Mais nova ocupação do MTST, Ocupação Marielle Franco completa 1 semana em Alagoas
Famílias acampadas vêm sofrendo pressão de diferentes órgãos públicos ao longo da semana
Questão urbana ainda é pouco debatida na região, afirma coordenadora do MTST Alagoas
Cerca de 200 trabalhadoras e trabalhadores entraram, juntos, num amplo terreno abandonado de propriedade da Prefeitura Municipal de Igaci, no agreste de Alagoas, durante a madrugada do dia 7 para o 8 de setembro. Ali nascia a mais nova ocupação do MTST: Marielle Franco — quarta ocupação do movimento a homenagear memória e luta da ex-vereadora carioca, brutalmente executada pelas milícias em 2018.
A ação marcou o tradicional Grito dos Excluídos — protesto realizado todos os anos no dia da independência do Brasil — e contou com o apoio do MTC (Movimento dos Trabalhadores do Campo), que ajudou a organizar a base de novos ocupantes. Ao longo de sua primeira semana de existência, a Ocupação Marielle Franco enfrentou pressão de diferentes lados, como Conselho Tutelar e Polícia Militar.
Coordenadora do MTST Alagoas, Elaine Silva relata que o poder público tem evitado o diálogo com as famílias e os movimentos presentes. “O que a gente quer, na verdade, é sentar com o prefeito (Oliveiro Torres Piancó, do MDB) e dialogar com ele. A gente quer discutir um projeto com essas famílias pra que elas tenham acesso à moradia digna”.
Ainda nos primeiros dias de ocupação, o Conselho Tutelar de Igaci visitou o local a pedido da diretora de uma creche desativada que fica ao lado do terreno. No entanto, o intuito dos fiscais do órgão não pareceu ser o de zelar pelos direitos das inúmeras crianças presentes e suas famílias. “Eles foram lá reprimir, dizendo que as crianças não poderiam estar dentro da ocupação. Foi uma fala informal, sem notificação, identificação ou documento, nada”, conta Elaine.
“Nós entendemos que é uma estratégia do município, usando o Conselho Tutelar, pra pressionar nosso povo na ocupação pra que desmassifique, pras pessoas terem medo de estar ali. […] Não foram discutir o direito das crianças e adolescentes porque não tavam lá querendo saber se tinham alimento, se tavam estudando, se tinham moradia. Enfim, quando a mãe e o pai não têm condição de uma moradia digna, o direito dessas crianças tá sendo afetado também”.
Na última quarta-feira, 11, foi a vez da Polícia Militar de Alagoas entrar na ocupação intimidando verbalmente famílias, fazendo ameaças, inclusive botando abaixo ao menos duas barracas de lona. A atitude arbitrária fez com que a coordenação da Marielle Franco fizesse uma denúncia formal na Superintendência dos Direitos Humanos e Igualdade Racial estadual.
A atitude rendeu frutos e, em seguida, a secretária de Direitos Humanos, da Mulher e Cidadania de Alagoas, Maria José (PT), entrou em contato com representantes da ocupação e se comprometeu a intermediar o diálogo entre famílias e o prefeito Oliveiro Torres Piancó, para que negociações sejam abertas. Maria José também prometeu falar com o comandante do batalhão da PM e cobrar um posicionamento sobre a atitude de seus soldados.
Enquanto isso, o local ganhou uma cozinha coletiva para distribuição de refeições diárias, estabelecida após apoio da coordenação nacional para a aquisição de materiais. As assembleias também continuam acontecendo e a ocupação segue firme em seu processo de massificação, ganhando a cada dia novas famílias em busca de habitação.
O déficit de moradias no agreste alagoano é grande, ainda que não haja um número oficial. A falta de dados é um indicativo de como a questão habitacional é pouco debatida pela sociedade e poder público local. Segundo Elaine, são cerca de 400 famílias vivendo em casas de taipas em Igaci, cidade de 25 mil habitantes, sendo que diversas outras pessoas dependem do aluguel social pago pela prefeitura. “E tem muita gente em situação de duas ou três famílias vivendo na mesma casa, dividindo o aluguel. A cidade tem terrenos onde dá pra se discutir habitação, buscar uma parceria e construir moradia popular”, relata.
Para a coordenadora do MTST Alagoas, outros elementos também influenciam o debate sobre questão habitacional na região. “As pessoas aqui não sabem o que é discutir o processo do direito à moradia urbana. Elas ainda têm muito medo de discutir isso por conta de que nessa região sempre tem um papel do coronelismo, aquela situação do ‘aqui é minha cidade, meu curral eleitoral; aqui ninguém entra’”.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto vai permanecer organizando e auxiliando as famílias de Igaci e do agreste alagoano na luta pelo direito à habitação, garantia que consta na Constituição Federal de 1988, assim como o cumprimento da função social da propriedade, presente no Estatuto da Cidade — Lei Federal 10.257, de 2001. Que a primeira semana da Ocupação Marielle Franco seja celebrada e os direitos de brasileiros e brasileiras, respeitados. Aqui, está o povo sem medo, sem medo de lutar.