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Nós Por Elas – Normalina

18 de março de 2019

Norma é mãe de quatro filhos, auxiliar de limpeza atualmente desempregada, nascida em Vitória da Conquista, na Bahia, além de coordenadora do setor de autodefesa do MTST.

Vive em São Paulo há doze anos. Na época, ainda era casada, e chegou na cidade para ajudar sua então sogra. Chegou com a falsa promessa de que não enfrentaria dificuldades de moradia em SP, mas foi despejada 15 dias após chegar com três filhos. Um tempo depois, Norma vendeu sua casa na Bahia para comprar um terreno em SP, no qual construiu sua casa.

Três meses depois de construída a casa, descobriu que o documento de venda era falso: novamente foi despejada com seus filhos, e perdeu tudo.

Foi assim que Norma chegou ao acampamento Silvério de Jesus, onde conheceu o MTST: “Aí tive a oportunidade de me aprofundar, com o decorrer do tempo, de começar a fazer parte da coordenação, e (ver) que quem ocupava terrenos não era vagabundo ou baderneiro”, como ela mesma pensava até então.

“Um dos locais mais privilegiados para se estar em uma ocupação é na cozinha”

“Quando cheguei na ocupação, eu estava andando há uma hora e meia. A ocupação ficava a uma hora e meia de caminhada, eu tinha ido a pé do lugar onde eu morava”.

Norma procurou uma militante em uma das cozinhas do acampamento: “Fui super bem recebida, ela perguntou de onde eu vinha, quem eu era”. Contou sua história, e ouviu: “Você traga madeira e lona, e construa seu barraco”. “Mas não preciso pagar nada, ou fazer inscrição?”, “Não, a gente não mexe com dinheiro”.

Norma deu de costas, pensando que cairia em mais um golpe. Mesmo assim, chegou em casa e pediu ao marido, que trabalhava em uma obra, se poderia trazer madeira para que ela construísse seu barraco de lona. Ele foi contra, disse que não moraria lá. “Pois eu vou, não vou morar na rua”. Norma montou sozinha seu primeiro barraco. Começou a trabalhar na cozinha, e perguntava às pessoas que estavam há mais tempo no movimento se pagavam para estar ali, desconfiada: “quanto vocês pagam aqui? Falem a verdade”. “Não, a gente não paga, a gente nunca pagou”. “E aí, realmente, o tempo foi passando e fui vendo que o movimento realmente não cobrava”.

Sobre o dia a dia na ocupação, Norma diz que um dos locais mais privilegiados a se estar numa ocupação é na cozinha: “Porque, quando você está na cozinha, mesmo cozinhando, sabendo que tem de alimentar várias bocas, você ouve várias histórias: pessoas que chegam e dizem ‘vim para cá só para comer porque em casa não tenho’”. Ali, na cozinha comunitária do acampamento, Norma conheceu a maioria dos ocupados da Silvério de Jesus, pessoas que chegam contando suas histórias, ou perguntando se podem trazer o marido ou os filhos para comer: “Tem comida hoje para nós? Posso trazer meus filhos para comer? Porque em casa não tem”.

“Pode sim, pode sim: tem comida para todo mundo. Para mim, até hoje, ainda continua o lugar mais privilegiado de dentro de uma ocupação: na cozinha coletiva. Tanto pelas doações, pois, às vezes, dentro de casa, um quilo de arroz não vai dar para a família comer. E eles pegam aquele quilo de arroz, levam ao acampamento, se juntam aos demais que chegaram, e aí se dá comida para cem, duzentas, trezentas pessoas. Que é o mais gratificante: você vê aquelas pessoas que chegaram ali com um quilo de açúcar, com um quilo de feijão, com uma lata de óleo – é isso o que eu tinha para trazer. Só que aquele pouco que ela trouxe junta-se à solidariedade dos demais e alimenta um acampamento inteiro.”

“Me sinto muito privilegiada por ter começado no movimento pela parte mais importante, que foi na cozinha.”

Cozinhando, alimentando várias bocas, e sabendo que ali eles teriam onde comer, e onde dormir: ainda que fosse num barraco de lona, por mais que numa cama feita de bambu, feita de vara, era o lugar que eles tinham, e tinha segurança ali dentro. Costumo dizer às pessoas que querem começar no movimento: comecem pela cozinha”.

Hoje, Norma mora no Taboão, tem um apartamento no Parque Jacarandá, conquistado pela luta.

Quando Norma pegou a chave do apartamento e assinou os documentos, ouviu que poderia ir para o apartamento novo naquele dia mesmo. Pensou: “Meu Deus, através de um barraco de lona, agora tenho uma casa para morar. Meus quatro filhos iam ter lugar para morar, através de uma luta que foi começada lá atrás, com um barraquinho de lona. Saí do CDHU e comecei a ligar para um monte de gente: “gente, não desista, continue! Acabei de ganhar meu apartamento, vocês também vão conseguir”.

A primeira coisa que Norma fez foi fechar o apartamento durante oito meses e voltar a morar em uma ocupação. Debaixo do barraco de lona, para fortalecer a luta e mostrar a todos que a luta vale a pena: “A conquista do meu apartamento me fortaleceu em ajudar os demais”