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Conselho Indigenista Missionário denuncia à ONU descaso com indígenas no Brasil

27 de junho de 2018

Conselho Indigenista Missionário (CIMI) alerta sobre o sucateamento da Funai e militarização dos abrigos indígenas

Indígenas e quilombolas manifestam em frente ao Palácio do Planalto | Foto por Antonio Cruz /Agência Brasil

Nesta semana, as políticas anti-indígenas do governo de Michel Temer (MDB) mais uma vez se tornaram pauta internacional.

“Nós chamamos a atenção para o processo de sucateamento do Estado brasileiro no que diz respeito à responsabilidade com a população brasileira e, de modo particular, com os povos indígenas do Brasil”

Durante a 38ª sessão regular do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), no último dia 22 de junho, em Genebra, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Organização Franciscanos Internacional denunciaram a paralisação das demarcações de terras, o sucateamento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a militarização dos abrigos para povos indígenas na Amazônia brasileira.

Para falar sobre o assunto, a Rádio Brasil de Fato entrevistou Cleber Buzatto, secretário-executivo do CIMI. Para ele, o governo brasileiro tem reagido às denúncias adotando um tom “cínico” e uma postura “divergente dos dados da realidade brasileira”.

Brasil de Fato – Quais foram as denúncias apresentadas pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário) no Conselho de Direitos Humanos da ONU?

Cleber Buzatto – Nós chamamos a atenção para o processo de sucateamento do Estado brasileiro no que diz respeito à responsabilidade com a população brasileira e, de modo particular, com os povos indígenas do Brasil.

Neste sentido, destacamos a aprovação pelo governo Temer da Emenda [Constitucional] 95, que limitou os gastos públicos para a política de atenção para a população brasileira. Da mesma maneira, não limitou os gastos para a banca, para os credores da dívida pública brasileira, ou seja, fez cortes no orçamento público destinado à população para sobrar dinheiro para pagar os credores da dívida pública, e isso está se refletindo em ações que afetam a população em geral e, de modo particular, os povos indígenas.

Nesse aspecto, a FUNAI está sendo cada vez mais sucateada do ponto de vista financeiro, da execução orçamentária, especialmente relacionadas à política de demarcação das terras indígenas e de proteção das terras indígenas e, como consequência, os processos de demarcação estão penalizados e, também, tem havido um avanço [de grileiros] nos territórios já demarcados.

“O governo brasileiro tem reagido às denúncias com um tom cínico e totalmente divergente dos dados da realidade brasileira, tentando passar uma maquiagem, um verniz, em relação ao que vive a sociedade brasileira e os povos indígenas”

Denunciamos ainda o parecer 001 da Advocacia-Geral da União, que estabelece como diretriz para a política de demarcação de terra indígena uma interpretação da Constituição extremamente restritiva, que inviabiliza as demarcações das terras indígenas. Além disso, chamamos a atenção para a militarização das unidades de acolhida de refugiados que têm vindo da Venezuela, especialmente indígenas, no estado de Roraima.

Em fevereiro deste ano o CIMI já tinha apresentado uma denúncia similar à ONU. Houve alguma resposta naquele momento?

O governo brasileiro tem reagido às denúncias com um tom cínico e totalmente divergente dos dados da realidade brasileira, tentando passar uma maquiagem, um verniz, em relação ao que vive a sociedade brasileira e os povos indígenas, tentando ludibriar a comunidade internacional e os organismos multilaterais, mas nós estamos confiantes e não existem dados que possam surrupiar a realidade que é de total abandono por parte do governo Temer em relação aos povos indígenas e comunidades tradicionais.

E é um abandono intencional, um abandono político que responde a interesses do capital ligado ao agronegócio e da bancada ruralista no Congresso Nacional.

