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Guilherme Boulos: Reforma da Previdência, o futuro está em jogo

22 de março de 2019

Em vez de equilíbrio, proposta deve piorar situação

O Brasil precisa saber o que está em questão com a reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro. É verdade que o aumento da expectativa de vida traz um debate sobre o financiamento do sistema previdenciário. É verdade que precisamos enfrentar privilégios para assegurar direitos. Mas a proposta do governo não resolve nenhuma dessas questões e ainda cria novos problemas. O marketing de uma “Nova Previdência”, que garanta as aposentadorias no futuro, não para em pé.

O grande objetivo da reforma é fazer uma transição radical de modelo: desmontar a Previdência pública, com suas três fontes de financiamento — trabalhador, empregador e Estado — e colocar em seu lugar o regime de capitalização, financiado unicamente pelos próprios trabalhadores e gerido por bancos privados.

Ao contrário do regime de solidariedade entre gerações, consagrado na Constituição de 88, na capitalização impera o cada um por si.

Quem pode faz poupança individual nos bancos e garante uma aposentadoria com dignidade. Quem não pode estará condenado a condições indignas de aposentadoria ou a trabalhar até morrer.

O argumento de que as pessoas vão poder optar pelo INSS ou a capitalização é uma falácia. Por duas razões. Primeiro, num país com 37 milhões de trabalhadores informais é absurdo supor que a maioria conseguirá comprovar 20 anos de contribuição; 40 anos, então, nem se fale. Já com as regras atuais, apenas 29% se aposentam por tempo de contribuição. As mulheres e trabalhadores rurais serão ainda mais afetados com o endurecimento das regras.

A segunda razão é que o direito de escolha do trabalhador não existe numa economia com alto desemprego. Se quiser optar pelo INSS, a empresa terá de entrar com sua cota de contribuição. Na Previdência privada, ela estará desobrigada. Alguém acredita que uma empresa contratará quem opte pelo regime público?

O objetivo é impor a capitalização como modelo. A questão é que nele não cabem todos. O Chile é um exemplo. Após a implantação da capitalização na ditadura de Pinochet, o país produziu um surto de miséria entre idosos. Hoje, 80% dos aposentados recebem menos de 1 salário mínimo, por não conseguir garantir poupança individual

A parte mais covarde é a “alternativa” oferecida aos que não consigam entrar no jogo da capitalização: benefícios sociais abaixo do salário mínimo. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) garante hoje 1 salário para idosos pobres, a partir dos 65 anos. Atende 5 milhões de pessoas, representando em média 80% de sua renda. É a garantia de comida na mesa para muita gente. A proposta é permitir esse ganho apenas a partir dos 70 anos e, aos 60, garantir um valor pífio de R$ 400.

Os efeitos contra os mais pobres são devastadores. E também afetam a economia do país. As aposentadorias e benefícios previdenciários representam a maior movimentação econômica para 70% dos municípios brasileiros. Como disse reservadamente um prefeito da base bolsonarista a um amigo governador: “Se aprovar isso, na minha cidade não se vende mais nem um quilo de carne”.

Em vez de permitir um equilíbrio da Previdência, a reforma deve piorar a situação. E não apenas pelo efeito depressor na economia, mas também porque –com a Previdência privada– muitos deixarão de contribuir para o INSS. O resultado será uma descapitalização da Previdência pública, podendo, aí sim, criar um rombo insustentável, especialmente na transição. O objetivo de Paulo Guedes não é equilibrar a Previdência, mas entregá-la aos bancos.

Não é verdade que a única saída para o Brasil é fazer uma reforma que ataca direitos. É preciso ter coragem para enfrentar privilégios do poder econômico. Só a renúncia fiscal do INSS, com desonerações e isenções, representa cerca de R$ 57 bilhões ao ano. A taxação de fortunas, grandes heranças e lucros e dividendos –que defendemos nas eleições do ano passado– poderia representar arrecadação de R$ 120 bilhões ao ano para Previdência e políticas sociais. E por que não implementar um Imposto Especial sobre o Lucro dos Bancos, como fez a Hungria em 2010 para sair da crise?

O que está em jogo é que futuro queremos: uma sociedade baseada no princípio da solidariedade, que acolha seus idosos, ou então no “cada um por si”, que leve a maioria deles a uma aposentadoria indigna. A hora de definir é agora. Ainda dá tempo. Vamos hoje às ruas de todo o país em defesa de nossos direitos.

 

 

Por Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST e da Frente Povo Sem Medo, tendo sido candidato à Presidência da República pelo PSOL, em 2018.

Fonte: Folha de S. Paulo