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Jean Wyllys: A história da seleção brasileira também é a história de muitas mulheres negras

28 de junho de 2018
Gabriel Jesus e Paulinho com suas mães, que os criaram sozinhas

Quem vê os craques da seleção brasileira em campo, no auge de suas carreiras como jogadores nos melhores clubes de futebol do mundo, talvez não imagine a realidade que eles vivenciaram durante boa parte das suas vidas. A mesma de tantas e tantos outros de nós.

Seja no que diz respeito às privações e dificuldades impostas por juventudes pobres, como são as da maioria dos brasileiros, seja, como ressaltam hoje vários veículos da imprensa, naquilo que diz respeito à estrutura familiar.

É interessantíssimo observar que 6 dos 11 titulares da seleção do Brasil foram criados só pela mãe, sem a presença em casa de uma figura paterna.

Essa é uma realidade que, segundo dados divulgados pelo IPEA, já é a de 40% das famílias brasileiras.

Se antes o modelo tradicional era de pai, mãe e filha (ou filho), com o aumento no número de separações e a redução na média de duração dos casamentos mais os casos de abandono pelos pais (alienação parental), o que está se tornando cada vez mais comum é que mulheres no mercado de trabalho passem a chefiar as casas, assumindo as despesas e as regras de criação dos filhos.

Uma situação que é particularmente mais recorrente em famílias negras, já que as estatísticas também comprovam que as mulheres negras são as que menos se casam (comparativamente às mulheres brancas) e as que mais cedo se tornam viúvas. E como o racismo alimenta a desigualdade econômica, reduzindo o valor do trabalho da população negra ou mesmo afastando de oportunidades de estudo e trabalho, estas também são as mais suscetíveis às desestruturações familiares relacionadas à pobreza, como os índices de mortes por homicídio ou deslocamento forçado.

Mulheres recebem menos que os homens pelos mesmos trabalhos. Homens negros recebem menos do que homens e mulheres brancas.

E mulheres negras recebem ainda menos que os homens negros. O ocaso é a estrutura familiar particularmente partida por histórias de dificuldade que outros segmentos da população não experimentam com a mesma frequência.

E aí é que a análise dos modelos de família se tornam importantíssimos de serem observados e para que possamos entender, de fato, as trajetórias de pessoas como Gabriel Jesus, Miranda, Thiago Silva, Marcelo, Casemiro e Paulinho, nossos ídolos no futebol.

Pois, se é verdade que as mulheres negras são desfavorecidas duplamente, pelo sexismo e o racismo, a repetição de casos em que elas são as responsáveis únicas pelos lares também significa que elas suportam com muito mais dificuldade despesas que deveriam caber em igual proporção aos homens.

Falar sobre isto é importante para que não façamos o erro de analisar as condições de vida dessas pessoas só a partir de uma pobreza idealizada e mistificada. Mas que seja possível entender essas histórias na sua real complexidade.

Quando um desses jovens brilhantes encanta o mundo através das transmissões das partidas da Copa do Mundo, como outros antes deles, o que está inscrito também nas suas chuteiras é o heroísmo de mulheres que trabalharam mais do que a média, que acordaram mais cedo do que a média, que sacrificaram-se nos seus anseios pessoais, de algumas das suas vaidades, de hábitos que são comuns a muitas pessoas e que para elas acabaram se tornando luxos.

A camisa do Brasil carrega inevitavelmente o peso de braços de mães pretas que, aos trancos e barrancos, engolindo sapos e poupando o que era possível, deu aos filhos a boa criação que em outros tempos se dizia que só um pai poderia fazer. Elas provaram ser capazes de tudo que outrora diziam que era exclusividade de homens. No futebol e em todas as áreas de conhecimento.

Mulheres negras precisam ser lembradas e enfatizadas, no que fizeram e ainda fazem nas suas vida pessoais, mas também por esse histórico de combinações das desigualdades que elas transformam em histórias dignas de cinema, porque este ainda é um país que dá responsabilidades desiguais para pais e mães e que tem uma arraigada e persistente herança escravocrata.

Mulheres negras merecem nossas honras porque ergueram o país, literalmente, nos braços.

Porque, se ganharmos a próxima Copa, na Rússia, também terá sido graças ao amor e à dedicação de Veras Lúcias de Jesus, Rosângelas Freddas, Magdas Casemiros, Delanes Alves, Marias Mirandas, Ericas Nascimentos e Marias de Lourdes Ramos.

 

Por Jean Wyllys, único gay assumido no Congresso, lutador incansável na defesa dos direitos humanos, das liberdades individuais, da cidadania da população LGBT e de outras minorias no parlamento brasileiro.

Fonte: Mídia Ninja