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Vinicius Oliveira, do MTST Sergipe: “Temos cerca de cinco milhões de famílias sem teto no Brasil”

21 de maio de 2018

0e1246863159f2afEle tem 32 anos, uma boa formação acadêmica em Comunicação Social pela Universidade Federal de Sergipe, seguida de um mestrado em Comunicação e Cidade e um nome maior do que as tranças rasta que arrasta consigo – Antonio Vinicius Oliveira Gonçalves.

Mas bem maior que tudo isso é o seu desejo ontológico de ver materializado o sonho de mais de 24 mil famílias de ter acesso a um teto em Aracaju – isso pode corresponder a mais de 100 mil pessoas.

A ter acesso a um pedaço de solo urbano no qual possam erguer uma casinha para chamar de sua e onde consigam estender o corpo, espalhar os objetos e viver sob um consentido sossego.

Ele deixou de lado o Antonio Gonçalves e se fez conhecido apenas como Vinicius Oliveira. É o coordenador estadual de Negociação e Organização do Movimento de Trabalhadores Sem Teto – MTST – de Sergipe, instituição organizada em 14 dos Estados brasileiros.

Do MTST, Vinicius Oliveira se aproximou por “solidariedade permanente”, uma das modalidades previstas e permitidas a quem quer atuar nele, e ao qual se integra e se dá de corpo e alma noite dia.

E olha que não é algo fácil: no MTST não se tem salário e se é submetido a riscos constantes em ocupações para as quais, na maior das vezes, o poder público e a classe média torcem o nariz e hostilizam.

Feito um buda rasta e zen, bom de diálogo e isento de radicalismo rústicos e afetados, Vinicius Oliveira, que também é um poeta de inspiração obviamente social, não se incomoda nada com essas restrições e riscos. Tem visão e, ao seu modo, vai fundo nas demandas dos sem teto.

Negocia com qualquer um de cabeça erguida, como faz agora nas duas maiores e mais recentes ocupações de Aracaju – a Beatriz Nascimento, no Japãozinho, e a Marielle e Anderson Vivem, na Coroa do Meio.

Para Vinícius, valem as boas soluções. Para Vinícius, dói muito é ver como o solo urbano das grandes e pequenas cidades é usado pela especulação imobiliária e como os governos e a sociedade tratam com desprezos os que têm sede de morada.

Segundo ele, os favelados do mundo compõem hoje a classe social que mais cresce, chegando a 1 bilhão dos 7,5 bilhões de habitantes do mundo, o que torna mais que seríssima a causa que ele defende.

Os dados oficiais da equipe do Plano Diretor constam que são 24 mil famílias em Aracaju que atendem ao critério oficial do déficit habitacional”, informa. Mas ele e o MTST duvidam desse quantitativo. Acham pouco. “A questão é que esse critério não configura e nem recepciona o aspecto da juventude em sua chegada à vida adulta. Ou seja, dentro do próprio núcleo familiar brasileiro há outros núcleos e não apenas o do ‘pai e mãe’. Então esse número do déficit habitacional é muito maior do que o colocado”, avisa.

A mesma desconfiança, Vinícius traz com relação ao número de assentamentos urbanos de Aracaju. “Segundo os dados que temos, são 43 assentamentos subnormais. Mas os índices também aqui são de três ou quatro anos atrás”, restringe.

“Só para se ter ideia, segundo a Fundação Getúlio Vargas, a expectativa, com a crise econômica e o desemprego, é a de que tenhamos 20 milhões a mais de famílias sem teto até 2024”, diz ele.

“Hoje, são cerca de 5 milhões delas. Será um crescimento de praticamente quatro vezes mais. Trazendo essa proporção para Aracaju, a gente está quadruplicando esse número”. Nesta entrevista, o Portal JLPolítica e Vinicius Oliveira pintam um retrato sem retoque do drama da falta de moradia para “gente humilde” em Sergipe.

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JLPolítica – O MTST parte do princípio de que haja quantas famílias sergipanas em situação de risco de habitação? Ou seja, carentes de um teto?
Vinicius Oliveira –
Nos dados oficiais da equipe do Plano Diretor, constam que são 24 mil famílias em Aracaju que atendem ao critério oficial do déficit habitacional. A questão é que esse critério não configura e nem recepciona o aspecto da juventude em sua chegada à vida adulta. Ou seja, dentro do próprio núcleo familiar brasileiro há outros núcleos e não apenas o do “pai e mãe”. Então esse número do déficit habitacional é muito maior do que o colocado.

JLPolítica – Então os padrões para quantificar essas famílias não levam em conta descendentes maiores e casados sob um mesmo teto?

