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Ocupação da luta

16 de fevereiro de 2017

Na quarta-feira (15) o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) ocupou a calçada do Escritório da Presidência da República (EPR) em São Paulo, na Av. Paulista. O movimento decidiu ficar acampado na calçada da Paulista com a Augusta até que suas reinvindicações sejam atendidas.

Nesse momento pelo menos trezentas pessoas ocupam, em sistema de revezamento (contrariando os senhores das panelas, não são vagabundos, mas trabalhadores) estão em constante atenção. Vigiados pela polícia, xingados por transeuntes. Mas resistentes. Lutando para deixar o bambu e a lona, instrumentos de luta, para trás. E quem sabe, com um caminho menos temeroso pela frente.

As reivindicações do movimento são a manutenção do Minha Casa Minha Vida (MCMV);  priorização de repasses para as faixas mais baixas, em renda mensal do programa (faixa 1- até R$ 1.800,00 e faixa 1,5- até R$ 2.350,00), uma vez que as faixas mais altas têm sido favorecidas pelo governo, contrariando o propósito do MCMV de prover habitação para a população com renda mais baixa.

A ocupação teve inicio depois de um grande ato do MTST. O ato começou dividido, uma parte da concentração foi no Largo da Batata, zona oeste de São Paulo, e local tradicional de manifestações, outra se concentrou na Praça da República, no centro. Cada ato seguiu seu caminho, até que se encontraram na Praça do Ciclista, uma subindo pela Consolação e outra pela Rebouças. Entraram na Paulista formando um mar de gente, mais de trinta mil, de acordo com Guilherme Boulos. Seguiram até o EPR e foram recepcionados por um forte aparato policial. Esperaram por pelo menos duas horas, até que foi confirmado, não teriam resposta, o governo os ignorou. Foi a gota d’água para que a ocupação em frente ao EPR, tivesse inicio.

Foto Lucas Martins

O MTST, movimento que tem um grande histórico de luta, já ocupou diversos terrenos para reivindicar moradia, diversos órgãos públicos para assegurar que o governo cumpra seus compromissos e é ativo nos movimentos por democracia e contra o golpe. Suas ocupações tradicionais são em terrenos que podem ser transformados em áreas de habitação. Normalmente terrenos usados por seus donos para a especulação imobiliária, deixados vagos e sem uso, esperando a valorização no mercado. A maior parte dos terrenos ocupados são de grande porte, e se localizam nas periferias das cidades, onde se pode construir grandes complexos habitacionais.

Muitos desses terrenos não cumprem com a função social da propriedade — definida pela constituição de 1988 como obrigatória — que exige de toda propriedade algum uso que envolva “o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas” como está no Estatuto da Cidade, Lei federal que regula a obrigatoriedade da função social da propriedade. Esses terrenos não estão de acordo com a constituição, uma vez que não são utilizados para a sociedade de nenhuma forma, além de normalmente estarem acumulando dívidas com o poder público.

Foto Lucas Martins

Mas essa ocupação é diferente. Além de ser um importante passo para garantir os direitos de moradia, tem um caráter político, simbólico e histórico diferente.

Histórico, pois vai ser a chance do poder público demonstrar se, de fato, é minimamente democrático ou não. É a oportunidade de ver como será usada a PMSP. Se de forma democrática, tratando o MTST como tratou os partidários do impeachment ou se de forma seletiva, de acordo com interesses do governo. No ano de 2016, durante o processo de impeachment de Dilma, um grupo de militantes favoráveis a cassação da presidenta acampou, da mesma forma como acampa agora o MTST, na Paulista. Os manifestantes de direita (pró-impeachment) ficaram mais de um mês em frente a FIESP com suas barracas, sem nenhum problema com a polícia, mesmo tendo sido encontradas várias armas brancas nas barracas. Quando foram retirados das calçadas, algum tempo depois da aprovação do impeachment (e muito depois de terem chegado lá) a cortesia e calma da polícia surpreenderam. Já a ocupação do MTST, que fica acampado até que o governo assuma os compromissos que tem com o movimento, já recebeu um tratamento diferente. A escolta policial que esteve presente desde o começo da ocupação até o presente momento é muito maior do que o outro acamamento viu. CHOQUE, Tática, tropa do braço, ROCANS, ficaram desde as 19 hs (hora aproximada do início da ocupação) até a madrugada. Durante a noite o policiamento foi diminuindo, mas permaneceram algumas viaturas.

Simbólico, pois é uma ocupação que inverte as definidas castas geográficas de São Paulo. Onde já se viu sem-teto, serviçal, negro e pobre morando na Paulista. Pode ser nas tradicionais barracas de lonas e bambu dos assentamentos, mas eles lá fizeram sua casa. Afinal para quem tem que ocupar terreno no frio, na lama, o que é a Av. Paulista?  As castas geográficas de SP funcionam assim. No centro pessoas com casa e panelas, nas quais batem. Nas periferias aqueles que precisam lutar, contra tudo e todos, pelo seu direito a um teto. Direito muitas vezes tirado pelos donos das panelas, a quem também pertencem os terrenos ocupados. Esses sem-teto estão ocupando um espaço público, mas que foi cercado pelos paneleiros. Eles nunca foram bem vindos dentro dos cercados, mas como estão acostumados com a luta, essa é só mais uma.

E sua carga política está no potencial  que tem essa ocupação de se tornar algo maior… um occupy brasileiro. Desde as ocupações dos estudantes secundaristas, explodiram essas práticas nos limites centrais da cidade, área dos senhores das panelas. Ocuparam-se as escolas, os MinCs, ocupações de maior visibilidade que as tradicionais ocupações do MTST. Mas os sem-teto, esses que não aceitam o lugar que lhes é enfiado por paneleiros, vieram morar na Av. Paulista. E com isso pode ser, que depois de tanta bomba, crie-se um QG da resistência.

No momento em que a esquerda parece ter perdido seu rumo, nada melhor que trazer o povo para a porta da presidência em plena Av. Paulista. Todos os desmandos golpistas (só nesse ano), desde a nomeação para o STF do plagiador e genocida (que comandava a polícia mais mais mata e mais morre, no mundo) Alexandre de Moraes, passando pelo silêncio covarde diante da crise penitenciária, a nomeação de Moreira Franco para Ministro (citado 34 vezes na delação da Odebrecht), até o silêncio cruel diante dos trinta mil que chegaram até a porta da Presidência, vinham sem pausa nem resistência. Mas aqueles que não podem parar para descansar, uma vez que não tem um teto sobre o qual parar, resolveram exigir dele a lembrança de que o povo guerreiro não está de brincadeira.