Em 32 anos, Doria é o prefeito de SP que menos enviou projetos à Câmara
Fonte: UOL Notícias
Por Janaina Garcia
Enquanto o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), era homenageado por uma plateia de políticos e empresários em Natal , na última quarta-feira (16), a Câmara de Vereadores paulistana votava na sessão do dia um pacote de 28 projetos de lei e de decretos legislativos, de autoria dos vereadores, com homenagens e criação de datas comemorativas. Único projeto do Executivo na ordem do dia, a concessão do estádio do Pacaembu à iniciativa privada teve a discussão retirada da pauta –o projeto sobre o estádio é um dos dez encaminhados pela administração municipal à Câmara em oito meses de mandato.
Um projeto de lei pode ser apresentado à Câmara tanto pelo prefeito como pelos vereadores. Depois de criado, ele é discutido na Câmara dos Vereadores da cidade, onde será aprovado ou rejeitado. Se aprovado, ele segue para sanção ou veto do prefeito.
Em São Paulo, o número de projetos que têm como autoria o Executivo é o menor desde a gestão Jânio Quadros (1985-1988), segundo dados do portal da Câmara compilados pelo UOL . Para o levantamento, foram consideradas as matérias enviadas aos vereadores de São Paulo até o dia 8 de agosto do primeiro ano de cada mandato.
Em 1985, Jânio enviou aos vereadores 123 projetos – 56 deles foram encaminhados até 8 de agosto daquele ano; no mesmo período, Doria enviou uma dezena. A marca de Doria é ultrapassada com folga também no mandato seguinte ao de Jânio pelos 33 projetos enviados por Luiza Erundina (1989-1992), quando a então prefeita pelo PT, hoje deputada pelo PSOL, esteve na chefia do Executivo municipal. Naquele ano, foram 115 proposições à Câmara.
Total de projetos até 8 de agosto do 1º ano de cada mandato*
Luiza Erundina (1989 a 1992): 33 projetos
Paulo Maluf (1993 a 1996): 86 projetos
Celso Pitta (1997 a 2000): 33 projetos
Marta Suplicy (2001 a 2004): 46 projetos
José Serra/Gilberto Kassab ** (2005 a 2008): 13 projetos
Gilberto Kassab (2009 a 2012): 18 projetos
Fernando Haddad (2013 e 2016): 25 projetos
João Doria (2017): 10 projetos
Os dez projetos de Doria representam pouco mais de 11% dos 86 que Paulo Maluf (1993-1996) apresentou até meados de agosto de 1993, ano em que mandou ao Legislativo 142 matérias. A marca fica abaixo também do afilhado político de Maluf, Celso Pitta (1997-2000), que, dos 56 projetos de seu primeiro ano de mandato, destinou à Casa 33 deles nos sete primeiros meses.
“Certamente o Executivo tem a leitura de que esse não é um momento bom para enviar projetos à Câmara, já que, mesmo tendo ganho a eleição com uma boa maioria, isso não se reflete ainda na base dele na Câmara; há um atrito. Isso gera um desgaste forte para a imagem dele, e, nesse cenário, é comum que se retarde o envio de matérias até se recompor essa base pela votação de projetos prioritários”, afirma o cientista político Renato Eliseu Costa, professor de políticas públicas na Fesp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Marta, Serra, Kassab e Haddad superam tucano
Segunda prefeita de São Paulo eleita pelo PT, a hoje senadora pelo PMDB Marta Suplicy (2001-2004) assinou 75 projetos em seu primeiro ano de mandato, 46 deles até o começo de agosto. A gestão de José Serra e Gilberto Kassab (2005-2008), que contou com a mudança de chefia –Serra renunciou ao cargo em 2006 para se eleger governador –, registrou 32 matérias em 2005, 13 delas nos primeiros oito meses. Reeleito (2009-2012), Kassab também propôs mais que Doria em seu primeiro ano de mandato completo (2009): 27 projetos, 18 deles até 8 de agosto.
