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Ocupação no Recife é a luta pelo sonho da casa própria

3 de abril de 2017

Fonte: Brasil de Fato

Por Monyse Ravenna e Vinícius Sobreira

Abrigando 2 mil pessoas, ocupação Carolina de Jesus resiste há mais de um mês

No dia 17 de fevereiro deste ano 250 famílias ocuparam um terreno abandonado ao lado do Terminado Integrado de passageiros do Barro, na Zona Oeste do Recife. A área de 12 mil metros quadrados pertence ao Governo de Pernambuco, que pretendia usar a terra na reforma do TI Barro, como parte das obras para a Copa do Mundo 2014. A reforma foi realizada, mas o terreno não foi utilizado, ficando abandonado por anos, até que as famílias, organizadas no Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), decidiram ocupá-lo reivindicando moradias populares.

A ocupação se deu numa sexta-feira, mas o efetivo da Polícia Militar para reprimir os ocupantes era pequeno, devido a grandes eventos que aconteceriam naquele mesmo fim de semana. Ainda assim houve repressão, mas os ocupantes resistiram e a polícia recuou. Desde então mais famílias chegaram trazendo consigo o sonho de ter uma casa própria. Parte dos ocupantes vive no mesmo bairro, pagando – ou devendo – meses de aluguel. É o caso de Ana Cristina. “Eu moro de aluguel e não estou com condições de pagar. Essa situação é a mesma de muitos companheiros que estão aqui na ocupação”, afirma. Hoje a ocupação abriga 1.500 famílias.

Ela afirma que o terreno era motivo de preocupação no bairro, já que nos últimos anos muitos estupros e assaltos aconteceram no terreno, que também era ponto de consumo e comércio de drogas ilícitas. “Estou dando graças a Deus por essa ocupação. Eu mesma fui vítima de assalto aqui nesse terreno. Só não fui estuprada porque corri”, recorda Cristina. “Depois da ocupação essa onda de assaltos, estupros e droga aqui no terreno acabou”. Ela afirma que a reivindicação do grupo é a desapropriação do terreno abandonado em favor dos ocupantes.

A comunidade foi batizada com o nome de Carolina de Jesus, em homenagem à escritora negra brasileira moradora da favela do Canindé, em São Paulo, trabalhando como catadora de lixo. Seus diários, onde registrava o cotidiano da comunidade, foram descobertos na década de 1950 e deram origem ao livro “Quarto de Despejo: diário de uma favelada”, publicado em 1960. A ocupação tem se organizado em três grupos que têm sua própria cozinha e comissões de alimentação, infraestrutura e segurança. A solidariedade tem sido fundamental para a ocupação, que sempre está precisando de medicamentos, alimentação e material de limpeza.

No dia 21 de fevereiro a Ocupação teria uma reunião com o Governo de Pernambuco na Companhia Estadual de Habitação e Obras (CEHAB), mas o encontro acabou cancelado e os ocupantes realizaram um protesto em frente à CEHAB. A manifestação foi recebida a bala de borracha e 10 militantes do MTST foram detidos, além 50 pessoas feridas. Entre os detidos estava Otho Paiva, que avalia que o Brasil passa por um momento de “Estado de exceção” desde o impeachment que afastou a presidenta eleita Dilma Rousseff. “Desde que o governo golpista assumiu algumas coisas invisíveis mudaram dentro de instituições como, por exemplo, a Polícia Militar. Quando fomos presos os policiais estavam muito alterados e ao tempo todo diziam que ‘essa historinha de movimento social acabou, o governo agora é outro’”, diz Paiva. “Além disso, no meu depoimento eles se negavam a transcrever algumas coisas que eu falava. Diziam, por exemplo, que eu não podia falar ‘governo golpista’ e escreviam ‘governo Temer’”, diz o militante do MTST.

Otho recorda ainda que tentaram colocar sobre ele quatro tipificações de crime: associação criminosa, resistência à prisão, tentativa de incêndio e dano qualificado ao patrimônio. “É uma tentativa de nos deixar o máximo de tempo presos. Algemaram-nos pelos pés e mãos, nos deixaram sem camisa, numa sala alagada de 3 metros de largura e 3 de comprimento, superlotada com 17 pessoas. Eles querem nos amedrontar, nos fazer desistir da luta”, avalia. Para ele, a mobilização das forças de esquerda foram fundamentais para a libertação dos presos. Dois casos simbólicos que justificam essa avaliação de que vivemos um Estado de exceção foram a prisão do dirigente do MTST Guilherme Boulos, em São Paulo; e a invasão realizada pela polícia na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), centro de estudos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Para o militante do MTST Otho Paiva o momento político pede organização da classe trabalhadora para proteger os direitos e a própria população. “O medo que temos é que uma parcela da sociedade, a mesma que apoiou o golpe de 2016, bata palmas quando formos presos, torturados e humilhados. Esse receio nos dá gás para construirmos luta popular e organizar as pessoas que realmente precisam. E sabemos que quem precisa não são essas pessoas que estavam de verde e amarelo em Boa Viagem pedindo a saída da presidenta Dilma”.

Segundo o ocupante Carlos Manoel o diálogo com o Governo de Pernambuco avançou nas últimas semanas e os ocupantes estão próximos de comemorar a liberação do terreno. “A negociação está bem encaminhada. Só está faltando uma assinatura e a publicação no Diário Oficial”, comemora. Os ocupantes querem construir um habitacional do Minha Casa Minha Vida cujas obras sejam executadas pelos próprios ocupantes. “Depois da conquista do terreno a batalha será pelo recurso do Governo Federal para liberar a construção do Minha Casa Minha Vida. É a nossa meta”.

Foto: Vinícius Sobreira – Brasil de Fato