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Boulos: A caserna assanhada

5 de outubro de 2017

Fonte: CartaCapital

Por Guilherme Boulos, coordenador do MTST

Como dizia Bertolt Brecht, a “cadela do fascismo está sempre no cio”

Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz ‘por que não vamos derrubar esse troço todo?’

Na minha visão, que coincide com a dos meus companheiros do Alto-Comando do Exército, estamos numa situação de aproximações sucessivas, até chegar ao momento em que ou as instituições solucionam os problemas políticos, com o Judiciário retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos de impor isso.”

Esta declaração poderia ser encontrada nos anais da história no início de 1964, atribuída quiçá ao general Olímpio Mourão Filho, deflagrador do golpe que derrubou o presidente João Goulart.

Ali também se usava o argumento da corrupção contra Jango, como, aliás, havia sido feito em 1954 por Carlos Lacerda contra Getúlio Vargas, que, ao se suicidar, adiou os anseios fardados por uma década.

A corrupção, de fato, é um fenômeno enraizado na conformação do Estado brasileiro, inclusive durante os 21 anos da ditadura, que dizia combatê-la.

Mas o pretexto do combate à corrupção serviu a causas sombrias ao longo de nossa história e mesmo recentemente, para selar o golpe parlamentar de 2016 e colocar Michel Temer e seus probos aliados no poder.

Mesmo para quem acha que viu tudo, chega a ser surpreendente que a declaração tenha sido dada há poucos dias, em 2017, por outro Mourão, o general Hamilton, secretário de Economia e Finanças do Exército.

Alguns relativizaram por tratar-se de um notório boquirroto, anteriormente afastado do Comando Militar do Sul por ter falado mais do que devia. Poderia ter sido apenas isso, um fato isolado, de um general em fim de carreira.

Acendeu-se, porém, o sinal amarelo com as declarações posteriores do general Eduardo Villas Bôas, ninguém menos que o comandante do Exército. Ao comentar durante uma entrevista as declarações do colega, Villas Bôas contemporizou e foi além: elogiou o “grande soldado” Mourão, ensaiou interpretações retorcidas de suas declarações, para, enfim, legitimá-las e mencionar uma suposta brecha constitucional para uma intervenção militar em caso de “caos”.

A resposta do comandante revela que há, no mínimo, divisões em relação à fala golpista de Hamilton Mourão, com setores no Alto-Comando que poderiam simpatizar com tal saída. É preocupante que a regressão do ambiente democrático tenha alcançado esse grau.

O golpe que destituiu Dilma Rousseff, é fato, abriu a porteira da instabilidade institucional, que, desde então, apenas se aprofundou. Um Executivo sem legitimidade, um Legislativo desmoralizado e um Judiciário ávido por ocupar o vácuo e se tornar o principal ator político. Guerra aberta entre os Poderes e dos Poderes entre si, eis o atual retrato da República em declínio.

Tornou-se voz corrente no último período a comparação do papel ocupado pelo Judiciário com aquele que outrora fora dos militares: um poder que se ergue acima dos demais, apresentando-se como reserva moral da sociedade e impondo soluções de exceção à crise política.

Nesse sentido, a declaração de Mourão é reveladora. Se o Judiciário não cumprir seu papel, então a velha solução da caserna terá de substituí-lo em sua missão. Ao perceber o enfraquecimento da Lava Jato e o aumento das disputas internas no Judiciário, incluindo o próprio STF, o general mandou seu recado.

Diante da ruína da Nova República, o Judiciário deu mostras de que poderia capitanear uma transição conservadora, “limpando” o regime político, reduzindo garantias constitucionais e preservando o status quo.

Mesmo com o apoio de setores importantes, entre eles a mídia – em especial a Rede Globo –, esse projeto refluiu e enfraqueceu. Até o herói Sergio Moro viu sua popularidade despencar diante da evidência dos abusos cometidos contra Lula. Com isso, os militares sinalizam alguma aspiração em reocupar esse papel, 53 anos depois.

É evidente que uma intervenção militar não é hoje o cenário mais provável. Teria implicações desastrosas, inclusive internacionalmente. Mas é preciso estar atento, em especial pelo clima social de desagregação das instituições, que produz em parte da população um desejo de ordem e uma simpatia por soluções de força.

Não por acaso, Jair Bolsonaro cresce tanto nas pesquisas eleitorais. Há um caldo perigoso aí. O ano passado serviu para nos alertar que a democracia, mesmo em seu modelo de baixa intensidade, não era uma conquista definitiva.

O assanhamento na caserna deve deixar todos em alerta. Nunca é demais lembrar a frase de Bertolt Brecht: “A cadela do fascismo está sempre no cio”.