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Resenha: Quem mora lá

4 de março de 2019

SINOPSE:

Estabelecida sobre um túnel e ao lado de um córrego, a pequena comunidade do Pocotó resiste ao avanço dos prédios no abastado bairro de Boa Viagem, em Recife. Surpreendidas por uma ordem de despejo, as famílias – que vivem no local por mais de quinze anos – se veem na iminência de ficarem sem casa. “Quem Mora Lá” conta a história desses moradores enquanto se planejam para participar da ocupação de um prédio abandonado.

Direção: César Vieira, Conrado Ferrato e Rafael Crespo

2018, 60 minutos

Dos mesmos diretores de Limpam com Fogo, o documentário é produzido pela Valete de Copas Filmes em parceria com a Habitat para a Humanidade Brasil e distribuído pela Taturana Mobilização Social.

RESENHA:

Lendo a Sinopse do documentário fiquei em primeiro instante com uma impressão fria sobre a abordagem do assunto central: “Moradia”, assim como quando nos deparamos com os números do grave problema habitacional que temos no Brasil, eles chegam para nós sem rosto, sem cor, sem gênero, nem endereço,“Quem mora Lá” tinha exatamente essa missão: dar vida a eles.

Não podemos aliviar a situação precária que essas famílias vivem, com números que sugerem “montes”, impulsionados pelo desinteresse e a omissão de direitos básicos.

Os números nos distanciam da realidade vivida, eles nos contam histórias de pessoas que parecem não existir no mundo real e não precisamos nos comprometer com o problema, afinal não convivermos com elas, não temos nenhuma ligação afetiva, saem do nosso interesse como se não fossem dignas de empatia, nascem e morrem números.

Temos mais de 7.000.000 milhões de famílias sem casa no Brasil, mais de 15.000.000 milhões sem condições dignas de moradia, diante de números tão expressivos nos deparamos com quase 8.000.000 milhões de imóveis abandonados, 87% deles em situação ilegal.

Enquanto isso lá na comunidade do Pocotó em Boa Viagem – RE, famílias “vivem” em situação precária, invisibilizadas pelo arredor e pela disputa por espaço, afinal com a valorização dos imóveis em torno da comunidade, fica difícil manter aceitável o incômodo de pessoas fugindo dos novos padrões oriundos dos projetos para o“crescimento” da cidade, não é mesmo?

Porém, é importante lembrar que moradia é direito e essas famílias não vivem em situações como essa por opção, o documentário fica responsável por nos contar a história delas, como tiveram o Pocotó como destino, e além de tudo, o que a comunidade ensinou e como ela mudou a vida dessas pessoas.

Todo imóvel deve cumprir função social – está na Constituição de 88 nos artigos 5°, 6° e 170° que prevê a garantia de existência digna – O direito à moradia digna também consta no Estatuto das Cidades – protegido pelo Ministério das Cidades criado para combater as desigualdades sociais, garantir a humanização de espaços e ampliar o acesso à moradia, saneamento e transporte, além de também integrar os Planos Diretores, é lei, mas parece que nem todos têm a sorte de ter os seus direitos respeitados, para justificar despejos arbitrários convenientes de trâmites capitalistas com especuladores, empreiteiras e etc e coisa e tal, é mais fácil marginalizar e mantê-las como números “irrelevantes”, pedras no caminho do fadonho “desenvolvimento” do país.

“Quem mora lá”, expõe como o direito à moradia traz consigo vários outros direitos básicos ignorados.

Histórias como a da jovem família que perdeu sua filhinha de apenas 2 anos por negligência médica e falta de sistema justo de saúde ou ainda as crianças sem espaço para estudar apoiando livros e cadernos nos joelhos fazendo a lição de casa no sofá.

 

O quão difícil é conseguir um emprego sem ter um CEP?

A maioria dos moradores do Pocotó vendiam água na praia ou trabalhavam com reciclagem, grande parte das mulheres estavam desempregadas sobrevivendo de bicos.

Majoritariamente as famílias do Pocotó são formadas por mulheres – outra questão levantada no filme – mulheres que foram abandonadas à própria sorte com seus filhos nos braços e a premência de atos de coragem para continuar.

Numa conversa com Eliane Maria dos Santos Silva (moradora do Pocotó e uma das protagonistas do documentário), ela me contou que quando chegou na comunidade, antes de conhecer o MTST, não sentia que tinha voz, tão pouco tinha paciência para política, achava que tudo estava perdido e que manifestações populares eram uma grande perda de tempo.