Derrotado por Doria na tentativa de reeleição, em 2016, Fernando Haddad (2013-2016) apresentou aos vereadores 25 projetos no período equivalente ao do rival. Em seu primeiro ano, o petista mandou ao legislativo, ao todo, 43 matérias.
Projetos polêmicos no primeiro ano
Apesar da diferença na oferta de propostas, tanto Doria como seus antecessores mais recentes protocolaram, nos oito meses iniciais do mandato, projetos que despertaram polêmica dentro ou fora da Câmara de Vereadores.
Dos dez projetos do atual prefeito, por exemplo, três integram o PMD (Plano Municipal de Desestatização) e preveem a concessão de equipamentos e serviços municipais à iniciativa privada. Segundo a administração, o pacote de concessões pode gerar cerca de R$ 5 bilhões de receita. O tucano conseguiu ainda a aprovação do projeto que cria o Conselho Municipal de Desestatização e Parcerias. Estudantes chegaram a ocupar o plenário da Câmara por dois dias em protesto contra as privatizações.
Com Haddad, o projeto de lei que alterava a legislação tributária relativa ao IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) – com aumento progressivo do imposto – até passou pelos vereadores, mas sofreu reveses judiciais até o prefeito, no ano seguinte, desistir do reajuste.
Com Kassab, o primeiro ano da gestão teve em 2009 aprovação da Câmara para a terceirização da Nova Luz – por meio de concessão urbanística que permitiria à prefeitura transferir à iniciativa privada o processo de desapropriações na região da cracolândia. Considerado inviável economicamente pela gestão de Haddad, o plano acabou engavetado.
Prefeito “precisa estreitar a relação”, diz analista político
No discurso de posse feito na Câmara, em 1º de janeiro, Doria prometeu prestigiar o Legislativo com visitas mensais, o que vem sendo feito, desde então. Para o cientista político Renato Eliseu Costa, professor da Fesp, no entanto, o número de projetos abaixo do já apresentado em primeiros anos de gestões anteriores pode revelar “falta de experiência” no trato com os vereadores –o que já fica mais claro, segundo ele, na dificuldade do Executivo em aprovar as concessões de espaços públicos mesmo entre membros de sua base.
“A fala constante do prefeito de que não é político, mas gestor, mostra falta de experiência em um relacionamento com a Câmara de Vereadores, que, no nosso modelo político, é sempre uma força política muito forte – a ponto de conseguir, por exemplo, vetar ações do Executivo. Doria ainda não conseguiu lidar com essa relação, mesmo tendo prometido fazer visitas mensais à Casa”, observou.
Na análise do cientista político, o tucano “enfrenta oposição dentro do próprio partido”. “O PSDB não tem se mostrado contente com as ações do prefeito, tanto que, na votação dos projetos de concessões, não foi só a oposição que se manifestou contrariamente”, disse Costa, para ressalvar: “Mas o PSDB não é 100% coeso, e isso desde as prévias [que definiram Doria como o candidato da sigla].”
Marcas da gestão Doria não demandam autorização legislativa
Para Costa, o baixo número de projetos em comparação com outros prefeitos indica que resoluções internas ou atos administrativos da prefeitura –que não passam pelo Legislativo– conseguem organizar o cotidiano da administração. “As principais ações do prefeito, até agora, se deram no campo da gestão, não necessariamente sob a necessidade de serem aprovadas como lei”, afirma o cientista político. “Basta ver o Diário Oficial da cidade para constatar isso”, diz Costa, citando o programa de zeladoria urbana “Cidade Linda”, uma das principais bandeiras do prefeito, e o aumento dos limites de velocidade nas marginais, promessa de campanha.
