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Após um ano, morte de João Vitor por seguranças do Habib’s perde espaço nos jornais

30 de abril de 2018
Foto por Sérgio Silva

Há pouco mais de um ano escrevi nesse mesmo espaço um texto sobre a morte violenta do menino João Vitor, que aos 13 anos teve a vida interrompida após ser agredido por seguranças enquanto pedia comida em frente a uma loja da franquia do Habib’s na Vila Nova Cachoeirinha, bairro da Zona Norte de SP. Logo após o incidente, com o início de manifestações contra a rede de fast food, surgiram as primeiras tentativas de manchar a imagem do garoto, o que por acaso servia os interesses da loja.

Dias após o óbito, foi publicado um vídeo de câmeras de segurança em que se via claramente dois homens correndo atrás de uma criança, que depois é arrastada, já desacordada (ou morta), e tem suas roupas arrancadas enquanto é puxada violentamente como se fosse um objeto sem valor. A história foi confirmada por uma testemunha, que viu o jovem sendo perseguido, agredido com socos na cabeça, que o levaram a desmaiar e espumar pela boca, tendo ainda sido conduzido pelo asfalto pelos mesmos seguranças que até então o cercavam.

O caso perdeu espaço nos jornais em pouquíssimo tempo, sem relevância para ser manchete de jornal

Afinal, uma criança negra, pobre, da periferia da cidade, condenada à morte por pedir comida não parece uma notícia que interesse a ninguém. Pena para o garoto João, que se tivesse nascido branco, em família de classe média, de um bairro nobre, e fosse igualmente morto e arrastado, teria não só as manchetes, mas um quadro especial nos telejornais de domingo ou uma página no Wikipédia contando sua memória. João Vitor, de novo, não era João Hélio.

Esfriando o corpo, que para os agressores (e o resto da sociedade) nunca teve mesmo valor, retorna a tentativa de desconstruir sua imagem. Em matéria da Folha de São Paulo desta quinta-feira 19, que noticia decisão judicial que afastou das funções os conselheiros tutelares que “acompanhavam” o garoto, o enredo é totalmente feito em torno de um menino “incontrolável”, usuário de drogas, que após uma “confusão em uma lanchonete” morreu de overdose.

É evidente a transmutação de narrativas, basta comparar: da violenta morte de uma criança abandonada pelo Estado, que sozinha foi vítima de agressões por dois seguranças porque tentava sobreviver pedindo restos de comida; partimos para um adolescente alterado, de fato não amparado pelo Conselho Tutelar, que morreu de overdose por ser usuário de drogas, enquanto causava confusão em frente a uma loja.

Ressalte-se: a notícia no site do jornal, é classificada com a tag “drogas”. E apenas essa.

Seria de se espantar, se não fosse comum ver corpos pobres e negros, mesmo sem vida, achincalhados com uma narrativa inconsequente, como a quem chuta “cachorros mortos”. DG, Cláudia, Amarildo, Marielle e João Vitor; todos tiveram os corpos vitimados e a memória violada, cada um à sua medida.

O tiro que sai da pistola do policial, as balas de milicianos que nos perfuram ou os socos que nos matam não são disferidos sozinhos. Após nos amarrarem aos postes, surge uma narrativa jornalística que nos mata mais uma vez.

Toda solidariedade à família de João. Parem de nos matar.

 

Por Marco Aurélio Barreto Lima é estudante de Direito da PUC-SP, militante negro, pobre e prounista.

Fonte: Justificando (CartaCapital)