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A escola da revolução

31 de agosto de 2015

Por Ana Paula Perles e Natália Szermeta.

Ao avistar uma ocupação de sem-teto, certamente não ficamos desejosos em conhecê-la pela sua bela paisagem, menos ainda por ser um lugar agradável de visitar, com arquiteturas incríveis ou belos restaurantes. A curiosidade que nos desperta é tentar entender como sobrevivem as pessoas neste lugar tão precário? Como podem com tanta miséria e falta de infraestrutura básica terem tanta esperança no que fazem? Para além disso, como podem ser eles os protagonistas das lutas por direitos a ponto de ser a maior ameaça à abertura da Copa do Mundo no Brasil?

As ocupações de terra são para o MTST um espaço de construção da transformação social. Lutar por moradia não é privilégio de quem vive em situação de rua. No Brasil o problema da moradia atinge 22 milhões de pessoas, ou seja, 10% da população do país; lutar por moradia é mais do que reivindicar a participação e um programa habitacional que nos proporcione um lar, é lutar pela efetivação de um direito social, atribuído ao Estado a partir da constituição de 1988.

Portanto, ocupar uma terra é também questionar o direito que apenas tem valia aos proprietários de terra, é questionar a eficácia da constituição quando se trata de direitos sociais aos mais pobres. Ocupar terra é questionar o que vale mais para a sociedade em que vivemos – a propriedade ou a vida?

E mais, é também demonstrar que é impossível uma relação harmoniosa entre aqueles que tudo tem (inclusive as leis) e aqueles a quem tudo é negado (inclusive seus direitos).

Para travar esta batalha é necessário que os oprimidos se apropriem dos seus direitos e em movimento se sintam irmãos defensores da mesma causa e oprimidos pelo mesmo “sistema”!

As ocupações de terra não são de fato espaços onde temos qualidade de vida adequada, por isso são espaços transitórios na luta pela moradia: ocupamos terra não para reproduzir a vida precária das comunidades, mas como forma de pressionar o poder público a se movimentar diante de tanta calamidade. No entanto, é importante ressaltar que 48 milhões de pessoas vivem em condições inadequadas de moradia, faltando desde energia elétrica até coleta de lixo ou abrigando várias pessoas por cômodo!

Mas há na organização das ocupações três elementos fundamentais a ser considerado em uma análise menos superficial:

Primeiro:

É certo que em geral as pessoas que adentram na luta por moradia ocupando um terreno, vivem o drama cotidiano dos elementos que compõe o déficit habitacional, quais sejam, a precariedade da moradia que vivem ou coabitam, o aluguel abusivo que atinge uma imensa massa de trabalhadores. Essas pessoas convivem com o problema isoladamente sem descobrir respostas individuais, até que se deparam com uma ocupação e transforma a maneira de resolvê-los e esta maneira é coletiva.

Segundo:

Individualmente estas pessoas podem existir pacificamente na sociedade, ou seja, sozinhas estas pessoas não causam tanto problema para os poderosos, mas se estão juntos, a história é outra!

Terceiro:

Este empoderamento coletivo proporciona uma esperança de construção do novo, permite uma consciência critica da sua própria vida e da sua sobrevivência, uma mudança nítida de comportamento, visível na apropriação de seus direitos, irradiando para outras reivindicações que transbordam a luta pela moradia!

As ocupações são espaços onde as contradições da sociedade capitalista se afloram, deixam de ser naturais e passam a ser questionadas, tornando-se um momento importantíssimo de combate à ideologia dominante. Coloca o combate à ideologia na prática, desconstruindo muito do que pensam sobre a luta e a própria ocupação. As pessoas passam a vida inteira ouvindo que é errado “invadir o que é dos outros”, mas se veem na situação de “invasores” e passam a entender porque não invadimos e sim ocupamos!

E é a partir das contradições que a vida é organizada nas ocupações, não como uma ilha, mas como um espaço de formação cotidiano, onde cada dia que passa é uma nova resposta que encontramos para os nossos problemas. A opção aqui é clara: é preferível errar com os pobres a acertar sozinho!

Quando se juntam um monte de sem-teto, que são apenas números para o sistema, um a um, como humanos que reivindicam, que tem voz e opinião, abre-se um horizonte novo na vida das pessoas. Não são raros os casos de pessoas que deixam de tomar medicamentos antidepressivos quando entram nas ocupações, inúmeros são os relatos de pessoas, principalmente mulheres, que dizem nunca ter tido a possibilidade de falar sobre suas histórias de vida e que nunca tinham tido a sensação de serem escutadas, vistas, consultadas sobre as questões.

Este sistema capitalista é muito mais do que uma rígida relação de exploração; ele adentra nas nossas vidas, dita os nosso comportamentos, toma de assalto a nossa alma! Isso nos deprime. Quando um movimento contrário disputa nossa alma, bomba nosso sangue, dispara nosso coração, ele alimenta nossa esperança de que é possível sim um mundo melhor!

Quando construímos uma cozinha coletiva, onde a comida é feita de forma voluntária, a partir de uma necessidade coletiva: a fome! Estamos dando uma resposta coletiva a um problema que aparentemente é individual. Quando estabelecemos que a solidariedade, o companheirismo e a igualdade são valores que preservamos nos nossos espaços, estamos buscando novas formas de responder aos velhos problemas antes tratados de maneira particular.

Quando juntamos o lixo da ocupação e levamos até a porta da subprefeitura local e no dia seguinte o caminhão passa a recolher o lixo, estamos mostrando que mesmo os menores problemas podem ser resolvidos de maneira diferente!

Ao juntarmos as famílias da ocupação na porta da secretaria de educação com as crianças que estão sem escola e na semana seguinte as vagas são oferecidas demonstramos que novamente conseguimos solucionar o problema que parecia ser de cada mãe e pai!

Quando as famílias organizam as regras de convivência na ocupação, inclusive as formas de evitar que os problemas aconteçam ou definindo como tratar caso a caso as regras que não são cumpridas, estamos demonstrando que é possível convivermos de maneira diferente.

Quando tratamos as questões polêmicas – droga, aborto, violência, sexualidade ou religião – sem moralidade, analisando as contradições, sem condenações individuais ou buscando um culpado entre nós, demonstramos que é não só possível como necessário destruirmos este sistema!

Quando ousamos regar nossas pratica com as convicções de Carlos Marighella, Rosa Luxemburgo, Che Guevara, Chico Mendes, Lenin, Marx e tantos outros, alimentamos a chama da liberdade que se espraia em cines sem teto, em saraus de resistências, teatros de rua, músicas combativas, futebol de várzea. Enfim, pouco a pouco as ocupações vão disputando a alma das pessoas com o Capital, vão despertando a fúria adormecida existente em cada oprimido da periferia e se tornam Escolas da Revolução!

Tudo isso de forma organizada tomando as principais avenidas do Brasil é ameaçador para os donos do poder. Por isso desperta reações raivosas e criminalização estatal. Cada ocupação é um front da resistência popular em nosso país.