Como Temer é citado no pedido de inquérito contra Renan, Jucá e Sarney
O nome do presidente Michel Temer percorre o documento em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pede abertura de investigação contra três lideranças do PMDB e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, também ligado ao partido. O pedido será analisado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo, novo relator das ações da Lava Jato no tribunal.
A suspeita é de que Machado e os senadores Renan Calheiros (AL) e Romero Jucá (RR), e o ex-presidente José Sarney tentaram intervir no andamento da operação, que investiga desvios na Petrobras. Todos são alvos da Lava Jato por suspeitas de receber propinas do esquema. Contra Renan já há ao menos oito outros inquéritos em andamento, ou seja, já autorizados pelo Supremo.
A base para o novo pedido de investigação são depoimentos de Machado à força-tarefa (ele é delator) e gravações de conversas feitas pelo ex-diretor da Transpetro com aqueles políticos.
Temer não é investigado e o documento da Procuradoria não o cita como um agente direto dos crimes atribuídos aos suspeitos. Mas a chegada dele à Presidência é colocada como parte de uma “solução” arquitetada pelos peemedebistas para delimitar a Lava Jato, segundo Janot.
“Mais de uma vez nas conversas gravadas o senador Romero Jucá evidencia que o timing para a implementação do grande acordo de estancamento da Operação Lava Jato ficaria especialmente favorecido com o início do governo de Michel Temer”
Machado presidiu a subsidiária da Petrobras entre 2003 e 2014, indicado pelo PMDB. Ele é acusado de participar do esquema de desvios da estatal e responde aos processos em liberdade.
As conversas gravadas ocorreram em março de 2016 e foram tornadas públicas dois meses depois, em maio, duas semanas após Temer assumir a Presidência, no lugar de Dilma Rousseff, afastada durante o processo de impeachment.
Em um dos trechos, Jucá dava a entender que a saída de Dilma e a chegada de Temer ao Planalto permitiria um “pacto” para “estancar a sangria” causada pela Lava Jato. Jucá negou qualquer intenção de interferência na investigação. Mas o episódio levou à saída de Jucá do cargo de ministro do Planejamento — embora em novembro tenha voltado a ocupar um posto na gestão Temer, como líder do governo no Congresso.
Janot diz que pacto envolve ‘solução Michel’
A partir dos depoimentos de Machado e dos diálogos gravados por ele, Janot entende que os peemedebistas tratam de forma “clara, explícita, sem nenhuma ambiguidade” de um plano para interromper a Lava Jato que começa com a “solução Michel”.
“Isto é, para após a iminente posse de seu correligionário de partido Michel Temer (…) os interlocutores planejavam uma série de medidas [para conter a operação]”, escreve o procurador-geral.
A Lava Jato começou em março de 2014 e atinge políticos dos principais partidos brasileiros, como PMDB, PT, PSDB e PP. Entre eles estão parlamentares, líderes partidários e ministros de Estado. Essas investigações estão em curso no Supremo por causa do foro privilegiado dos envolvidos e a estimativa é que possam envolver mais de uma centena de pessoas.
Janot afirma que o plano apresentado pelos peemedebistas era negociado com outros partidos, incluindo integrantes do PT, também interessados em um “grande pacto nacional”.
No pedido, o procurador-geral destaca a seguinte fala de Jucá: “e explode socialmente, então (…) porra, se eu te falar, o Renan reage com a solução de Michel, (…) porra, o Michel é uma solução que a gente pode, antes de resolver, negociar como é que vai ser, Michel, vem cá, é isso, isso, isso e isso; vai ser assim, as reformas são essas”.
Medidas envolvem Congresso e Supremo
As negociações e reformas mencionadas pelos líderes do PMDB a serem colocadas em prática após a posse de Temer, de acordo com Janot, tratam de uma série de ações legislativas e jurídicas que, se executadas, interferem no curso da Lava Jato.
O procurador-geral destaca ainda menções sobre a necessidade de incluir o Supremo no “acordão”, sugerindo o apoio de ministros para assegurar “sobriedade institucional” às mudanças.
Os objetivos do grupo, segundo Janot
EXECUÇÃO DA PRISÃO
Em conversas, Sarney, Jucá e Renan manifestam preocupação com a nova orientação do Supremo, de ordenar a prisão de réus após decisões de segunda instância — ou seja, sem a necessidade de esgotar todos os recursos. Em outubro de 2016, o Supremo decidiu a questão por 6 votos a 5. Existem outras ações na Corte que podem levar à revisão da decisão, mas não há previsão de que o tema voltará à pauta por ora.
MUDANÇAS NAS DELAÇÕES
Os interlocutores falam de mudar regras para dificultar celebração de acordos de delação premiada. Esse tipo de acordo é amplamente usado na Lava Jato e serve de base para investigações. Ao longo de 2016, mais de um projeto de lei sugeriu alterações, entre elas a de proibir a delação caso o investigado ou réu esteja preso. Nada foi aprovado por ora.
PODERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Jucá e Machado dizem mais de uma vez ser necessário “cortar as asas” da Justiça e do Ministério Público. Machado não detalha o que seria feito, mas diz que o senador sugere mudanças na Constituição para diminuir os poderes do Ministério Público, órgão responsável pela investigação de parlamentares. No fim do ano, a Câmara chegou a aprovar projeto que prevê punição a juízes e promotores por abuso de autoridade, mas diante da repercussão negativa, parou no Senado.
ACORDOS COM EMPRESAS
Além das delações premiadas, os peemedebistas mencionam mudanças na lei da leniência (tipo de delação para empresas) — dispositivo também bastante utilizado na Lava Jato, já que as empreiteiras acusadas de pagar propina também são investigadas. O objetivo dos políticos, segundo Janot, é fazer com que esses acordos sejam feitos sem que as empresas reconheçam os crimes cometidos e sem a participação do Ministério Público. Um projeto de lei com parte dessas ideias foi apresentado em 2016, mas foi retirado de pauta.
Para Janot, a iniciativa do governo Temer de mudar a lei da leniência, divulgada pelos jornais em 14 de maio de 2016 (dois dias após a posse de Temer), era uma demonstração de que o “plano delineado” seria colocado em prática. Segundo ele, as investigações contra Jucá, Renan, Sarney e Machado são necessárias para evitar retrocessos institucionais no país.
“O que está por trás da trama criminosa — com a fantasia mambembe de processo legislativo — voltada para engessar o regime jurídico da colaboração premiada é apenas o interesse de parcela da classe política, que se encontra enredada na Operação Lava Jato (…), em evitar acordos dessa estirpe que revelem a corrupção endêmica em que incorrem continuadamente por anos e anos a fio”
Os políticos citados negam ter atuado para atrapalhar ou interromper as investigações da Lava Jato. A defesa de Jucá e Sarney afirma também que os diálogos gravados pelo ex-presidente da Transpetro não indicam qualquer tentativa de obstrução de Justiça. Na época da divulgação dos áudios, Temer afirmou que seu governo defende a Lava Jato e que não trabalha para barrar a operação.