Censura | Deputada eleita pelo PSL estimula estudantes a denunciarem professores
Ana Caroline Campagnolo é defensora do Escola sem Partido e já processou professora por “perseguição ideológica”
Logo após o resultado da vitória de Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno das eleições presidenciais, neste domingo (28), a deputada estadual eleita por Santa Catarina Ana Caroline Campagnolo estimulou estudantes a denunciarem professores que façam “queixas político-partidárias em virtude da vitória do presidente Bolsonaro”.
“Esse tipo de ameaça publicada em rede social é um ataque à liberdade de cátedra do professor, tipicamente aplicada em regimes de autoritarismo e censura. É mais grave ainda por partir justamente de alguém recém-eleita para um cargo público, e que deveria fiscalizar o cumprimento das leis”
Campagnolo publicou uma mensagem nas redes sociais pedindo para estudantes filmarem as “manifestações político-partidárias ou ideológicas” e enviem para ela com o nome do professor, da escola e a cidade.
Sindicatos de professores das redes pública e privada municipal, estadual e federal em Santa Catarina repudiaram a atitude de Campagnolo em nota conjunta. “Esse tipo de ameaça publicada em rede social é um ataque à liberdade de cátedra do professor, tipicamente aplicada em regimes de autoritarismo e censura. É mais grave ainda por partir justamente de alguém recém-eleita para um cargo público, e que deveria fiscalizar o cumprimento das leis. A sugestão de denúncia dos professores por estudantes caracteriza um assédio e uma perseguição em ambiente escolar, algo que remonta aos tempos da ditadura civil-militar brasileira”, escreveram.
Aldoir José Kraemer, professor e coordenador estadual do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (Sinte), afirma que entidades irão fazer, ainda nesta semana, uma representação ao Ministério Público. “Na prática, o que ela faz é uma incitação para que os estudantes denunciem os professores, atacando alguns direitos constitucionais como o direito de cátedra do professor. Aqui no estado também temos uma lei específica em relação ao uso de celular em sala de aula, então ela também está incitando o descumprimento desta lei”, afirma o professor, em referência à lei estadual Nº 14.363 que proíbe o uso de celulares em salas de aula.
“É uma ação completamente absurda que impõe cerceamento da liberdade de cátedra dos profissionais de educação e acaba impondo uma cruzada contra os professores”, avalia Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Quando uma parlamentar do PSL defende fazer uma censura junto aos professores na escola por acusação de doutrinação, na verdade ela mesma está fazendo com que a escola não seja um espaço de livre-pensamento, de debate democrático. Então, o que ela acusa de acontecer na escola, ela mesma está fomentando”, aponta.
Escola sem Partido
Ana Caroline Campagnolo, assim como Jair Bolsonaro, defende o “Escola sem Partido”, movimento que acusa professores de “doutrinação ideológica” e sugere leis para censurar o que considera opiniões políticas em sala de aula. A Organização das Nações Unidas (ONU) já denunciou que a iniciativa, caso aprovada em lei, seria uma “censura significativa” e uma violação ao direito de expressão nas salas de aulas. O Supremo Tribunal Federal (STF) também já declarou o projeto como inconstitucional.
O ministro Luís Roberto Barroso barrou uma lei em Alagoas que instituía o programa Escola Livre. Ele afirmou que a Constituição assegura “uma educação emancipadora, que habilite a pessoa para os mais diversos âmbitos da vida, como ser humano, como cidadão, como profissional. Com tal propósito, define as diretrizes que devem ser observadas pelo ensino, a fim de que tal objetivo seja alcançado, dentre elas, a mencionada liberdade de aprender e de ensinar; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a valorização dos profissionais da educação escolar”.
Andressa Pellanda aponta que o movimento da Escola sem Partido começou a crescer a partir de 2015, e passou a tentar aprovar projetos de lei no nível federal, estadual e municipal. Ela comenta que os projetos são baseados na defesa da educação neutra, mas lembra que nem a ciência é imparcial. “Para minar processos de doutrinação, o caminho tem que ser justamente o inverso: considerar diversas opiniões, diferentes defesas de ponto de vista, e colocar essas diferenças no centro do debate em que todo mundo entende o posicionamento de cada um e, por isso, é claro e não é doutrinário. Quando se diz neutro, e na verdade não é, é justamente quando se está enganando seu interlocutor”, diz.
Campagnolo processou professora
A deputada eleita não tinha relevância política no estado, mas ganhou notoriedade quando processou a professora de história da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Marlene de Fáveri, pedindo indenização por danos morais e acusando a professora de perseguição ideológica. A Justiça considerou improcedente por falta de provas, em decisão de setembro deste ano.
O caso aconteceu porque Fáveri decidiu não orientar o projeto de pesquisa de mestrado de Campagnolo, após descobrir que ela se manifestava em redes sociais desqualificando estudos de feminismo e gênero, área na qual Fáveri é especializada.
“Minha decisão irrevogável de abrir mão da orientação da mestranda se justifica devido à incompatibilidade do ponto de vista teórico-metodológico com relação à abordagem do tema quando de seu ingresso, incompatibilidade esta expressa em vídeo difundido por mídias eletrônicas, de acesso público, onde manifesta concepções, do ponto de vista acadêmico, que ferem a disciplina que ora ministro e, por extensão, a linha de pesquisa do programa de Pós-graduação em História”, justificou a professora em solicitação ao curso para o desligamento da orientação com a mestranda.
A solicitação foi atendida pelo colegiado e diversas entidades manifestaram apoio à professora.
Por Júlia Rohden
Fonte: Brasil de Fato