Guilherme Boulos: “A diversidade não impede a unidade da esquerda na defesa da democracia”
Fonte: CartaCapital
Por Rodrigo Martins
A existência de diferentes candidaturas do campo progressista não invalida uma aliança no segundo turno, emenda o líder do MTST
Cotado como candidato do PSOL à Presidência da República, Guilherme Boulos recusa-se a alimentar a inútil polêmica sobre a desunião da esquerda em 2018. A existência de diferentes candidaturas do campo progressista não representa uma ameaça à unidade e tampouco invalida uma aliança no segundo turno, avalia o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, em entrevista a CartaCapital.
“A esquerda precisa ter maturidade para estar junta naquilo que une a todos e, ao mesmo tempo, reconhecer sua própria diversidade. É preciso cerrar fileiras no enfrentamento ao golpe, às reformas de Temer e aos retrocessos democráticos, bem como na defesa do direito de Lula ser candidato”, diz. “Mas é preciso ter a mesma maturidade para compreender que a diversidade de posições não é um problema”.
Da mesma forma, o líder do MTST rejeita surfar na onda do antipetismo. “Achar que o caminho para a construção de um novo projeto de esquerda é a destruição de Lula e do PT é uma ilusão monstruosa. Basta olhar em volta: quem tem crescido com esses ataques é a direita.” Isso não quer dizer que Lula e o PT não possam ser criticados por seus erros, enfatiza Boulos. “A tentativa de reeditar em 2018 um caminho de conciliação é também uma ilusão. Mas não se enfrenta isso com antipetismo. Converso muito com dirigentes do PSOL e tenho a segurança de que não cometerão esse erro.”
CartaCapital: Você é cotado como candidato do PSOL à Presidência da República. Caso esse projeto se concretize, que papel a sua candidatura representaria nas eleições de 2018? Que bandeiras pretende puxar?
Guilherme Boulos: Primeiro, é importante ressaltar que não há ainda nenhuma definição. Houve um convite do PSOL, que está sendo debatido com a coordenação do MTST e com companheiros do próprio PSOL. Mas, independente de ser ou não candidato, penso que a esquerda tem três desafios no debate eleitoral deste ano.
O primeiro deles é centrar suas forças no enfrentamento ao golpe e a seu projeto antipopular. Há um verdadeiro desmonte nacional, conduzido por Temer, Meirelles e o PSDB. Este projeto não ganhou nas urnas em 2014 e precisa ser sepultado em 2018. Parte deste enfrentamento ao golpe é a defesa decidida do direito de Lula ser candidato. A tentativa de inviabiliza-lo é expressão da continuidade do golpe.
O segundo desafio é enfrentar as falsas alternativas, que tentam capturar o sentimento de rejeição à política e consolidar uma onda conservadora. A principal expressão disso hoje é a candidatura de Jair Bolsonaro. Bolsonaro é uma farsa, deputado há três décadas e representante da política mais atrasada. Essa farsa precisa ser desmontada. O terceiro é aprender com as lições do golpe.
O golpe representou uma radicalização da Casa Grande e de seus políticos. Fechou qualquer possibilidade de termos avanços sem conflito. Se foi possível garantir mais direitos sem enfrentar os grandes privilégios na sociedade e no Estado brasileiro, hoje não é mais. Isso se expressa em termos de programa e de alianças. Não se trata apenas de querer ser mais radical, quem radicalizou foram eles. É preciso apresentar um projeto que coloque o dedo na ferida.
CC: Em entrevista à Folha de S.Paulo, o deputado estadual Marcelo Freixo se apresentou como idealizador de sua candidatura e descreveu um encontro que promoveu na casa de Paula Lavigne, mulher do Caetano Veloso. Foi assim mesmo que tudo começou?
GB: Marcelo Freixo é meu amigo, tenho por ele grande respeito e não li em sua entrevista que o debate sobre uma eventual candidatura minha tenha começado apenas ali. O relato que ele fez é de como a proposta surgiu para ele. Evidentemente, não foi naquele momento que a hipótese apareceu. Que essa possibilidade esteja colocada é resultado do processo de construção do MTST. Sou um dos representantes de uma construção coletiva, com milhares de pessoas em todo o Brasil, que se dedicaram ao trabalho de base nas periferias nos últimos 20 anos. Tenho o maior orgulho de ser parte desta experiência política.
Em relação à Paula Lavigne, acho muito importante reconhecer o valor de movimentações que ocorreram no último ano. Paula, junto com Pablo Capilé e a Mídia Ninja estimularam o Movimento 342, que ajudou a aglutinar artistas em pautas progressistas, como o “Diretas Já” e o enfrentamento ao movimento de censura às artes pelo MBL. Construímos uma aproximação a partir disso. Essa aproximação levou Caetano a ir em uma ocupação e se apresentar para os sem-teto. Levou vários artistas a empenharem seu apoio e solidariedade à ocupação Povo Sem Medo de São Bernardo do Campo. Parece-me estranho que alguém de esquerda ache isso ruim.