Tudo mudou com a ida dela para a comunidade, quando as famílias se uniram diante de suas realidades e construíram uma nova cidade nos escombros da antiga que segrega, marginaliza e os torna invisíveis, no Pocotó toda luta era luta de todos, onde falar e se mobilizar significava bem mais do que era contado do outro lado do muro, resistir é existir.

Entre papos e “causos”, ela me contou também sobre os abusos policiais, sobre a tristeza de se sentir invisível e sobre a visão deturpada que se tem das ocupações pelos que estão do lado de fora, e como sente pelos julgamentos tão ostensivos e mentirosos.

O irmão de Eliane, abre outra discussão recorrente: o drama de LGBTs, expulsos de casa, vítimas do preconceito e da violência que veem em comunidades/ocupações a esperança de uma nova chance de se encontrarem, se reconhecerem e serem reconhecidos pelo o que são.

Falando em Adelmo, em Eliane e em toda a família “Santos Silva”, não temos como não ficar com a dona Maria Madalena na cabeça, e com a sua história que reflete tantos outros trabalhadores, tantas outras Marias, que mesmo depois de anos, com as mãos calejadas do trabalho no campo, com as marcas do tempo e da vida no rosto e na alma seguem na luta pelo mínimo.

Todas as histórias compõem uma única verdade, que nos emociona, nos inquieta e que nos revira o estômago, “Quem mora lá” é um filme necessário, principalmente no momento tão complexo que vivemos, onde se quer criminalizar movimentos sociais, incluir movimentos em leis anti-terrorismo, numa visão preconceituosa, influenciada por fontes desonestas e manipuladoras, tudo para que um bem maior capitalista seja defendido por aqueles que muitas vezes se preenchem de ódio sem conhecer o alvo.

Em setembro de 2017, os moradores da comunidade do Pocotó foram surpreendidos por uma ordem de despejo com o prazo de 72 horas, a partir disso e com apoio do MTST as famílias iniciaram um processo intenso de resistência. Apesar de alguns barracos terem sido derrubados, e das ameaças terem se repetido outras vezes, muitas famílias resistiram e seguiram na comunidade do Pocotó, outras se uniram ao MTST na ocupação de um prédio abandonado no Centro.

A estratégia do Movimento era mesmo botar o dedo na ferida e a escolha do edifício SulAmérica – propriedade da Empresa Nacional de Hotéis LTDA – não foi aleatória, o edifício estaca desocupado a mais de 20 anos, tendo que por lei que cumprir função social. Além disso, o mesmo somava uma dívida de exatos R$ 1.507.771,03, do qual R$ 1.416.641,17 está inscrito entre as 30 maiores as dívidas do município, de um total de 3.740 imóveis devendo o imposto na Região Político Administrativa 1 (RPA1) – que é considerada a área central do Recife e compreende Santo Antônio e mais 10 bairros. Claramente era necessária atenção especial a esse caso, caso infelizmente não isolado.

As dívidas de IPTU no Recife não estão pra brincadeira, um levantamento inédito realizado pela Marco Zero Conteúdo expôs o problema, somente nos bairros que formam o entorno histórico da capital pernambucana, a inadimplência no pagamento do imposto é de R$ 346 milhões. Desse total, a dívida ativa é de R$ 263.422.481,30 de reais.

Em 2018 a estimativa foi de R$ 382 milhões em dívidas, o equivalente ao custo de construir mais de 4 mil unidades habitacionais no padrão do Programa Minha Casa, Minha Vida.

Tanta família sem casa e tanto imóvel vazio, tanta dívida que não é cobrada e quem defende esse direito, quem ganha com a omissão dele?

Em outubro do ano passado, Maria Joselita Pereira Cavalcanti foi eleita deputada estadual pelo PSOL em Pernambuco, na primeira mandata coletiva da história de Pernambuco, as Juntas, que recebeu 39.175 votos totalizados (0,87% dos votos válidos).

No dia 01 de janeiro de 2019 foi extinto o Ministério das Cidades pelo governo de Jair Bolsonaro.

“Quem mora lá” é um retrato do que não se vê e que precisa urgentemente ser visto, DE VERDADE!

Quem OCUPA não tem CULPA!

Fonte: Marco Zero