Entrevista ao Correio Braziliense | Só o trabalhador e a classe média pagam impostos no Brasil, diz Guilherme Boulos
Em entrevista ao Correio, o pré-candidato à Presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos, defende o imposto sobre grandes fortunas como uma das medidas para tornar o país mais igual e critica a reforma Previdenciária tentada por Temer
Pré-candidato pelo PSOL, Guilherme Boulos é o nome mais jovem na corrida ao Palácio do Planalto. Aos 35 anos, o professor da rede básica de São Paulo entra na disputa com uma trajetória marcada pela atuação em movimentos sociais — é integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Ele defende a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio da Silva pelo PT e diz que a unificação da esquerda virá no segundo turno.
Para acabar com o rombo das contas públicas, Boulos pretende cortar privilégios na cúpula dos poderes. Critica o sistema tributário atual e quer elevar impostos pagos pelos que têm maior renda e patrimônio.
Psicanalista, formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), Boulos destinaria mais recursos federais na educação básica para permitir que um número maior de alunos da rede pública chegue às melhores universidades.
Suas críticas são endereçadas aos adversários Geraldo Alckmin (PSDB), que tentou fechar escolas em São Paulo sob o argumento de otimizar a rede, e Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera as pesquisas de intenção de voto com discurso conservador. “As pessoas estão com medo e há quem explore politicamente esse sentimento. Bolsonaro é alguém que faz populismo em cima de cadáver”, afirmou. A seguir, os principais trechos da entrevista do pré-candidato.
Uma das coisas que mais percebemos é a dificuldade de união dos pré-candidatos de esquerda. O PSOL vai esperar uma decisão da Justiça em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou vai cada um por si e, no segundo turno, veem como fica?
Defendemos a ideia de Lula ser candidato. A nossa pré-candidatura não está em função de qualquer outra, mas em função de um projeto que defendemos para o Brasil. A esquerda tem de estar unida nas lutas fundamentais, como em uma aliança de princípios em defesa da democracia brasileira e dos direitos sociais, que estamos perdendo. Essa unidade se faz, sobretudo, nas ruas, nas lutas, em torno de bandeiras.
Mas, em termos de candidatura, cada um vai ter a sua? Ou haverá união em torno de uma única candidatura?
Todas as candidaturas são legítimas no campo da esquerda e queremos dialogar com todas elas. As diferenças que temos não vão nos impedir de sentar àmesma mesa. A eleição é em dois turnos. Não acredito que o povo brasileiro vá colocar dois representantes do Temer na reta final.
Qual a diferença de vocês para o PT e para o PCdoB?
O PSOL não estava nos 13 anos do governo de PT. O PCdoB estava. Isso não quer dizer que não reconhecemos avanços. Houve conquistas importantes, como políticas públicas, programas sociais e aumento da renda dos mais pobres. Mas faltou também ousadia para fazer enfrentamentos.
A avaliação dos petistas é de que, se não fizer aliança com centro e centro-direita, não dá para governar. Isso está errado?
Eu digo o contrário: se fizer essa aliança, não dá para governar. Diálogo, temos de ter com todo mundo, mas não significa jogar nossas ideias em um balcão e negociá-las. Sabemos como funciona o sistema político brasileiro: grandes empresários, banqueiros, empreiteiro e o agronegócio financiam campanha eleitoral. O erro do PT foi não ter rompido com essa lógica, mas não foi o PT que criou essa lógica. Não vamos cair nessa ideia de que o PT criou a corrupção no Estado brasileiro. O Fernando Henrique Cardoso, inclusive, comprou a reeleição em 1998 e está ali posando de estadista.
Caso o senhor seja eleito, qual vai ser a proposta para a Previdência? O senhor vai fazer a reforma?
Não. Tem deficit na Previdência, é claro. Mas a reforma proposta pelo Temer, felizmente não aprovada, é de uma covardia atroz contra o povo brasileiro. Ela prejudicava os mais pobres.
O que o senhor faria?
Primeiro, tem que se mexer em arrecadação. Não terá DRU (Desvinculação de Receitas da União) no nosso governo. Segundo, precisamos cobrar das grandes empresas que têm dívidas bilionárias com a Previdência. São R$ 470 bilhões de dívidas. Desses, dois terços podem ser cobrados. Um terço é de empresa que faliu, não se cobra mais. Mas temos aí cerca de R$ 300 bilhões que podem ser cobrados. Terceiro, nós temos de enfrentar as desonerações em folha, que foram dadas para empresários, o que também diminui a arrecadação. E tem de mexer nos privilégios das cúpulas dos poderes, com aposentadorias especiais que precisam ser revistas.
