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EUA | Extrema-direita só consegue reunir 30 pessoas em aniversário de marcha racista

13 de agosto de 2018

Polícia evita incidentes na manifestação de milhares de pessoas em Washington contra a minúscula concentração de supremacistas brancos

Jason Kessler, o organizador do protesto do ano passado em Charlottesville e deste domingo em Washington. Foto: Jim Lo Scalzo (EFE)

Milhares de manifestantes tomaram na tarde deste domingo o centro de Washington para protestar contra a concentração de supremacistas brancos na cidade, que mal conseguiu reunir 30 pessoas no primeiro aniversário dos distúrbios racistas de Charlottesville (Virgínia), onde uma mulher morreu atropelada por um neonazista. Nos arredores da Casa Branca, um forte dispositivo de segurança conseguiu manter os dois grupos separados e evitar choques violentos como os ocorridos em agosto de 2017 na Virgínia. Os manifestantes racistas diziam defender os “direitos civis dos brancos”, e alguns levavam símbolos associados ao presidente Donald Trump, que estava fora da capital.

Amparando-se no direito à liberdade de expressão, as autoridades autorizaram uma concentração de até 400 supremacistas brancos num parque em frente à Casa Branca, mas afinal só cerca de 30 apareceram, protegidos a todo momento por um grande contingente policial. Os manifestantes de extrema direita chegaram a Washington de metrô. Alguns vestiam terno, outros usavam camisetas ou bonés com o nome de Trump, e havia também quem envergasse máscaras e capacetes. Aparentemente não havia entre eles nem membros da Ku Klux Klan nem skinheads, como se viu há um ano em Charlottesville. Agentes de polícia escoltaram o grupo na direção da Casa Branca, sob os gritos dos manifestantes contrários a ele. Alguns destes atiraram garrafas de plástico vazias nos racistas.

Em frente à residência presidencial, os supremacistas passaram pouco menos de duas horas protestando, sob o lema Unir a Direita 2. Um cordão policial os isolava dos milhares de manifestantes antirracistas que, num ambiente festivo e pacífico, vociferavam continuamente “Fora nazistas”, “Não a Trump. Não à KKK. Não a um EUA fascista” e “Esta é nossa cidade”. Quando começou a chover forte, a concentração se dispersou, e a polícia levou os supremacistas brancos embora em caminhonetes para evitar choques ao saírem do parque. Alguns dos contramanifestantes estavam munidos de paus e máscaras, aparentemente preparados para um hipotético confronto com os supremacistas ou com a polícia. Na verdade, quando a concentração racista já havia terminado ocorreram alguns choques entre os agentes e membros do grupo de extrema esquerda Antifa, que acenderam rojões, causaram alguns danos no mobiliário urbano e atiraram ovos em edifícios.

Os arredores da Casa Branca atraíram uma heterogênea mistura de grupos que protestavam contra a presença da extrema direita em uma das cidades mais progressistas e com maior população negra dos Estados Unidos. Havia manifestantes de grupos afro-americanos, judeus, veganos, homossexuais… Muitos levavam cartazes contra Trump e o “ódio”. Japharii Jones, negro de 33 anos e integrante da organização Black Lives Matter, considerava que a extrema direita tinha sofrido um “enorme fracasso” ao atrair tão pouca gente a Washington. “Trump quer nos dividir, mas como você pode ver estamos mais unidos”, dizia, torcendo para que esta “força” de protesto se reflita nas eleições legislativas de novembro, nas quais serão renovados a maior parte do Congresso e dezenas de Governos estaduais.

O objetivo das autoridades de Washington era evitar que se repetissem os incidentes de 12 de agosto de 2017 em Charlottesville, quando dezenas de supremacistas brancos, alguns com capuzes da Ku Klux Klan e armados com rifles, gritaram lemas antissemitas e racistas e enfrentaram violentamente grupos antifascistas, diante da passividade policial. Na véspera daqueles confrontos, os supremacistas já haviam passeado com tochas por um campus universitário gritando que “os judeus não nos substituirão”.

