Moradores de Congonhas (MG) se unem contra MRS
Um grupo de 200 pessoas fechou por quase três horas um ramo da malha ferroviária.
No dia 11 de novembro, às 13h, um grupo de 200 moradores de Congonhas (MG) fechou por quase três horas um ramo da malha ferroviária da MRS Logística, empresa que faz o transporte de minério da CSN, Namisa, Ferro + e Vale. Congonhas é uma pequena cidade de 50 mil habitantes localizada no quadrilátero ferroso em Minas Gerais. Nela está sediada a principal mina da CSN, a Casa de Pedra.
Foi um dia chuvoso, que fez acreditar que a manifestação não sairia. A manifestação aconteceu no bairro Pires, um bairro operário com aproximadamente 600 famílias, em sua maioria operárias com um ou mais membros trabalhando direta ou indiretamente em minas da região. O bairro estava lamacento, com uma movimentação pouco frequente de carros novos e uma igualmente pouco comum presença de autoridades municipais, entre elas o prefeito da cidade e quatro vereadores.
Todos esses “homens de Estado” foram lá para finalmente manifestar solidariedade aos moradores que, há dez anos, lutam para ser ouvidos por alguém. Suas queixas são contra os desmandos da empresa ferroviária e das várias mineradoras que, cada uma a seu modo, contribuem para a destruição do bairro.
Entre os moradores presentes, um pequeno grupo demonstrava a irresistível alegria de ter finalmente conseguido o que parecia impossível até o dia anterior: obrigar a MRS a dar satisfações à comunidade e se comprometer com um cronograma de obras no bairro. As semanas que antecederam a manifestação foram especialmente agitadas para um grupo de mulheres que tomou para si a tarefa de organizar a mobilização e transformar a indignação acumulada nos últimos anos em algo mais que uma revolta estéril.
Uma dessas mulheres, Cida*, é membro de uma típica família operária. O marido é funcionário de uma pequena companhia mineradora, a filha trabalha numa terceirizada, o filho é motorista de caminhão numa mineradora e ela é funcionária de um estabelecimento comercial no bairro. Sua casa vive no ritmo descompassado dos horários diferentes de cada uma dessas jornadas e sofre o desconforto dos descansos em dias diferentes e da rotatividade nos horários de trabalho.
Cida, como muitas mães da classe trabalhadora, conhece a rotina das fábricas e minas por meio das narrações de seus filhos e do marido, e pela vizinhança de uma das grandes empresas da região. Cida acompanhou atentamente as negociações salariais do sindicato nas empresas da filha e do marido. Todas as vezes em que houve reunião, ela tinha os panfletos do sindicato em mãos, sabia do resultado das assembleias, comentava sobre as propostas das empresas e, inclusive, fez sugestões sobre qual seria a melhor atuação do sindicato. Numa ocasião, propôs que o sindicato mandasse um representante à sua casa para conversar com seu marido sobre os problemas da empresa.
A Namisa, parte do grupo CSN, tem uma mina a pouco mais de mil metros de sua casa, que nos dias de sol é invadida pela nuvem de poeira metálica e, nos de chuva, pelo barro negro que enlameia as ruas. Por conta dessa vizinhança, o bairro que tinha água grátis graças aos oito mananciais existentes hoje é abastecido com caminhões pipas “cedidos” pela empresa, que também são usados para transportar óleo diesel.
Ela conta que em alguns dias “a água é insuportável, tem cheiro e gosto de combustível, não dá para beber nem para fazer comida”. O drama da MRS é igual, com uma linha férrea que atravessa o bairro com oito comboios por dia, às vezes dez, ou seja, é impossível fazer qualquer coisa.
Não há nenhum viaduto, passarela ou cancela. Quando os comboios estacionam, é preciso passar por baixo ou por cima dos vagões. Alguns trabalhadores perdem seus horários porque é impossível chegar na hora.
Semanas antes do protesto, um grupo de moradoras se reuniu na casa de Cida e resolveu tentar, mais uma vez, organizar um ato contra a MRS. Na chegada, ela mostrava os panfletos do sindicato que seu marido havia recebido na porta da empresa. “O sindicato não pode continuar fazendo as coisas apenas por salário, porque os trabalhadores também são explorados no bairro”, disse ao representante da entidade presente na reunião. Em sua linguagem simples, Cida traduziu algo que deveria ser óbvio: é preciso unificar as lutas econômicas e populares.
No dia do ato, todos os atores representaram seu papel. O prefeito e os vereadores apoiaram a manifestação e declararam que a responsabilidade pela linha férrea era do Estado e do governo federal. A MRS solenemente disse que a culpa pelos viadutos era da prefeitura, mas prometeu doar cadernos para a escola do bairro e livros para uma biblioteca que não existe.
Mas os moradores pareciam não ter lido o mesmo roteiro. Um deles declarou à queima-roupa: “não viemos aqui pedir esmolas, viemos exigir nosso direito”. Outro declarou que “era muito interessante ver tanta gente preocupada com o Pires depois de dez anos indo de repartição em repartição pedido solução para seus problemas”. Um terceiro observou que “os políticos só vinham aqui em época de eleições, mas parece que quando fechamos a ferrovia eles também vêm”.
No meio do ato, com a ferrovia fechada, um dos vereadores que havia pago o carro de som tentou anunciar o fim do manifestação. “Haviam feito um acordo com a MRS de que o ato seria das 13h às 14h30”, disse. A indignação foi total entre os moradores, que exigiam a presença da companhia para responder sobre o argumento. O prefeito, que já tinha falado, havia desaparecido. Então, os moradores, em rápida assembleia, decidiram só sair depois que a empresa se apresentasse.
Após o impasse inicial, duas funcionárias da MRS apareceram, parabenizaram o ato (“essa coragem cidadã”, disse uma delas) e se comprometeram a apresentar, em 15 dias, um cronograma de obras.
No encerramento do ato, um dos oradores observou que “nos últimos dez anos a empresa nunca se dignou a receber os moradores, mas agora eles aprenderam o caminho, fechar os trilhos é o melhor recado a ser dado a empresa”, e concluiu, “te damos 15 dias MRS, depois fecharemos os trilhos indefinidamente.”
*Cida é um nome fictício para preservar a segurança da trabalhadora e de sua família.