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Moradores relatam abusos em ação das Forças Armadas com 13 mortos no RJ

21 de agosto de 2018

Operações nos complexos da Penha, Alemão e Maré deixam 5 mortos, além de outros 6 na Ponte Rio-Niterói, e primeiro integrante do Exército em serviço é morto desde início da intervenção

 

Operação das forças de segurança no Complexo do Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio | Foto por Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Alô? Calma aí, muito tiro”, diz a voz ao telefone. Alguns segundos passam. “Agora posso falar. Está assim desde as 5 horas da manhã, não para o tiroteio”. O relato é de uma moradora da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, uma das comunidades alvo de operação das Forças Armadas nesta segunda-feira (20/8). Ao menos 13 pessoas morreram, sendo uma dela o primeiro integrante do Exército a ser morto em serviço desde o início da intervenção federal na segurança do RJ, em 16 de fevereiro de 2018.

Cerca de 4 mil militares e 70 policiais civis atuaram nos complexos do Alemão, da Maré e da Penha. De acordo com informações do CML (Comando Militar do Leste), o objetivo era reprimir o tráfico de drogas na região. Informações iniciais apontavam para oito mortos na Penha, depois o Comando retificou o número e informou que foram cinco vítimas. Oficialmente, não foram dados detalhas sobre as circunstâncias das mortes. O GIF (Gabinete da Intervenção Federal), comandado pelo general interventor Walter Souza Braga Netto, silenciou quando questionado pela Ponte sobre a ação.

Outros seis pessoas morreram baleadas na Ponte Rio-Niterói. Eles estavam em dois carros e, segundo o Exército, fugiam da operação nas comunidades. “Estou perdendo várias amizades, os amigos estão todos morrendo. O bagulho está foda, mas vejo isso como coisas da vida, já estou acostumado. É foda perder amigos…”, lamentou um morador da Penha, pedindo anonimato por temer represálias.

Ainda nos complexos, dois militares ficaram feridos e um deles morreu. O cabo Fabiano de Oliveira Santos estava na Serra da Misericórdia quando foi baleado no ombro, mas morreu no caminho para o hospital. Outro soldado, atingido na perna, está fora de perigo. Às 19h, o CML confirmou a morte de outro militar, por volta de 17h40, no Complexo da Penha.

“Neste momento de consternação e pesar, o Comando Militar do Leste solicita que seja concedido o respeito ao luto e à contrição das famílias dos militares, ressaltando que todo o apoio psicológico e espiritual vem sendo dado ao soldado e aos familiares de ambos”, explicou o CML, em nota, apontando que tomou “todas as medidas administrativas e judiciais cabíveis”.

“Por fim, concitamos à população fluminense um momento de reflexão acerca do supremo sacrifício despendido por estes militares em sua missão de proporcionar um ambiente seguro e estável ao habitantes do Estado do Rio de Janeiro”, finaliza o texto do Comando.

‘Esculacho’ em morador

Moradores dos complexos contaram que a rotina muda durante as operações, contínuas nos últimos três dias nas comunidades. Revista em todos os que passam pelos militares, inclusive com checagem de bolsas e celulares, é prática comum e naturalizada, segundo relatos.

“Quando isso acontece [tiroteio], eu corro pra trás da minha casa e me escondo. A gente tem que se proteger. Acordamos com rajadas de tiros e parece que vai ser o dia todo assim”, conta uma mulher que vive na Penha. “Tão esculachando morador, botando pé na porta, revistando… Essa guerra não tem fim”, continua.

A ação desta segunda-feira (20/8) teve maior intensidade por parte das Forças Armadas na Penha, com “poucos tiros” sendo ouvidos no Alemão, outro alvo das ações desde sábado (18/8). Contudo, a comunidade com ação mais tranquila teve muitos “mandados para entrar nas casas”, conforme testemunhas.

Um morador do complexo confirmou ter ouvido “muito tiro e muita gente morrendo” desde o começo do dia. “O negócio aqui está feio. Imagina para nós, moradores, acordar com isso? Somos trabalhadores, queremos nossos direitos. Hoje muitos ficaram em casa, as crianças também”, conta, dizendo ter esperança que “amanhã seja um outro dia e que acabem os tiros”.

Observatório critica ‘confrontos inúteis’

A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro completou seis meses desde o seu início no dia 16 de agosto. Desde o começo, o cabo Santos é o segundo militar morto, o primeiro durante o trabalho.

O outro militar, um sargento, estava em seu período de folga quando reagiu a um assalto em 20 de fevereiro e não resistiu aos ferimentos. O caso aconteceu em um arrastão em Campo Grande, zona oeste da capital fluminense.

Para Silvia Ramos, coordenadora do Observatório da Intervenção, é preciso que se apure as circunstâncias das 11 mortes de civis provocadas pela operação. Caso confirmada a ação direta dos militares, isto representa “uma mudança preocupante” nos trabalhos.

“Até aqui, desde o início da intervenção, os soldados do Exército faziam parte de operações, mas cuidavam para não haver confrontos diretos e não haver baixas”, pontua a coordenadora do Observatório. “As Forças Armadas não podem copiar a lógica de confrontos inúteis e mortes inaceitáveis que predominam nas práticas de polícias do RJ”, continua.

A ONG Justiça Global criticou a operação, apontando para denúncias de abusos como “casas invadidas, celulares revistados e pessoas detidas por participarem de grupos de WhatsApp com alertas de segurança”. “Estamos buscando pronto esclarecimento junto aos órgãos competentes sobre as motivações desta megaoperação, além de registros claros sobre os grupamentos envolvidos, de modo a buscar efetiva responsabilização sobre as violações em curso”, diz nota da ONG.

Questionado pela reportagem sobre a operação nos complexos e a morte de civis e do militar, o GIF (Gabinete da Intervenção Federal), liderado pelo general interventor Braga Netto, não respondeu as perguntas e “solicitou entrar em contato” com o CML, reenviando o e-mail enviado pela Ponte.

 

 

Por Arthur Stabile e Carolina Moura
Fonte: Ponte Jornalismo