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Ativistas dizem que imigrantes morreram no incêndio do Paissandu sem deixar registros

25 de julho de 2018

Ativistas e moradores do edifício falam em dezenas de vítimas não contabilizadas. Quatro meses depois da tragédia, a Coordenação de Políticas para Imigrantes se comprometeu a procurar possíveis vítimas mortais do edifício de 24 andares.

O incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida

Em reunião na Coordenação de Políticas para Imigrantes, feita na quinta-feira (19), no centro de São Paulo, ativistas e antigos moradores do edifício Wilton Paes de Almeida, que caiu no início de maio após um incêndio, afirmaram que o número oficial de vítimas da tragédia não considera imigrantes ilegais que podem ter morrido na tragédia sem deixar registros.

“Existe um buraco entre o número de desaparecidos oficiais passado pela imprensa e Prefeitura, que está entre 5 e 7 (mortos), em relação às estimativas de moradores e lideranças, que falam no desaparecimento de 55 a 62 pessoas. Destes, de 33 a 35 são imigrantes. Ou seja, pessoas que não têm documentação e podem ter morrido no prédio sem ser contabilizados”, afirma uma ativista presente na reunião na Coordenação de Políticas para Imigrante – órgão ligado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.

Uma estrangeira que morava no mezanino e cuidava da limpeza do prédio citou o caso de um tatuador argentino de 22 anos que residiu três meses no 9º andar e desapareceu depois da tragédia.

“Se a pessoa que morava lá se salvou, chegaria para nós dizendo que ‘está tudo aqui’. Mas ele não apareceu”, afirmou a moradora, que não lembra o nome do indivíduo.

Os ativistas prestaram ajuda às vítimas desde o dia da tragédia e procuraram a Coordenação de Políticas para Imigrantes para debater problemas dos moradores, além de cobrar a busca por imigrantes mortos ou desaparecidos no caso. O Independente ocultou a identidade de todos ativistas e moradores por questões de segurança.

O edifício Wilton Paes de Almeida desabou no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, na madrugada do dia 1 de maio, após um incêndio iniciado no quinto andar da ocupação se alastrar por toda a estrutura.

Os bombeiros encerraram as buscas nos destroços no dia 13, com o número oficial de sete vítimas encontradas e identificadas – todos brasileiros.

Órgãos da Prefeitura de São Paulo e a Polícia procuraram e encontraram pessoas consideradas desaparecidas na tragédia, inclusive para conceder auxílio-moradia a vítimas.

A coordenadora de Políticas para Imigrantes, Andrea Cristina Godoy Zamur, que esteve na reunião com os moradores e ativistas, informou que 50 famílias imigrantes constam no cadastro da Prefeitura desde antes do incêndio e receberam direito ao auxílio-aluguel de R$ 400 de forma automática – apenas cinco famílias estrangeiras ainda não receberam o benefício no primeiro mês, segundo Andrea.

Questionada sobre o número de mortos da tragédia, a coordenadora inicialmente questionou as estimativas dos ativistas e moradores. Disse que “desconhecia” estas informações, mas depois se comprometeu a procurar por pessoas que possivelmente não constam nos registros.

Andrea  também disse que conversaria com o Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI), em até uma semana para este trabalho, e alertou que as ações de mapeamento serão feitas em “longo prazo”, por exigir diálogo com diversas pessoas, cruzamento de dados e busca de testemunhos.

Em paralelo, uma ativista sugeriu que a Coordenação de Políticas para Imigrantes dialogue com Organizações Governamentais (ONG’s) que prestaram assistência às vítimas, além de moradores e lideranças do acampamento e do movimento de moradia, que podem conhecer pessoas desaparecidas ou indicar onde elas estão.

A ativista também propôs a consulta dos recibos de taxas que moradores do edifício pagavam a coordenadores da ocupação, argumentando que estes documentos podem ser os únicos em que imigrantes ilegais estariam registrados.

Depois da tragédia, muitos moradores do edifício Wilton Paes de Almeida se mudaram para outras ocupações, casas de amigos ou familiares e abrigos. Muitos imigrantes ilegais, no entanto, evitam se expor ao poder público por temer deportação.

Imigrantes preteridos

Na reunião, os ativistas e moradores do edifício relataram que imigrantes eram menosprezados pelos coordenadores da ocupação ilegal, em relação ao tratamento dado a brasileiros.

Alguns coordenadores impediam estrangeiros de se registrar em cadastros da Prefeitura para dar preferência a famílias brasileiras em programas sociais. Também reservavam os cinco primeiros andares do edifício Wilton Paes de Almeida a famílias do Brasil, que tinham acesso à água, enquanto imigrantes eram levados a unidades de níveis superiores – até o décimo -, que só podiam ser acessados por escadas obstruídas com entulhos e lixo.

A suspeita de moradores e ativistas é que dezenas de imigrantes residentes do 6º ao 10º andar não conseguiram passar pelo incêndio no 5º andar.

“Começam a aparecer imigrantes que conheciam estas famílias (desaparecidas) e não se tem notícias delas em nenhum lugar. Outros imigrantes sabem de mortes, mas têm medo de falar por conta da ilegalidade. Então pessoas morreram, os corpos desapareceram, as famílias destas pessoas, que também estão na África ou no Haiti, não sabem destas mortes, e eles simplesmente viraram poeira? O que foi feito em relação a isto depois da queda do prédio? Se falar com moradores eles vão comentar as mortes porque todos que estavam do 6º andar para cima morreram”, afirma um dos ativistas.

 

 

Por Rafael Bruza

Fonte: Independente