O papel de Trump
O primeiro aniversário dos distúrbios de Charlottesville coloca os Estados Unidos perante o incômodo espelho do racismo. O panorama é pessimista. Há um ano, Trump desatou uma tempestade política ao não condenar claramente a extrema direita, quando culpou “ambos os lados” pelos choques entre supremacistas brancos e contramanifestantes na Virgínia. Deliberadamente equidistante, o republicano chegou a dizer que havia “gente muito boa” entre os racistas, incluindo membros da Ku Klux Klan, que protestavam nessa cidade contra a retirada da estátua de um general confederado da Guerra Civil. Nos 12 meses transcorridos desde então, Trump não fez nenhum esforço para fechar a ferida racial; pelo contrário, a avivou, em geral diante do silêncio cúmplice do seu Partido Republicano.

Segundo uma pesquisa Reuters/Ipsos feita por ocasião do primeiro aniversário dos distúrbios de Charlottesville, 57% dos norte-americanos acreditam que as relações raciais pioraram com Trump na Casa Branca, e só 15% acham que melhoraram, Durante a presidência de Barack Obama, o primeiro mandatário negro dos EUA, 38% acreditavam que as relações tinham progredido, e 37% achavam que haviam retrocedido. A pesquisa também revela que, em comparação a setembro de 2017, subiu ligeiramente o apoio a grupos neonazistas e a defesa do legado europeu branco nos EUA.

Na véspera do aniversário da morte de Heather Heyer, uma mulher de 32 anos que protestava contra a concentração de extrema direita em Charlottesville quando foi atropelada intencionalmente por um neonazista, o mandatário publicou no sábado uma mensagem no Twitter em lamentava que os distúrbios tenham resultado em uma “morte sem sentido e em divisão”. “Devemos nos unir como nação. Condeno todos os tipos de racismo e atos de violência. Paz para todos os norte-americanos”, escreveu. A mensagem era um convite à calma antes das concentrações contrapostas deste domingo em Washington.

Os republicanos esperam mobilizar nas eleições legislativas de novembro os eleitores que deram a vitória a Trump em 2016 após sua campanha anti-imigração, protecionista e populista. O bilionário nova-iorquino anunciou sua candidatura eleitoral chamando os mexicanos de “estupradores”, e quando recebeu o apoio de supremacistas brancos demorou a rejeitá-lo.

Às vezes camuflado detrás da linguagem politicamente incorreta, do patriotismo e do desdém por críticos, Trump acumula um longo histórico de ataques implícitos aos negros. Há uma semana chamou Don Lemon, apresentador afro-americano da CNN, de “o homem mais estúpido da televisão”. Recentemente também questionou o coeficiente intelectual de outros negros famosos, como o astro do basquete Lebron James ou a deputada democrata Maxine Waters. Considerar os afro-americanos pouco inteligentes era uma estratégia habitual dos racistas brancos durante os anos de segregação. Em janeiro, Trump chamou várias nações africanas de “países de merda”. E, mesmo antes de entrar na política, já jogou a cartada racial quando questionou se Obama havia realmente nascido nos EUA, como de fato ocorreu, ou na África, como apontavam teorias conspiratórias.

Como presidente, Trump não impulsionou nenhuma iniciativa concreta para a comunidade negra e enterrou os esforços de Obama para reduzir a tensão pela morte de afro-americanos desarmados nas mãos da polícia. Em um livro a ser lançado nos próximos dias, Omarosa Manigault Newman, que era a principal assessora negra de Trump na Casa Branca até ser demitida, em dezembro passado, chama o republicano de “racista” e especula sobre a existência de gravações de Trump, antes de ser presidente, usando repetidamente a palavra pejorativa nigger para se referir aos negros. A Casa Branca qualificou como falsas as acusações de Newman, e no sábado o presidente a chamou de “escória”.

Em seu relatório anual sobre grupos de ódio nos EUA , o Southern Poverty Law Center, instituição de referência nesse assunto, salienta que Charlottesville causou “prejuízos táticos” para a extrema direita, mas adverte que as “labaredas xenófobas” de Trump e as mudanças demográficas, com a redução proporcional da população branca, continuam estimulando um “contragolpe do nacionalismo branco nos próximos anos”.

 

Por Joan Faus
Fonte: El País