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Companhia de teatro invoca a palavra como forma de resistência social

26 de junho de 2017

Fonte: Rede Brasil Atual

Por Xandra Stefanel

Montagem sinfônica “Roda das Vozes em Estado de Sítio” mistura linguagem teatral com samba de breque para refletir sobre o modelo de sociedade que temos e queremos

Foto por João Gold/Divulgação
Maria Simões e Zebba Dal Farra em apresentação de ‘Roda das Vozes em Estado de Sítio’ | João Gold/Divulgação

 

Estreou na quinta-feira, 22/6, no Teatro da Universidade de São Paulo (Tusp), a peça sinfônica Roda das Vozes em Estado de Sítio, da companhia Ausgand de Teatro. A montagem propõe um debate sobre o papel da palavra na nossa sociedade e sobre a mecanização da língua em tempos em que o povo é estraçalhado pelo capital corporativo. “A voz e a palavra podem emergir como resistência a toda forma de controle e violência”, invoca a companhia.

Permeada por canções e falas do cantor e compositor Itamar Assumpção, a peça aborda a saturação da palavra, a produção massiva de uma língua sem ninguém dentro, sem densidade nem mistério. Na obra, se fundem o jogo entre o samba de breque, as canções de Bertolt Brecht e dos compositores alemães Hanns Eisler e Kurt Weill.

“A mecanização da língua se articula à mecanização do corpo promovida pelo capitalismo. Sua principal consequência é a objetivação da palavra e dos discursos, cuja prova cabal é a utilização crescente das estatísticas como dados incontestáveis da realidade. Nossos corpos e vozes estão sitiados, não falamos: somos falados. Estamos perdendo o sabor de língua, como diz o filósofo espanhol José Luis Pardo, para quem há um movimento em marcha para livrar a linguagem de sua incômoda espessura, uma tentativa de que a linguagem seja lisa, sem risco”, diz o dramaturgo Zebba Dal Farra.

O espetáculo aborda essas questões de forma poética, contrapondo fala a canto, e crítica, evocando de diversas maneiras o caráter religioso do capitalismo contemporâneo. Além disso, há uma ideia recorrente de que ao capital não interessa nem o que seja o arroz, o algodão, o homem e a mulher: só lhe interessa seu preço”, completa o dramaturgo, integrante do elenco, junto com Maria Simões, Carolina Martins, Beto Siqueira, Luan Braga, Macalé, Pedro Teixeira e Renan Abreu.

Roda das Vozes em Estado de Sítio é uma espécie de híbrido entre teatro e roda de samba. Segundo Dal Farra, o formato surgiu em 2001 em uma ocupação do Teatro Alfredo Mesquita.

“Nas rodas de samba tradicionais há uma mesa no centro, onde se colocam letras de músicas, cerveja, e salgadinhos para os músicos. Nossa roda de samba aparece quando retiramos essa mesa e nela surge a arena, propícia à manifestação teatral. Então, a roda mistura improvisação musical e teatral, guiada por um roteiro como um fio condutor”, descreve Dal Farra. Ele cita Paulinho da Viola: “É o ‘rio de murmúrios da memória, que quando aflora serve antes de tudo pra aliviar o peso das palavras, que ninguém é de pedra’. A roda bebe desse jogo entre memória, tradição e presença. É um lugar de passagem, entre formal e informal, entre acaso e composição”.

Para o dramaturgo, no futuro o teatro talvez seja um dos poucos lugares em que a saturação da palavra pode dar lugar a ações transformadoras. “Diz Noca da Portela, em Peregrino: ‘Ninguém vive feliz se não puder falar, e a palavra mais linda é a que faz cantar’. A saturação da palavra cotidiana pode ser superada talvez pela palavra poética no contexto das relações éticas e políticas. O teatro no futuro será, talvez, o único lugar do encontro presencial das pessoas, em que corpos e vozes se confrontam e se enfrentam em tempo real. Nesta perspectiva, o teatro pode impulsionar ações críticas e transformadoras”, define.

A peça fica em cartaz no Tusp até 9 de julho, de quinta a domingo, com uma apresentação especial na segunda-feira, 10 de julho.