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Longe de Charlottesville, São Paulo também celebra o “lado errado da história”

21 de agosto de 2017

A MANIFESTAÇÃO NEONAZISTA e o atentado ocorridos na semana passada em Charlottesville giram em torno da disputa simbólica da herança representada pelos monumentos confederados. A cidade da Virgínia, seguindo o exemplo de algumas outras cidades do sul dos Estados Unidos, pretende remover a estátua do general Robert E. Lee, e os supremacistas brancos estavam por lá para defendê-la.

Lee foi o militar que comandou o exército da Virgínia contra a União, numa guerra separatista que queria manter a escravidão no Sul do país. A discussão tomou fôlego em 2015, depois que um supremacista branco matou nove pessoas negras em um atentado a uma igreja em Charleston, na Carolina do Sul. A cidade de New Orleans, por exemplo, comemorou, em maio passado, a remoção do último dos quatro monumentos confederados, exatamente uma estátua do general Lee.

O prefeito Mitch Landrieu, que é branco, reconheceu que tais monumentos celebram a supremacia branca, e disse que tal ato poderia fazer com que o estado da Louisiana finalmente começasse a se curar [dos males da escravidão], pois “não é bom continuar reverenciando uma falsa versão da história e colocar a Confederação em um pedestal”, completando que há que se reconhecer que os confederados estavam no lado errado da história.

“Não é bom continuar reverenciando uma falsa versão da história e colocar a Confederação em um pedestal”

Por “lado errado da história”, por mais que se tente amenizar ou mesmo mascarar a intenção dos estados do sul durante a Guerra da Secessão, deve-se entender:o lado que defendia a manutenção de uma economia baseada na escravidão.

Não é apenas nos Estados Unidos que o “lado errado da história” é celebrado e mascarado. Aqui no Brasil, em Santa Bárbara D´Oeste (SP), há mais de 30 anos acontece a Festa Confederada. Com patrocínio estatal e incluída no calendário oficial do Estado de São Paulo, a festa, segundo os organizadores, foi organizada para “manter viva a memória dos nossos ancestrais” – ou seja, os confederados que, depois de derrotados nos sul dos Estados Unidos, vieram procurar abrigo no Brasil, onde ainda havia escravidão.

A história desses ancestrais e de como chegaram a esta região do estado de São Paulo pode ser lida no livro “Brazil: the Home for Southerners” (“Brasil, lar dos sulistas”, em tradução livre), do reverendo Ballard S. Dunn. Na festa dos descendentes dos confederados brasileiros, assim como nas casas e nas manifestações dos supremacistas estadunidenses, a bandeira confederada está em todos os lugares: nas roupas, na decoração, nos uniformes, pintada no palco onde acontecem shows e apresentações.

O contexto dessa imigração

Um dos grandes problemas deixados por séculos de escravidão foi o que fazer com o enorme contingente de negros libertos ou libertados, que nunca seriam totalmente integrados à sociedade. Aos olhos dos ex-senhores e das autoridades, representavam tanto uma ameaça à ordem pública, em locais onde eram muito numerosos, como uma ameaça à composição étnica, por serem considerados inferiores.

Os Estados Unidos fundaram uma colônia na África (Libéria), para onde enviaram todos os negros que se dispunham a deixar o país, com todas as despesas pagas. A ideia de uma colônia de negros norte-americanos no Brasil, mais especificamente na região amazônica, também era bastante atraente, por ser mais perto e por acreditarem que tínhamos aqui um modelo de sociedade menos racista.

O governo brasileiro chegou a ser consultado em algumas ocasiões, abortando a ideia porque, na época, mesmo antes da Abolição por aqui, já se pensava em um processo de branqueamento da população. Havia leis que proibiam a entrada de africanos livres no país e, ainda em 1945, imigrantes deveriam ser selecionados de acordo com a “necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes de sua ascendência européia.” A política de incentivos para atrair imigrantes europeus brancos acabou atraindo também os brancos norte-americanos.

Descendentes de sulistas americanos na Festa Confederada de 2017 Reprodução: Festa Confederada / Facebook.

Fonte: The Intercept Brasil

Foto destaque: Emily Molli/NurPhoto