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A reforma da Previdência é mais grave do que parece

10 de fevereiro de 2017
por Márcio Bueno — publicado 03/02/2017 12h42
Seminário em Brasília coloca em perspectiva as propostas pelo governo de Michel Temer

Uma das primeiras medidas de Michel Temer ao assumir a Presidência da República, em maio de 2016, foi retirar do Ministério do Trabalho a Previdência Social e transformá-la em uma secretaria subordinada ao Ministério da Fazenda. O então governo interino deixava clara a sua concepção das aposentadorias: um problema financeiro, antes de tudo.

Em 6 de dezembro, o governo apresentou ao Congresso, sem nenhuma consulta à sociedade, a PEC 287, maior e mais radical conjunto de mudanças na Previdência Social desde a promulgação da Constituição, em 1988. Apesar da falta de diálogo, entidades sindicais e movimentos sociais têm se organizado para debater o assunto e alertar a população para os efeitos das medidas em debate no Legislativo.

Na sexta-feira 27, foi a vez da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e da Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão (Anapar). As duas entidades uniram-se para promover, em Brasília, um seminário bastante esclarecedor sob o título “Em defesa do direito à aposentadoria para todos”.

A cobertura do evento ficou a cargo de CartaCapital. Segundo Jair Pedro Ferreira, presidente da Fenae, o debate é importante “não só para a nossa geração, mas para as vindouras, para os nossos filhos e netos”.

Para Antônio Bráulio de Carvalho, presidente da Anapar, os trabalhadores não têm noção das mudanças e como vão afetar a vida de todos. E diz por qual motivo os trabalhadores começam a reagir: “A gente não aceita a supressão dos nossos direitos”.

As entidades mobilizam-se a partir do princípio de que o “déficit” no caixa da Previdência resulta dos benefícios, renúncias e desonerações fiscais que o governo concede às grandes empresas. Mais 60 bilhões de reais que teriam de ser recolhidos por meio das contribuições previdenciárias aos cofres públicos desaparecem em razão dessas políticas de incentivo ao setor privado.

Além disso, o governo não calcula como receita previdenciária a arrecadação gerada pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (Cofins), PIS-Pasep e loterias, embora o sistema de seguridade preveja a contabilização dos impostos.

No debate que abriu o evento em Brasília, Denise Lobato Gentil, professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dissecou as mudanças propostas pelo governo e suas consequências para os cidadãos.

“Os brasileiros não têm ideia da gravidade dessa reforma”, resumiu. As reformas previstas pela PEC 287, afirma Denise Lobato, dificultam o acesso aos benefícios, exigem mais tempo de contribuição e reduzem drasticamente os valores a serem recebidos por meio de aposentadorias e pensões.

Pelas regras ainda em vigor, a aposentadoria pode ser feita apenas pelo tempo de contribuição: 30 anos para mulheres e 35 para homens. Se for por idade, exigem-se 60 anos para mulheres e 65 para homens, com no mínimo 15 anos de contribuição.

Jair Pedro Ferreira
Jair Pedro Ferreira, presidente da Fenae (Foto: Sérgio Amaral)

Além disso, existem diferenças para algumas categorias, como é o caso dos trabalhadores rurais e dos professores e professoras da educação básica, para os quais, na aposentadoria por idade, a exigência é reduzida em cinco anos: a mulher deve ter 55 anos e o homem, 60.

Pela PEC 287, explica a professora, acaba a aposentadoria por tempo de contribuição. Exige-se a idade mínima de 65 anos e um mínimo de 25 anos de contribuição de todos os trabalhadores, sem distinção para mulheres, servidores públicos, trabalhadores rurais ou professores da educação fundamental.

O que significa que essas últimas categorias deverão trabalhar dez anos a mais e contribuir também por mais uma década. Outro ponto: os 65 anos não são fixos. A partir da aprovação da reforma, sempre que a expectativa de vida subir um ano, sobe igualmente a idade mínima para a aposentadoria.

Caso cumpra todas as exigências, o aposentado terá direito a apenas 76% do valor integral da aposentadoria. Cada ano a mais trabalhado dá direito a 1% de aumento no valor. Para chegar aos 100%, o trabalhador deverá trabalhar 24 anos a mais. Obter uma aposentadoria integral aos 65 anos tornou-se impossível, esclarece Denise Lobato.

