hoje caindo aos pedaços. Onde é que o governo errou nesse caso?
O programa teve o mérito de trazer subsídio público. Teve um programa, um programa federal e teve recurso com subsídio. Muito bem. Qual é o problema? Ele foi feito na mesma lógica como historicamente se pensou moradia popular no Brasil: jogar os pobres para mais longe. Então, foram sendo construídos condomínios grandes nas periferias das cidades, não tem infraestrutura, onde não há serviços públicos e longe das ofertas de emprego. Essa lógica de que pobre tem de morar na periferia é muito ruim e precisa se enfrentada. Como? Destinando terrenos e imóveis ociosos nas regiões centrais para moradia popular. Temos de quebrar esse tabu de que pobre não pode morar no centro.
“Tanto eu quanto PSOL, PCB e movimentos que estão conosco não nos sentimos representados por projeto que volte a fazer aliança com quem está na base de Temer”
O senhor, como nós, é privilegiado, pois teve acesso ao Ensino Superior, algo que a maioria dos brasileiros não tem. E hoje se gasta muito no nível Superior e pouco lá embaixo. O resultado é que as crianças que tiveram uma má escola pública não terão acesso à universidade pública. Como se quebra essa escrita?
Vamos revogar a Emenda Constitucional 95 (conhecida como teto dos gastos), que congela dinheiro inclusive da educação, pelos próximos 20 anos. Porque dizer que educação é prioridade e não destinar o investimento para ela é demagogia e hipocrisia. Vamos fazer reforma tributária progressiva, acabar com farra de desoneração de juro abusivo para poder ter recurso público para investimento pesado em educação. Tem de ter prioridade no ensino básico. Começando desde a creche, educação infantil em tempo integral para poder atender às mães que trabalham e estudam, universalizando o atendimento de creche no país.
O senhor é, talvez, um dos principais líderes políticos de esquerda que surgiu nos últimos anos. E é jovem. Em qual modelo de governo se inspira?
Me inspiro em muita gente que lutou e luta por justiça social, democracia, direitos. Não acredito em repetição de modelos. Acho que o Brasil é grande e diverso demais para repetir o que aconteceu em qualquer outro lugar. Acredito firmemente em um país com igualdade de oportunidades, que ninguém seja diferente ou discriminado pelo lugar onde nasce, pela cor da sua pele ou por condição econômica. Acredito em um país que não tenha privilégios, com participação das pessoas, em que elas possam decidir sobre seu próprio destino.
Por Carolina Bahia, Daniel Scola e Rosane de Oliveira
Fonte: GaúchaZH