Como o senhor vai lidar com o corporativismo do servidor público?
Acho que o servidor que luta por condições de trabalho dignas, por garantir os seus direitos, tem de ser respeitado. Serviço público é essencial. Eu sou contra demonizar funcionários públicos. Os privilégios não estão na massa dos servidores, mas na cúpula dos poderes.
A carga tributária está em 32% do PIB. O senhor vai aumentá-la?
O povo trabalhador, o mais pobre e a classe média já pagam muitos impostos. Temos de criar condições para uma redução gradual sobre produção e consumo, que corresponde a 49,7% de toda a carga. Hoje quem tem menos paga mais e quem tem mais paga menos. Vamos criar condições para diminuir os impostos e fazer quem não paga pagar.
Mas vai aumentar a carga?
O imposto sobre grandes fortunas está previsto na Constituição de 1988 e não foi feito até hoje. Alíquota máxima de imposto sobre herança e patrimônio,no Brasil é de 8%. Nos Estados Unidos, que não podem ser acusados de bolivarianismo, é de 40%. Vamos mexer aí. Vai gerar uma arrecadação maior para o Estado para fazer investimento público e criar condições para reduzir o imposto sobre o consumo.
O senhor move uma ação contra o senador José Medeiros (Podemos-MT), que acusou o MTST de cobrar mensalidade das pessoas que não tinham moradia. Não existe cobrança de mensalidade por movimentos de sem-teto?
Houve um incêncio e desabamento em um edifício em São Paulo. As famílias estão até hoje morando em barracas na praça. Era uma ocupação que não era organizada pelo MTST. Ao que tudo indica, havia cobrança de aluguel, o que é inaceitável. O movimento que eu represento não aceita a prática de explorar miséria das pessoas.
O MTST não cobra nada das pessoas que participam do movimento?
Não é cobrado sequer R$ 1 de qualquer família, e as ocupações estão abertas para quem queira visitar. O movimento se financia por meio de contribuição de quem concorda com ele. A última vez que eu vi estava entre R$ 8 mil e R$ 10 mil.
E o financiamento da sua campanha?
As nossas pré-campanhas se dão também de maneira colaborativa. Há um site para quem quiser colaborar, e o fundo do partido público para financiar. Nenhum real de banqueiro, o agronegócio. Não queremos ficar com rabo preso depois.
Esta é a semana do orgulho LGBTI+. O Brasil é o país que mais mata transexuais. No seu governo terá políticas mais focadas nessa questão?
Essa, para nós, é uma questão chave. O Brasil é o país que mais mata a população LGBTI no mundo, não apenas trans. Segundo os dados disponíveis, foram 445 mortos por LGBTfobia, em 2017. Nós precisamos produzir estatísticas, informações, para municiar políticas públicas, que devem começar, inclusive, no sistema educacional.
O fato de ter tantos parlamentares que são contra isso no Congresso significa que a população brasileira é conservadora?
Não. Não acho que o Congresso seja uma reprodução fiel da sociedade. É muito mais conservador. Nós não vamos negociar as pautas LGBTI , feminista e racial com bancada conservadora.
O que pensa da Emenda 95, que estipula um teto para os gastos públicos?
Em época de eleição, todo candidato diz que educação é prioridade, que é fundamental. Quem disser isso, para ser coerente, precisa se comprometer a revogar a Emenda Constitucional 95, porque isso vai liquidar a educação pública no Brasil, tanto a básica quanto a superior. Irá liquidar o SUS. Para nós, isso é um ponto básico para pensar em política pública. Também deve ser revisto o aumento do investimento da União na educação. Nós temos hoje 5,6% do PIB que vão para a educação. Desses, apenas 1% é recurso federal. O grosso fica com estados e municípios, que são os que menos arrecadam. Temos de mudar isso, federalizar o financiamento da educação.
Qual a sua posição sobre cobranças de ricos que estudam em universidade pública?
A cobrança de taxa é uma falsa solução. Temos de fazer com que, com os ensinos médio e básico públicos mais fortes, permitam que as pessoas mais pobres acessem a universidade pública. Hoje, quem estuda em escola particular vai para universidade pública com frequência, e quem estuda em escola pública vai para a universidade particular. Como enfrentar isso? Investindo no ensino básico público e criando mais vagas na universidade pública federal.