O cidadão só conseguiria se começasse a trabalhar aos 16 anos (idade mínima permitida) e mantivesse de forma ininterrupta um emprego formal pelos 49 anos seguintes, sem deixar de contribuir um único mês. Situação impossível num País afetado, volta e meia, por crises econômicas que aumentam as taxas de desemprego ou deixam como única alternativa empregos precários sem carteira assinada.

Mais: o novo sistema desestimula o aprimoramento profissional, pois torna mais difícil para um trabalhador cumprir um período sabático de estudos. Com a nova regra, os aposentados jamais receberão pelo teto ou próximo do teto.

Mesa
A plateia obteve informações pouco divulgadas (Foto: Sérgio Amaral)

Nas contas da economista, não haverá beneficiados com a reforma. A PEC 287 altera praticamente todas as regras definidas para a Previdência. Atualmente, para chegar ao valor da aposentadoria, um dos índices que entram nos cálculos é a média dos 80% dos salários mais altos recebidos pelo trabalhador ao longo da vida ativa.

A partir da reforma, será utilizada a média de todos os salários e não apenas dos 80% mais altos. E não haverá mais a possibilidade de acúmulo de aposentadorias ou de aposentadoria com pensão deixada pelo cônjuge.

O trabalhador terá de escolher uma das duas. Outra proposta preocupante é a desvinculação dos reajustes das aposentadorias e pensões dos reajustes do salário mínimo, que permitirão ao governo comprimir o valor geral dos proventos.

A acadêmica lembra que o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, reuniu-se diversas vezes com banqueiros durante o período de elaboração do projeto de reforma da Previdência, mas nunca recebeu os representantes dos trabalhadores, apesar das promessas de diálogo do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Ela ressalta ainda: o governo não se importa em cobrar os débitos previdenciários das empresas, que em 2015 somavam 350 bilhões de reais. Em vez disso, avança sobre os benefícios dos trabalhadores. “Nunca houve uma perda de direitos tão grande em tão pouco tempo”, afirma.

O jornalista Luis Nassif, outro debatedor, situou o projeto de reforma em um contexto político mais amplo. O neoliberalismo, do fim do século passado ao começo deste, provocou uma concentração violenta de renda.

Até o Fundo Monetário Internacional, a partir de 2012, passou a enxergar a distribuição de renda como uma solução para a estagnação e o baixo crescimento das nações. Apesar dessa reviravolta no pensamento econômico internacional, diz Nassif, o Brasil tem hoje a pior geração de economistas de direita da história.

Ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, Joaquim Levy baseava-se em estudos da década de 1980. Enquanto o mundo reavaliava os caminhos para sair da crise, Michel Temer adotou a fórmula ultrapassada de cortes e enxugamento.

Vagner Freitas
Vagner Freitas, presidente da CUT (Foto: Sérgio Amaral)

Depois do impeachment de Dilma Rousseff, o poder de fato, avalia o jornalista, está nas mãos da entidade denominada Mercado. Foi o “mercado” que costurou o componente ideológico em torno do qual se alinharam os partidos de direita e a mídia e se estimulou a politização das instituições, como o Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público Federal.

Para ele, aplica-se no Brasil neste momento a “Teoria do Choque”, conforme formulada pela filósofa Naomi Klein. Em resumo, depois de cada ruptura institucional, o passo seguinte é emplacar medidas mais drásticas possíveis e sedimentar um novo modelo no prazo de seis meses.

A proposta de reforma da Previdência, feita às pressas, faria parte de um conjunto de medidas que visam ao desmonte do Estado, em favor do mercado. O governo Temer, afirma, busca destruir o sistema de seguridade social, “o que significa a barbárie e a negação do direito previdenciário construído pela democracia brasileira”.

A professora Denise Lobato afirma que o governo tem gastado o dinheiro dos impostos recolhidos pelos cidadãos para fazer propaganda da reforma da Previdência. Ou seja, o cidadão paga pela exibição de uma propaganda contrária aos seus interesses.

Um grupo de advogados, diz a economista, decidiu entrar na Justiça para barrar a propaganda. Para o presidente da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas, o objetivo dos movimentos sociais não é negociar com o governo, mas derrubá-lo, pois “o País vive neste momento em um regime de exceção”.

A greve dos professores, acredita Freitas, pode resultar em uma greve geral. A reforma da Previdência, acredita, é um tema capaz de engordar os protestos.