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Guilherme Boulos: O Brasil não muda sem atacar os privilégios

27 de agosto de 2018

O presidenciável do PSOL propõe o aumento de impostos para os ricos, mais plebiscitos e referendos e o controle externo do Judiciário

Boulos: “Não tenho ambiguidades” | Foto por Marcelo Justo

As negociações partidárias limitaram o número de candidaturas presidenciais do campo progressista. Com Lula preso, o PT sem representante nos debates e Ciro Gomes em busca do eleitorado centrista, resta a Guilherme Boulos, do PSOL, a missão de exercitar a crítica ao golpismo do Judiciário e a perseguição política ao ex-presidente, expor os presidenciáveis que apoiaram desde a primeira hora o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer (“os 50 tons de Temer”, de acordo com sua definição), e criticar de maneira mais contundente o sistema financeiro. Boulos, não se pode negar, cumpre as tarefas com denodo. “Precisamos dialogar com os desiludidos e os insatisfeitos”, afirma. “Caso contrário, vamos empurrar o eleitorado para o colo do Bolsonaro.”

CartaCapital: Há três candidaturas identificadas com um mesmo campo e que em vários pontos defendem ideias parecidas: a sua, a de Lula/PT e a de Ciro Gomes. Por que o eleitor deveria escolher o senhor?

Guilherme Boulos: A minha candidatura formou-se com o objetivo de apresentar um projeto de mudança do Brasil. Não dá mais para implementar políticas sociais e avançar na oferta de direitos à população sem enfrentar privilégios. Ou seja, enfrentar os bancos, baixar juros, atacar o Bolsa Banqueiro, o Bolsa Empresário. Fazer uma reforma tributária que obrigue os ricos a pagar impostos. Vamos taxar lucros e dividendos e grandes fortunas. Defendo essas propostas sem ambiguidade. Sem medo. Ao mesmo tempo, apresentamos uma nova alternativa política.

CC: Qual?

GB: Nos últimos quatro meses visitei 22 estados. O que mais tenho visto é a descrença. “Não tem jeito… Não venha falar de política… É tudo igual.” É o que ouço. Precisamos dialogar com os desiludidos e os insatisfeitos. Caso contrário, os descrentes vão direto para o colo da extrema-direita, do Bolsonaro. Ele, da maneira mais farsante do mundo, coloca-se como alternativa ao sistema político. Um cara que há 27 anos é deputado, foi do partido do Paulo Maluf, ligado à bandalheira que a gente conhece. É preciso ousadia para se colocar contra o sistema.

Precisamos refundar a democracia. Não se pode adotar um discurso que aponte para um lado e uma prática que vá na outra direção. Dizer, como o PT faz, que pretende mudar o sistema político e se aliar com o Eunício de Oliveira no Ceará, com o Renan Calheiros em Alagoas. Manter a mesma estrutura que levou ao golpe contra Dilma Rousseff não me parece algo que se possa classificar de coerência. Não dá mais para fazer aliança com o Centrão e com o MDB.

CC: E como se governa sem eles?

GB: Depois do golpe, a pergunta é outra. Como se consegue governar com essas alianças, que nos levaram a esta situação? Não vamos chegar a um lugar diferente pelo mesmo caminho. Está na hora de repensar o conceito de governabilidade. Nos últimos 30 anos, ela foi interpretada como a obtenção de maioria parlamentar a qualquer custo. Daí surgiram os negócios, a busca dos partidos por abocanhar as maiores fatias do Estado.

Esse modelo faliu. O golpe é a expressão de como se tornou ingovernabilidade. Não se pode construir um equilíbrio restrito à Praça dos Três Poderes. Sem envolver a sociedade não vai funcionar.

Assista a entrevista na íntegra:

 

CC: De que maneira?

GB: Com plebiscitos, referendos e outras formas de participação popular. Proponho o Sistema Nacional de Democracia Direta, expressão concreta de formas de participação que não dependem apenas do Congresso.

CC: A agressão aos venezuelanos em Roraima é um microcosmo desse momento do Brasil, do estímulo ao ódio. Como lidar com aquela situação?

GB: Estive em Roraima um mês e meio atrás. Visitei acampamentos e conversei com venezuelanos. A situação é crítica. Há uma crise econômica brutal na Venezuela, a população não consegue sobreviver e atravessa a fronteira a pé, famílias inteiras, crianças… Eles andam centenas de quilômetros até chegar em Boa Vista. O governo Temer fez errado. Montou alojamentos, mas colocou o Exército para administrar os recursos. As denúncias de violações de direitos humanos, quando estive lá, eram recorrentes. Além disso, ocorreu um trabalho consciente da governadora de Roraima, associada a uma parte da mídia local, para estimular a xenofobia.

A lei de imigração do Brasil é extremamente avançada. Ela propõe acolhimento e integração e respeita o direito dos migrantes. Simplesmente, deveríamos aplicá-la. O governo de Roraima e as prefeituras do estado não têm condições financeiras para viabilizar o cumprimento da legislação. Caberia ao governo federal. As cenas bárbaras do último fim de semana são resultado do estímulo à xenofobia e da ausência de políticas adequadas para lidar com os imigrantes.

CC: É possível governar com o teto de gastos?

GB: Não. A única saída é revogar o teto de gastos, a reforma trabalhista e a entrega do pré-sal. Não se governa o Brasil de outra forma, a não ser que o objetivo seja continuar atendendo o 1%. Os atos do governo Temer, principalmente aqueles de lesa-pátria, responsáveis por retrocessos históricos para o País e o povo, precisam ser derrubados.

