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Flexibilização da posse de armas de fogo | Canetada de Bolsonaro deve fazer mortes e crimes violentos dispararem

10 de fevereiro de 2019

O decreto número 5.123, assinado no último dia 15 de janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro, facilita não só o trâmite burocrático para a obtenção de armas de fogo por qualquer cidadão como também torna efetiva uma maior circulação dessas em todo o território nacional. Há de se deixar claro que tal medida já vinha sendo tratada, durante toda a campanha eleitoral, como uma das prioridades do futuro governo do então candidato de extrema-direita, ainda que em nenhum momento da disputa eleitoral o tema tenha sido trabalhado a fundo, a fim de esclarecer seu real objetivo e validade.

Um dos pontos mais preocupantes reside na flexibilização da justificativa para requerer uma arma de fogo. O Artigo 12, Inciso I, expõe que a pessoa interessada em obter permissão para uso de arma deverá “declarar efetiva necessidade”. Esse ponto dependia, até então, de uma análise de um delegado da Polícia Federal, que teoricamente procurava saber melhor os motivos pelos quais a posse era requerida, para posteriormente avaliar se o pedido era ou não cabível.

Com o novo decreto assinado por Bolsonaro, critérios objetivos — e frágeis — para comprovar a “efetiva necessidade” foram estabelecidos, fazendo a necessidade de avaliação por parte da Polícia Federal cair por terra. Agora, não há praticamente mais nenhum impedimento para que se possa adquirir e possuir uma arma de fogo — vide os requisitos listados mais abaixo, que não precisam ser todos preenchidos. O maior obstáculo, daqui em diante, é o preço exorbitante de revólveres e munições, o que demonstra qual classe social procurou ser beneficiada de fato.

O ponto que facilita sobremaneira a comprovação da “efetiva necessidade” da posse, abarcando todos os brasileiros e brasileiras, é o que define como critério a pessoa residir em área rural ou urbana, desde que o seu estado tenha um índice anual de homicídios acima de dez por 100 mil habitantes. Todos os estados brasileiros, além do Distrito Federal, se encaixam nesses números de acordo com o último Atlas da Violência, maior referência no assunto.

Critérios para comprovação de efetiva necessidade para posse de arma:

– Ser agente público (ativo ou inativo) de categorias como: agente de segurança, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agente penitenciário, funcionário do sistema socioeducativo e trabalhador de polícia administrativa;

– Ser militar (ativo ou inativo);

– Residir em área rural;

– Residir em área urbana de estados com índices anuais de mais de dez homicídios por 100 mil habitantes, segundo dados de 2016 apresentados no Atlas da Violência 2018;

– Ser dono ou responsável legal de estabelecimentos comerciais ou industriais;

– Ser colecionador, atirador e caçador, devidamente registrados no Comando do Exército;

– Caso o domicílio habite crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência mental, é necessário comprovar a existência de cofre ou local seguro, com tranca, na residência.

Exigências:

– Obrigatoriedade de cursos para manejar a arma;

– Ter ao menos 25 anos;

– Ter ocupação lícita;

– Não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal;

– Não ter antecedentes criminais nas justiças Federal, Estadual (incluindo juizados), Militar e Eleitoral.

Impactos previstos no campo e na cidade

O decreto impacta diretamente toda a sociedade e sua segurança, ainda mais se levarmos em conta o fato de que a liberação da posse de arma para quem mora em área rural deve acarretar no aumento do número de mortes no campo — palco usual de conflitos agrários, favorecendo os latifundiários e prejudicando a dificultosa batalha de décadas por Reforma Agrária. De acordo com o Atlas da Violência de 2017, o município de Altamira, no Pará, é o que possui a maior taxa de homicídios do país: 107 mortes para cada 100 mil habitantes. Outro dado alarmante vem da Comissão Pastoral da Terra que, em 2017, registrou 71 mortes em conflitos agrários, dos quais a maior parte se tratava de lideranças comunitárias.

No que se refere ao meio urbano, a “canetada de Bolsonaro” preocupa, principalmente, em duas frentes: homicídios e feminicídios. Segundo o Atlas da Violência, em 2017, 71,9% dos homicídios em todo território nacional foram cometidos por arma de fogo. A combinação entre crime organizado, truculência e parcialidade das polícias — que vitimam, em sua ampla maioria, negros, principalmente nas periferias — e homicídios cometidos anualmente só deve colaborar para o aumento de tal estatística.

“Atuamos em áreas periféricas, então para nós [o decreto] é muito ruim, pois donos de terrenos estarão ‘legitimados’, o que pode ser pretexto para que saiam matando sem-teto, por exemplo. Tem também a questão das milícias, porque o decreto facilita que armas cheguem a elas. Sabemos que a fiscalização não será forte”, opina Ana Perles, integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.

Quanto aos feminicídios — mortes de mulheres por ódio, motivados pela condição de gênero –, de acordo com os dados do Atlas, foram registrados 946 crimes do tipo apenas no ano de 2017. Levando em consideração que a maioria dos casos de feminicídio ocorre no ambiente doméstico, uma maior quantidade de residências cujos moradores possuam armas, deve contribuir incisivamente para o aumento desse tipo de crime — projeção que também é compartilhada na visão de Perles: “Há muitas estatísticas que devem se agravar: mais problemas domiciliares, em família, mais homicídios dentro de casa; pessoas alcoolizadas podem tentar fazer justiça com as próprias mãos, o que já é comum”.

A integrante do MTST ainda salienta que a questão da defesa inquestionável da propriedade privada, aliada à facilitação da posse de arma, abre caminho para o aumento dos homicídios das chamadas minorias sociais. “Além da questão do feminicídio, entram na mira outros grupos mais fragilizados. Logo, quem tiver uma arma ‘legalizada’ deve se sentir mais empoderado a tomar a frente em determinadas situações”, conclui. Resta esperar e torcer para que os danos previstos sejam os menores possíveis, sem perder do horizonte a revogação do decreto de Bolsonaro.