Aliás, ampliar as pontes da esquerda com o debate de cultura e comunicação é fundamental. A direita tem feito uma ofensiva nas redes que, se ignorarmos agora, pagaremos o preço depois. A Mídia Ninja ajudou a colocar este debate num novo patamar e se tornou uma das principais parceiras do MTST, além de estar conosco na construção da Frente Povo Sem Medo. Há ainda outras lideranças que propuseram e propõem este caminho. Não é uma definição fácil, por isso está sendo debatida com cuidado no MTST, com o PSOL e com parceiros nossos.
CC: Nessa mesma entrevista, Freixo demonstrou ceticismo sobre a capacidade de a esquerda se unir nas eleições, além de prever uma pulverização de candidaturas do campo progressista no primeiro turno.
GB: A esquerda precisa ter maturidade para estar junta naquilo que une a todos e, ao mesmo tempo, reconhecer sua própria diversidade. É preciso cerrar fileiras no enfrentamento ao golpe, às reformas de Temer e aos retrocessos democráticos, bem como na defesa do direito de Lula ser candidato. Mas é preciso ter a mesma maturidade para compreender que a diversidade de posições não é um problema. Deixemos o pensamento único e a intolerância para a direita, que sempre viveu disso.
É legítimo que hajam diferenças programáticas, isso não é divisionismo. O que divide a esquerda é o sectarismo, de onde quer que ele venha. Um tipo de sectarismo é aquele incapaz de fazer unidade porque só consegue falar das diferenças. É, neste caso, não reconhecer nenhum avanço nos governos petistas e falar em nome da pureza salvadora. Isso não se aplica a Freixo, que, em sua própria entrevista, deixou claro a recusa ao discurso antipetista. Mas se aplica a alguns na esquerda.
Outro tipo de sectarismo, igualmente rebaixado, é aquele que tenta interditar qualquer tipo de diferença. É incapaz de reconhecer erros nas experiências de governo do PT e apressa-se a taxar qualquer crítica ou projeto alternativo como divisão. Lamentavelmente, há uma parte da militância de esquerda que alimenta isso. Saber evitar estes sectarismos é o melhor caminho para construir unidade efetiva na esquerda no longo prazo. De imediato, acho que todos devemos nos esforçar para uma grande unidade de ação em defesa da democracia.
CC: No segundo turno há espaço para uma aliança?
GB: Acho natural que, num segundo turno, toda a esquerda se una em torno de qualquer candidatura do campo progressista e de enfrentamento ao golpe. Não fazer isso seria suicídio político.
CC: Setores do PSOL têm críticas muito contundentes às gestões petistas, sobretudo no que diz respeito às alianças com partidos conservadores e à política de conciliação de Lula. Em 2018, o ex-presidente será um dos alvos do PSOL?
GB: Não respondo pelo PSOL, mas o maior erro que alguém de esquerda possa cometer em um momento histórico como este é embarcar na onda do antipetismo ou do anti-Lula. Já vimos que deste caldo não sai coisa boa. Achar que o caminho para a construção de um novo projeto de esquerda é a destruição de Lula e do PT é uma ilusão monstruosa. Basta olhar em volta: quem tem crescido com esses ataques é a direita.
O antipetismo visceral de setores da sociedade e da mídia não é só contra o PT, é antiesquerda, antigreve, antiocupação. Isso não quer dizer que Lula e o PT não possam ser criticados por seus erros, é evidente. A tentativa de reeditar em 2018 um caminho de conciliação é também uma ilusão. Mas não se enfrenta isso com antipetismo. Converso muito com dirigentes do PSOL e tenho segurança de que não cometerão este erro.
CC: Diante da pulverização de candidaturas, tanto da esquerda quanto da direita, é possível arriscar algum palpite sobre as eleições?
GB: Se há algum consenso sobre as eleições deste ano é que serão as mais imprevisíveis desde 1989. Ocorrem após a consumação de um golpe e em meio a novas ameaças ao que resta de democracia por aqui. As tentativas de Temer e de Gilmar Mendes de impor um semiparlamentarismo por meio de uma emenda constitucional, em pauta no Supremo Tribunal Federal, expressam isso. As manobras escandalosas do Judiciário para retirar Lula das eleições, após uma condenação sem provas, também. São a continuidade do golpe. Tudo isso torna o cenário ainda muito incerto.
CC: Devido à impopularidade de seu governo, Temer pode se converter em um cabo eleitoral involuntário de candidaturas de oposição?
GB: Temer é um presidente tóxico. Tem 3% de aprovação. Quem quer que sejam os candidatos que representem seu projeto terão que se afastar de sua imagem, como Alckmin já está fazendo, embora o PSDB seja um dos pais do golpe.
É evidente que isso abre um espaço para a esquerda. Mas é preciso estarmos muito atentos porque parte deste caldo expressa também uma rejeição à política. Rejeição bastante compreensível, na medida em que o sistema político está falido e não representa os anseios populares. O problema é o risco de enveredar para saídas autoritárias, ao estilo de Bolsonaro ou do general Mourão. A esquerda precisa ser capaz de se apresentar como alternativa ao establishment, não só a Temer.