Minha primeira medida seria convocar um referendo revogatório para rever ao menos esses três pontos. Sem isso não se governa para a maioria. Temos visto um espetáculo nesta campanha. Vários candidatos buscam se descolar do Temer. São os 50 tons de Temer, como afirmo. Mas eles e seus partidos aprovaram o teto de gasto, a reforma trabalhista, a entrega do pré-sal.

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Alguns dos 50 tons de Temer, segundo Boulos | Divulgação

CC: Como lidar com o Judiciário e suas ilegalidades?

GB: O Judiciário, ou uma parte dele, aproveitou uma brecha. Temos um Executivo sem legitimidade e um Legislativo desmoralizado, inundado em denúncias de corrupção. Com dois poderes da República na lona, o Judiciário arvorou-se como força suprema. Setores da Justiça passaram a julgar, executar e legislar ao mesmo tempo. Um juiz de primeira instância pode impedir a posse de um ministro de Estado. Um ministro de Tribunal de Contas, órgão de assessoria do Legislativo, tem o condão de barrar qualquer política de um governo eleito. A hipertrofia do Judiciário é antidemocrática. Proponho a democratização da Justiça.

CC: Como funcionaria?

GB: Penso em três medidas centrais, além de enfrentar todos esses privilégios como auxílio-moradia e auxílio-paletó. A primeira seria incluir representantes da sociedade no Conselho Nacional de Justiça. Nenhum poder deve se autorregular, precisa de controle social. Segunda: ouvidoria externa. Por fim, definição de mandatos fixos para os tribunais superiores. Embora alguns se considerem assim, juízes não são deuses. Como todos os demais poderes, o Judiciário precisa se submeter às leis e à democracia.

CC: Além da desmilitarização das polícias, o que mais propõe para melhorar a segurança pública?

GB: O Bolsonaro cresce na esteira do medo e da desesperança com a política. A tática dele é explorar politicamente o medo. O que mais tenho visto é medo: do desemprego, da violência, do amanhã… E isso abre espaço para o debate fascista, para a defesa da liberação das armas. Mais bomba, mais porrada, mais polícia, mais prisões. Reduz a maioridade penal, bota na forca. Psicanaliticamente, o medo desliza muito facilmente para a intolerância e o ódio. A solução não é mais violência. Começa por um novo modelo de polícia. Temos uma das polícias que mais matam e uma das que mais morrem.

Além disso, proponho dois eixos: prevenção e inteligência. Um governo nosso não vai construir presídios, vai investir em escola para não ser obrigado a erguer prisões. Não vamos dar a primeira sentença para um jovem, mas o primeiro emprego. Os maiores índices de homicídios são registrados nas regiões com as menores oportunidades de emprego, lazer, cultura e educação. Isso está matando a juventude negra nas periferias. A falta de oportunidades primeiro e, depois, o Estado ceifando vidas ao reproduzir a lógica da violência.

CC: E o investimento em inteligência?

GB: Inteligência é enfrentar o tráfico de armas e munições. É combater o crime organizado no lugar certo. Ele não está em um barraco na favela, falemos a verdade. Está muito mais perto da Praça dos Três Poderes, em Brasília, do que de qualquer periferia do País. Sabe quanto o Rio de Janeiro, sob intervenção federal, que vai custar quase 1 bilhão de reais, investiu em inteligência neste ano? O orçamento da segurança no estado é de 8 bilhões, mas o gasto foi de 283 reais. Não paga a conta de luz do Disque-Denúncia. Por isso, passados cinco meses, ainda não descobriram quem matou a vereadora Marielle Franco.

Temos no Brasil uma política de segurança burra, baseada no tiro, na porrada e na bomba. Baseada na guerra às drogas, que fracassou e só serviu para colocar gente na cadeia e matar jovens negros nas periferias. Temos de rever também a política de drogas.

CC: Qual a proposta nesta área?

GB: A legalização da maconha. Existem várias experiências internacionais bem-sucedidas, o Uruguai é um caso, o Canadá é outro.

CC: Só a maconha seria legalizada?

GB: No caso das outras drogas, proponho um processo de descriminalização. Este não é um assunto do Código Penal. O abuso no consumo é um problema do Sistema Único de Saúde. A guerra às drogas não resolve. Nos últimos 30 anos, o narcotráfico se enfraqueceu? O consumo caiu? Não. Mas analisemos o que foi feito em relação ao tabaco. O Brasil é um case internacional no combate ao tabagismo, premiado na Organização Mundial da Saúde.

O consumo reduziu-se em duas décadas, drasticamente. Como se fez? Proibiu-se a venda de cigarro? Não. Adotamos um trabalho de prevenção por meio de campanhas educativas, com a restrição dos lugares de uso, a proibição de propaganda e o aumento da tributação. O resultado foi a redução do consumo.

CC: O senhor concorda com a tese de que sem Lula, líder das pesquisas, na disputa, esta eleição é uma farsa?

GB: A democracia brasileira foi corroída por sucessivos golpes. Assistimos à ascensão do Temer com o processo de impeachment, conduzido de maneira ilegítima pelo Eduardo Cunha. Vimos a implementação de uma agenda que não teve o respaldo das urnas. Houve a prisão política do Lula. Evidentemente, as eleições não ocorrem em condições normais. E eu tenho alertado sobre isso em todas as ocasiões.

 

 

Por Fred Melo Paiva e Sergio Lirio

Fonte: Carta Capital