Bolsonaro e os bandeirantes do século XXI: inicia-se a caçada aos povos indígenas
Algumas horas após receber a faixa, o novo presidente Jair Bolsonaro (PSL) iniciou sua caçada aos mais de 305 povos indígenas existentes no País, fazendo jus ao seu discurso de campanha extremista e reacionário. Em uma única canetada, a partir de uma medida provisória e um decreto — mostrando como o Brasil será regido –, transfere da FUNAI as demarcações de terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura, chefiado pela líder da bancada ruralista — conhecida, inclusive, como “musa do veneno’’ — Tereza Cristina (DEM- MS); colocando em risco a existência dos povos originários que já sentem as consequências do novo governo de extrema-direita.
Segundo a medida provisória, a “identificação, a delimitação, a demarcação e os registros das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas” passam para a pasta do Ministério da Agricultura. Retirando, assim, da Fundação Nacional do Índio (Funai) a competência de demarcar, proteger, identificar e garantir o direito da terra aos indígenas. Esta mudança é capaz de comprometer o futuro da Floresta Amazônica.
Conforme a Constituição Federal de 1988, os direitos constitucionais dos índios encontram-se assegurados no artigo 231, segundo o qual: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.’’
Logo, o esvaziamento da Funai com destino às mãos do Ministério da Agricultura, em nome dos interesses explícitos do agronegócio, apresenta medida de condição inconstitucional, visto que o agronegócio nacional é gerido pelos grandes empresários detentores do latifúndio brasileiro, em que terras indígenas protegidas se mostram uma pedra em seu calçado de monocultura, mineração e uso de quantidades abundantes de agrotóxicos.
A inconstitucionalidade do documento se torna clara à medida que os ruralistas passam a poder paralisar novas demarcações. Uma vez que os interesses do agronegócio se tornam superiores à proteção das terras indígenas, constituem um conflito de interesses entre as partes.
De acordo com o procurador da república Júlio Araújo, em depoimento para a BBC Brasil, “Esse esvaziamento (da Funai), por si só, tem inconstitucionalidade, porque você torna inoperante a política de demarcação. Você está desestruturando uma política prevista na Constituição’’.
As terras demarcadas ocupam 11 milhões de hectares, cerca de 15% do total da área do Brasil. Em sua maioria, se localizam na “Amazônia Legal” e representam a preservação da abundante biodiversidade presente no território brasileiro. No entanto, tais terras e seus habitantes são ameaçado por madeireiros e proprietários. E, atualmente, pelo próprio governo brasileiro.
Segundo a Funai, o congelamento das demarcações prometida por Bolsonaro deve afetar 238 processos movidos por dezenas de etnias diferentes. E, como consequência desses congelamentos e possíveis revisões de terras, o provável aumento da taxa de violência contra os povos indígenas.
Sem as demarcações, não há como estes povos sobreviverem e se desenvolverem conforme sua cultura. Acarretando, paulatinamente, à possível extinção de mais de 305 etnias e ao menos 274 línguas; colocando em cheque o patamar do Brasil possui de um dos maiores detentores de diversidade sociocultural do mundo.
O ataque direto à essas populações será de forma ainda mais desigual e violenta a partir do novo decreto assinado nesta terça-feira,15 de janeiro, pelo presidente Jair Bolsonaro, que flexibiliza a posse de armas no Brasil. O que tende a acirrar exponencialmente a violência no meio rural.
A flexibilização vale para moradores de estados em que os índices anuais de homicídio superam a taxa de 10 a cada 100 mil habitantes — ou seja, numa realidade em que São Paulo, com o menor índice, possui 10,9, praticamente todo o território nacional se enquadraria na nova regra.
A medida ainda altera a validade dos registros de armas, que vai de 5 para 10 anos. O cidadão que for servidor público, que exerce funções com poder de polícia ou proprietários de estabelecimentos comerciais ou industriais também vão se beneficiar das medidas, podendo adquirir até quatro armas registradas por pessoa.
Se a violência indígena já alcança patamares alarmantes no cenário brasileiro — desde 2003, a população indígena sofreu com 59 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, além de mais de 1.071 mortes violentas de indígenas nas últimas décadas, segundo dados do relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil (2017)” — com as mudanças nas diretrizes das armas e o esvaziamento da Funai, desenha-se uma carta branca para elevar consideravelmente o número de crimes contra os povos indígenas no País.
Nenhuma gota a mais
Com o avanço do meio conservador no Brasil, a proteção dos povos indígenas se torna necessidade prioritária para o campo progressista. Assim, lideranças indígenas e grupos organizados têm se reunido para debater a questão e criar núcleos de resistência.
Na última quinta-feira, 31 de janeiro, manifestantes se uniram para pedir o fim da violência contra indígenas, na cidade de São Paulo. O ato, batizado “Sangue Indígena: Nenhuma Gosta a Mais”, pautou a resistência pelos povos indígenas e quilombolas, e o combater o favorecimento do agronegócio. “Demarcação, já!”
O MTST reitera sua solidariedade à causa indígena, somando forças na luta por uma sociedade que respeite toda a diversidade e ancestralidade dos povos.