1.098 imóveis ociosos ignoram alerta e ficam sujeitos a IPTU mais caro em SP
Da esquina das avenidas Ipiranga e São João, no centro de São Paulo, dá para ver as janelas empoeiradas do edifício Independência. Os espaços vazios na fachada onde deveriam estar instalados aparelhos de ar-condicionado e uma placa de aço escondendo o hall de entrada se somam às pistas de que o prédio de escritórios, tombado pela prefeitura, está desocupado há muito tempo.
Os 13 andares da construção que fica na esquina famosa fazem parte da lista de 1.098 imóveis ociosos na cidade de São Paulo cujos donos ignoraram o alerta da prefeitura para viabilizar a ocupação e, por isso, estão sujeitos a pagar IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) mais caro.
O número representa 85% dos endereços notificados pelo poder público por estarem vazios — condição para aumentar a quantia do imposto que eles já pagavam antes.
No caso do edifício Independência, o aviso da prefeitura veio em janeiro de 2016.
Passados mais de dois anos, os proprietários ainda não deram destino aos conjuntos comerciais, distantes 500 metros do prédio invadido por sem-teto que desmoronou após incêndio no último dia 1º no largo do Paissandu. A tragédia escancarou o déficit habitacional da cidade, que demanda a criação de 358 mil moradias.
Casos como o do prédio vazio na esquina da Ipiranga com a São João estão enquadrados pelo Estatuto da Cidade, lei federal que desde 2001 regula o uso da propriedade.
O IPTU progressivo, que prevê percentuais crescentes no imposto a cada ano acumulado de ociosidade, é o mecanismo usado pelas prefeituras para onerar os donos de imóveis vazios e inibir a especulação imobiliária em áreas com infraestrutura consolidada.
Por enquanto, além de São Paulo, apenas outras sete cidades brasileiras aplicaram o IPTU progressivo, sendo que em apenas duas — Maringá (PR) e São Bernardo do Campo (SP) — o mecanismo não sofreu descontinuidade.
Na capital paulista, o IPTU progressivo começou a ser cobrado em 2016. De acordo com a prefeitura, até dezembro do ano passado, apenas 94 imóveis notificados tinham cumprido integralmente as obrigações — nem 10% do total.
De dois anos para cá, a receita da cidade com o IPTU progressivo foi de R$ 30 milhões. A arrecadação anual da prefeitura com esse imposto de propriedade de todos os contribuintes passa de R$ 8 bilhões — num total de 1,5 milhão de edificações, sem individualizar apartamentos de prédios.
Além da baixa adesão dos donos de imóveis vazios para ocupá-los, o incentivo à função social das edificações, previsto na Constituição, sofreu um revés na gestão João Doria (PSDB), sucedido em abril por Bruno Covas (PSDB).
O número de endereços ociosos notificados em 2017 (58) teve queda brusca em relação à gestão Fernando Haddad (PT) — mais de 500 em cada um dos dois últimos anos do mandato. Em 2018, apenas cinco novos imóveis passaram a constar na lista.
Para explicar a queda, a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento afirma que vem aprimorando a metodologia e os critérios de aplicação das alíquotas extras no IPTU.
“O número absoluto de imóveis ociosos parece absurdo no universo de uma cidade como São Paulo. Se procurar, vai achar bem mais”, diz Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário.
Assim como a esquina das avenidas Ipiranga e São João, endereços no centro concentram a maior quantidade de imóveis sem uso na capital.
A maioria é de prédios comerciais que perderam condôminos para endereços mais modernos, como os da região da Berrini e arredores.
Com a baixa procura, os preços dos aluguéis despencaram e, em muitos casos, ficou mais vantajoso economicamente manter os prédios fechados. Outra alternativa comum foi transformá-los em estacionamentos.
“Muitos proprietários notificados deixam de pagar imposto progressivo por apostarem em indenização por desapropriação pelo poder público ou em anistia da dívida tributária“, diz Dânia Brajato, pesquisadora do Laboratório de Estudos e Projetos Urbanos e Regionais da UFABC (Universidade Federal do ABC).
Há poucos casos em que a notificação de ociosidade é revertida em uso adequado do imóvel. Um edifício-garagem na rua Rego Freitas, por exemplo, notificado como ocioso em julho de 2015, foi transformado recentemente em centro cultural e também passou a abrigar escritórios.
Outros têm passado por reformas para virarem endereços residenciais. Mesmo assim, de acordo com a pesquisadora Dânia, a própria lógica do mercado imobiliário representa mais um entrave para tornar efetivo o uso de imóveis vazios na cidade, principalmente na região central.
“Os mesmos proprietários concentram muitos imóveis e não faz diferença para os negócios ter um ou dois deles fechados“, afirma.
O edifício Independência, por exemplo, pertence ao grupo imobiliário Savoy, que detém cerca de 400 imóveis na cidade. Ao menos 113 estão na região central, como salas comerciais na rua Boa Vista e na av. São João, além de cerca de 200 escritórios e vagas de garagem no Conjunto Nacional. A empresa também administra os shoppings Interlagos, Aricanduva e Central Plaza.
O grupo tentou reverter na Justiça a cobrança da alíquota extra no IPTU por causa da ociosidade dos conjuntos comerciais do edifício Independência, mas teve o pedido negado em outubro. O grupo Savoy foi procurado pela reportagem, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.
A sobretaxa na cobrança do IPTU de imóveis vazios, no entanto, não teria evitado pelo menos diretamente a ocupação irregular do prédio que caiu no largo Paissandu.
O edifício pertencia à União e nenhum órgão público, com exceção das autarquias, pode ser cobrado a pagar tributos. “O poder público tem uma grande responsabilidade na questão dos imóveis ociosos por deixar muitos endereços abandonados e, ao mesmo tempo, pagar aluguéis altíssimos“, diz o advogado Tapai.
Apesar de não combater diretamente o déficit habitacional, há exemplos de como a aplicação do IPTU progressivo pode ser revertida em moradias populares. Em Santo André, no ABC paulista, em 2015, a prefeitura conseguiu criar um pequeno banco de imóveis, formado por proprietários notificados que preferiram ceder os imóveis ociosos.
As propriedades desoneraram a construção de moradias pelo Minha Casa Minha Vida. “Quando o dinheiro chegou, já tinha parte dos terrenos, o que facilitou as construções”, afirma Dânia.
Por Mariana Zylberkan
Fonte: Folha de S. Paulo