Os nascimentos estão despencando no país. Não é necessário reorganizar a rede, fechando algumas escolas?
Quando a questão etária for suficiente para isso, a sociedade tem que discutir. Não é. Não era quando se tentou à força fechar escolas em São Paulo, dada a reação que teve dos estudantes e professores. É decisão tomada por burocrata que quer reduzir custos. O Governo de São Paulo de Geraldo Alckmin, meu concorrente nesta eleição, foi derrotado pelo movimento dos secundaristas. Sobre saúde, nós temos um modelo no Brasil que prevê atendimento universal de maneira igual para toda a população. A concepção do SUS é correta. Qual o problema? O financiamento. No Brasil, 3,8% do PIB vão para a saúde. Em países que têm sistemas universais como o nosso, a média é de 8% do PIB, mais que o dobro. Então, nós precisamos aumentar o financiamento do SUS.
O corrupto tem de ir para a cadeia, na sua avaliação?
Evidentemente. Todo o corrupto com o qual se tenha a prova e julgado dentro do devido processo legal no âmbito de direito de defesa tem de ser preso.
Condenados em segunda instância, na sua avaliação, devem ser presos?
Não é minha avaliação, é o que diz a Constituição Brasileira. A Constituição Brasileira diz, de forma clara e categórica, que só pode haver prisão depois de trânsito em julgado.
Para tirar o país desse marasmo econômico, fazer o país crescer e gerar emprego, qual é a sua receita?
Nenhum país nunca saiu de uma crise sem investimento público. É uma ilusão acreditar na força metafísica dos mercados.
O senhor é contra privalizações. É possível tornar as estatais eficientes?
Olha, se alguém assaltar a sua casa, você pode dar a sua casa para o vizinho ou melhorar o sistema de segurança. Eu não daria a minha para o vizinho. Acho que ninguém, em sã consciência, daria. O caminho é melhorar gestão, com transparência e com controle social.
Como vão ficar as invasões do MTST e dos sem-terra?
Ocupação é resultado da falta de o Estado em assegurar o direito à moradia digna. Uma mãe de família que vai pisar no barro, ficar debaixo de um barraco de lona, com seus dois filhos, faz isso por quê? Uma família que vai para uma ocupação, seja no campo, seja na cidade, faz isso por falta de alternativa. Na cidade, muitas vezes, porque, no fim do mês, tem que optar por pagar aluguel ou comprar o leite do filho. Eu, no movimento MTST por muitos anos, com orgulho, aprendi o quanto são duras as condições de moradia do povo brasileiro.
Como o senhor vai lidar com o agronegócio? Hoje, o que garante o crescimento econômico é o campo. Como vai ser isso?
Primeiro, precisamos desmistificar algumas coisas. Da comida que chega na nossa mesa todos os dias, 70% vêm da agricultura familiar. Não do agronegócio. Nosso governo vai priorizar a agricultura familiar, com crédito, estimular cooperativas de produção, de consumo e de comercialização. Vai priorizar a agroecologia. O agronegócio tem lutado para produzir comida envenenada. O agrotóxico até o osso. Sem falar em transgênicos.
Como seria seu plano de segurança pública?
Falar de segurança pública no Brasil é falar de medo, não só da violência, do desemprego, mas da falta de perspectiva para o futuro. O que temos visto são pessoas explorando politicamente o medo, transformando o medo em ativo político. É o que o Jair Bolsonaro tem feito. É alguém que faz populismo em cima de cadáver. Isso gera um impacto na sociedade. Temos de desmistificar a ideia de armar a sociedade, porque é um absurdo. Não deu certo em lugar nenhum.
E o sistema carcerário?
A política de encarceramento em massa não deu certo. Em dez anos, a população praticamente duplicou. Alguém está se sentindo mais seguro com isso? Temos de pensar em outras formas de responsabilização criminal. Há formas diferentes de punição. Responsabilização alternativa quanto a roubo de comida, de shampoo, e ter de ficar preso por um, dois anos? É um sistema irracional. 40% dos presos sequer foram julgados.
O senhor manteria o Ministério da Segurança Pública?
Estamos discutindo isso ainda. Intervenção militar é um absurdo. Exército não tem de cuidar da segurança pública. Militar trabalha com a lógica do inimigo, tem de defender fronteira. Quando você está em uma guerra, você sabe quem é o inimigo. E quando você está aqui? O Estado escolheu o inimigo, a juventude pobre e negra das periferias.
Fonte: Correio Braziliense