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Diário de uma detenta e nove detentos

23 de fevereiro de 2017

Publicado na Folha de São Paulo – Coluna do Guilherme Boulos – 

Na última terça (21), o governo de Pernambuco ofereceu um grave exemplo de repressão e criminalização de quem luta por direitos. Numa manifestação pacífica, militantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) foram brutalmente atacados pela Polícia Militar, com uso inclusive de munição letal.

Dez foram presos, uma mulher e nove homens. Advogados agredidos e presos. Vários feridos. Os presos foram soltos no fim do dia desta quarta (22), após audiência judicial e uma ampla mobilização de apoio nas redes, de parlamentares e mesmo em frente ao fórum. A grande imprensa pouco noticiou este caso gravíssimo.

Esta coluna dará voz a esses lutadores(as): “24 horas de cárcere”. Mas se não fosse a mobilização popular e a repercussão nacional das prisões arbitrárias, poderiam ser mais de quatro anos de prisão sob a acusação de associação criminosa, dano qualificado ao patrimônio, resistência à prisão e tentativa de incêndio. O motivo real: lutar pelo direito à moradia.

O que aconteceu na última terça (21) no Recife é o retrato da violência de um Estado que deveria garantir direitos e proteger cidadãos, mas atua seletivamente para reprimir os mais pobres. A ida das famílias da ocupação Carolina de Jesus, do MTST, à Companhia Estadual de Habitação para uma negociação com o governo de Pernambuco acabou se tornando um verdadeiro massacre.

Depois de cancelar a reunião marcada com o movimento, o governo Paulo Câmara (PSB) mostrou que o que deveria ser tratada como política (de preferência, habitacional), viraria caso de polícia. Balas de borracha, bombas de efeito moral, armamento letal. Não bastassem as marcas na pele, a ação passava um recado: a tentativa clara de criminalização dos movimentos sociais.

Em tempos de crise, os governos deveriam tratar os problemas sociais com política pública e não com polícia. Isso exige, por exemplo, a retomada imediata das contratações do Minha Casa, Minha Vida para a faixa 1, como forma de enfrentar o impacto na massa das famílias trabalhadoras atingidas pela crise, que não terão mais como arcar com os custos do aluguel. No âmbito estadual e municipal, é preciso avançar no desenho de fomentos locais à política de habitação e acesso à terra.

Mais que o relato das condições desumanas de encarceramento, de termos sido conduzidos algemados pelos pés e mãos, das violências físicas sofridas por nós, da quebra da prerrogativa do advogado Caio Moura, detido no exercício de suas funções, queríamos dizer que a tragédia poderia ter sido maior se a bala de arma de fogo que varou a perna de Vitória Regina, ou a que está alojada na sua bacia, tivesse encontrado outra parte do corpo.

Se o mesmo tipo de bala que atingiu de raspão o braço de Gustavo Gomes o tivesse acertado em cheio. Se, com 62 anos, Roselle Siqueira tivesse tido complicações por ter sido atingida por uma bala de borracha na cintura. Exemplos não faltam de pessoas que escaparam da morte.

As advogadas que acompanharam o caso também foram alvo de agressão física e intimidações. Como ocorreu com Luana Varejão, que foi alvo de agressões verbais dos policiais e da delegada por tentar acompanhar os conduzidos à delegacia, e com Ana Cecília Gomes, ameaçada por três policiais armados para que não acompanhasse o protesto e impedida de acompanhar um fotógrafo detido, que teve seu material de trabalho confiscado.

No entanto, a resposta dessas pessoas, assim como a de todos nós que fomos liberados no dia desta quarta, vai ser permanecer na luta, denunciar, construindo espaços de esperança como a ocupação Carolina de Jesus, que teve 2.000 pessoas na assembleia desta quarta (22), ou o Acampamento da Resistência na avenida Paulista. Porque lutar não é crime e resistir é nossa condição.

Agradecemos a todo apoio que levou a nossa libertação.

#CarolinaDeJesusResiste! Assinam:

  • Alexsandro Carlos de Oliveira (custodiado no hospital com fratura na costela e hemorragia em decorrência de agressões policiais)
  • Amanda Montenegro Galdino
  • Caio Cesar Loureiro moura
  • Elenildo Lima de Souza
  • Ivonaldo Marcos de Lima (Belloto)
  • Otho Mateus de Oliveira Paiva
  • Paulo Batista do Nascimento
  • Paulo Manoel Paz da Silva
  • Severino José Souto Alves
  • Wagner Bezerra da Silva