“A FUNAI está sendo cada vez mais sucateada do ponto de vista financeiro, da execução orçamentária, especialmente relacionadas à política de demarcação das terras indígenas e de proteção das terras indígenas”

A situação com o governo Temer agravou consideravelmente o quadro, que já vinha bastante complicado nos últimos anos. O estrangulamento orçamentário financeiro da FUNAI tem a ver diretamente com a estratégia de que ela não cumpra a sua finalidade institucional e constitucional principal, que é a demarcação e a proteção das terras indígenas.

Essa intenção está sendo implementada com a instrumentalização política do órgão indigenistas, ou seja, cargos importantes e o comando político do órgão indigenista sendo ocupados por representantes da bancada ruralista e por setores ligados ao fundamentalismo religioso conservador.

Então são iniciativas que estão sendo implementadas na perspectiva de que a demanda e o direito dos povos indígenas relativamente às suas terras não seja implementado pelo Estado brasileiro. A Constituição manda que o Estado tome a iniciativa para a regularização fundiária e a demarcação das terras indígenas, e o governo Temer está atuando na contramão.

A situação de vulnerabilidade sócio-cultural de muitos povos que não têm as suas terras demarcadas perdura eternizado nos conflitos e enquanto as violências contra eles se mantiverem. Agora há novos pontos para o avanço dos setores do agronegócio sobre terras indígenas já demarcadas, que estavam pacificadas, e que agora são objetos de invasões, como tem acontecido em várias terras indígenas no estado de Rondônia e de modo particular, contra o povo daquele estado que tem visto suas terras sendo invadidas, loteadas, comercializadas e desmatadas.

E o governo não tem feito nada para impedir esse processo que está em curso sobre uma terra já demarcada, todos os povos indígenas estão sofrendo com essas medidas que estão sendo implementadas pelo atual governo brasileiro.

Outro ponto que chama atenção na denúncia do CIMI é a situação desses povos indígenas que estão migrando da Venezuela para o Brasil e que estão concentrados principalmente no estado de Roraima. Qual é a atual situação? E o que significa, na prática, para eles, essa militarização que vocês citaram na denúncia?     

Na verdade, a situação é que os locais de abrigo estão sendo controlados pelos militares, e isso tem causado uma série de problemas na relação com os indígenas e também com organizações de apoio, que têm enfrentado dificuldades muito graves, por exemplo, para atestar esses ambientes, esses locais e, portanto, tendo dificuldade mesmo de interagir com os indígenas nesses ambientes.

Então é uma prática anti-democrática que está sendo adotada pelo governo brasileiro, que, na nossa avaliação, não condiz com as normas vigentes no âmbito nacional e internacional e que nós entendemos ser necessário mudar, para que os povos possam ter maior liberdade de locomoção e também de relação com a sociedade brasileira.

O CIMI participará novamente da 38ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O que vocês devem levar desta vez?    

Sim, nós temos mais um momento de fala hoje. Nós vamos focar no aspecto da emissão do parecer 001 da Advocacia-Geral da União, que tem sido um mecanismo de perpetuação de situações de deslocamento interno e pode abrir portas para uma nova onda de deslocamento interno de povos indígenas no Brasil.

[Vamos nos manifestar] Muito em cima daquilo que acabei de falar, da situação de que esse parecer inviabiliza as demarcações, e portanto eterniza situações como as do guarani-kaiowá, que não vivem em seu território, ou seja, [situações de] retirada, remoção e expulsão de povos indígenas dos seus territórios.

Então, é o enfoque desta manifestação, desta denúncia que faremos hoje na 38ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, chamando atenção para essa medida e fazendo, nós também, a cobrança que as organizações indígenas e as organizações de apoio aos povos indígenas do Brasil têm feito pela revogação desse parecer, que é totalmente inconstitucional e que atenta contra os direitos dos povos indígenas e mantém, eterniza e promove o deslocamento interno dos povos indígenas de seus territórios aqui no país.

 

Por Camila Salmazio e Mayara Paixão

Fonte: Brasil de Fato