Indagado sobre a queda no volume de propostas ao longo das décadas, o cientista político destacou a forma como se desenhou a campanha passada, com o prefeito eleito despontando entre os primeiros na reta final da disputa. “Como Doria falava mais de gestão, e não tanto de obras, pode ser também que esse número inferior agora de projetos que mexam com o Orçamento seja reflexo das promessas –diferentemente do que propunha, por exemplo, Paulo Maluf. Doria não propôs nenhuma grande obra”, comparou.
Relação com os vereadores
Cientista político da UnB (Universidade de Brasília), Ricardo Whrendorff Caldas discorda do colega paulistano: para ele, não é o número de projetos que serve de base para se medir a eficiência no trato com o Legislativo, mas a capacidade de a prefeitura aprovar e fazer tramitar essas matérias.
“Não é relevante o número de projetos para definir a capacidade de articulação de um prefeito, mas o de projetos que foram aprovados. O mesmo raciocínio vale para deputados e senadores – salientando que, se forem projetos de peso, é natural que demorem um pouco mais para serem aprovados”, definiu.
Sob a condição de hipótese, Caldas afirmou que a redução do número de projetos ao longo das décadas pode indicar um “elemento de prudência” por parte do mandatário. “Projeto encaminhado e parado, sem andar nas comissões, pode indicar insucesso ou falta de prestígio do administrador público. Porque, se não há falta de articulação, as coisas costumam caminhar dentro do previsto”, finalizou.
“Parcimônia”, diz líder do governo
Líder do governo na Câmara, o vereador Aurélio Nomura (PSDB) defendeu que “a produtividade do governo não se mede pelo número de projetos do Executivo à Câmara”.
“Se a gente olha as gestões anteriores, vai ver que muitos dos projetos aprovados, pelo menos 80%, não foram efetivados; muitos sequer tiveram o decreto pertinente regulamentando a lei”, citou. “Os projetos de melhoria urbana da gestão passada, por exemplo, previa desapropriar mais de 10 mil residências na zona leste e um plano de melhorias na zona norte. Não foram implementados”, afirmou.
De acordo com o tucano, “Doria tem trabalhado com parcimônia” em relação ao envio de projetos, “mesmo porque, temos leis demais, mas nem sempre aplicadas”.
“Ele vem focando na apresentação projetos que efetivamente quer e vão ser aprovados. E não acho que os projetos não vêm detalhados ou que haja racha no partido: os projetos das concessões apresentados pelo prefeito foram votados, e estamos realizando audiências públicas sobre eles.”
Nomura afirmou ainda que, até o final do ano, o Executivo deve apresentar à Câmara os projetos de concessão à iniciativa privada do Autódromo de Interlagos e do Anhembi. “Um número grande de projetos é uma grande ilusão. O que temos que nos perguntar é: quantos dos projetos já apresentados foram de fato implementados?”
“Gestão rasa”, afirma líder do PT
Já para o líder do PT na Câmara, vereador Antonio Donato, “a produção legislativa do Executivo é baixa” porque “reflete a falta de projetos para a cidade que poderiam se materializar em projetos de lei”.
“O projeto que criminaliza a pichação [de autoria parlamentar, e protocolado em 2005] que foi aprovado este ano tem baixo impacto; é de importância inócua frente aos problemas da cidade. E agora os projetos de privatização que o Executivo mandou são vagos, genéricos, o que explica a dificuldade de se concretizar a aprovação deles”, relatou.
Segundo o petista, o número de proposições de Doria à Câmara reflete uma eleição “muito particular” vencida em primeiro turno –a primeira vez que isso acontece na história da capital paulista. “O debate programático foi muito rebaixado, de modo que foi exigido do atual prefeito propor projetos estruturantes para a cidade. O que ele apresentou na campanha foi um plano de concessões e privatizações que, por meio de projetos absolutamente vagos, têm agora uma dificuldade imensa de ver construída a discussão em segundo turno”, definiu. “É uma produtividade fruto de uma gestão rasa, com uma visão superficial e que não se materializa sobre a cidade.”
Procurada para comentar o tema desde a última sexta (18), a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo não se pronunciou.