VO – Exato. Não levam em conta o desdobramento familiar, porque esse critério de uma família somente pai + mãe + filho não existe no Brasil, sobretudo entre as classes mais pobres. Aqui, temos pai + mãe + filhos + genros/noras + netos. Dentro de uma casa, às vezes, moram 18 pessoas e isso já configura uma subhabitação que os parâmetros para medir as realidades não leem. 

JLPolítica – Quantas ocupações existem hoje no município de Aracaju atualmente?
VO –
Segundo os dados que temos, são 43 assentamentos subnormais. Mas os índices também aqui são de três ou quatro anos atrás. Só para se ter ideia, segundo a Fundação Getúlio Vargas, a expectativa, com a crise econômica e o desemprego, é de que tenhamos 20 milhões a mais de famílias sem teto até 2024. Hoje, são cerca de 5 milhões delas. Será um crescimento de praticamente quatro vezes mais. Trazendo essa proporção para Aracaju, a gente está quadruplicando esse número mesmo.

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JLPolítica – Qual o conceito de assentamento subnormal?

VO – Ele é um critério estabelecido pela ONU, primeiro pelas condições da moradia; segundo, pela quantidade de famílias que residem na mesma moradia e, terceiro, pela estabilidade econômica dela. Por exemplo: você mora de aluguel e perde o emprego, aí se torna um potencial sem teto.

JLPolítica – É correto dizer, Vinicius Oliveira, que o fenômeno da submoradia, da favela e da ocupação exista somente em Aracaju ou ele prepondera sobre as demais cidades do Estado?
VO –
Ele existe em todas as cidades, sim, e isso está colocado inclusive a partir do modelo de urbanização nos municípios. Até tenho uma crítica com relação ao Projeto Minha Casa Minha Vida feito no interior. Em vez de levar em conta a realidade do campo, o modelo reproduzido acaba não considerando essa realidade cultural, e isso faz com que se produza casas, mas não produza possibilidades de emprego nem modos de vida includentes. Você acaba reproduzindo um modelo urbano que já está falido.

Isso explica, por exemplo, o aumento do índice de violência das cidades do interior. Porque é como se a ocupação espacial desses locais, que a gente chama de periferia, de conjunto, acabasse atraindo a violência. É um desenvolvimento urbano não sustentável.

JLPolítica – O senhor teria condições de nomear uma ocupação urbana de moradia que depois se configurou modelo?
VO –
Em Aracaju, não. A gente sabe de experiências em outros lugares. Não participei, por exemplo, da ocupação da Coroa do Meio, que é uma referência. Então, não tenho como avaliar.

JLPolítica – Qual foi o impacto do Projeto Minha Casa Minha Vida sobre a redução desse déficit habitacional no Estado?
VO –
Em primeiro lugar, o Minha Casa Minha Vida tem uma crítica estabelecida que é a seguinte: o programa tem uma lógica de reduzir o déficit de moradia, um propósito de retomada de políticas urbanas – só para se ter ideia, a última vez que isso aconteceu foi durante a ditadura militar, com o BNH.

Então, depois, nenhum Governo teve fôlego para fazer projetos habitacionais até o Governo Lula. Mas aqui a crítica: a principal faixa atendida pelo Minha Casa Minha Vida era a classe média. A classe que recebia entre dois e quatro salários mínimos, ou seja, ele não atendia à faixa 1, que é a dos mais pobres. Foi com a pressão dos movimentos sociais que o Governo introduziu o Minha Casa Entidades para atender a esse público, que recebe de zero a dois salários mínimos. Que é inclusive um dos critérios do movimento para ser ocupante, estar dentro desse nível de renda e não ter casa própria, obviamente.

JLPolítica – O Estado sergipano está atento à prerrogativa de ele, através do Estatuto das Cidades, confiscar para os movimentos sociais imóveis cuja dívida do IPTU seja maior do que o valor venal deles?
VO –
Não. Mas, na verdade, a atribuição principal do Estatuto das Cidades foi alcançar as Prefeituras. E acho que elas não estão atentas a isso. Sequer estão atentas às políticas urbanas. Existe um problema de analfabetismo urbano, que se reproduz a partir do momento que pessoas não têm esse conhecimento e que os gestores não fazem um planejamento para o espaço urbano voltado pelos direitos e não pela lógica da especulação imobiliária.

JLPolítica – O senhor estima que haja muitos imóveis assim no Estado?
VO –
É muito difícil, porque até para fazer uma pesquisa desse tipo a gente necessitaria de informações que estão nos Cartórios de Oficio, e aqui no Brasil temos um problema objetivo e grave: esses cartórios são privados e qualquer documento que você peça pega no mínimo R$ 42. É um monopólio da informação num campo privado. Obviamente que as Prefeituras têm essas informações, inclusive as de quem está em dia e de quem não. O próprio Estado tem como saber. Durante muito tempo, os imóveis que eram construídos contavam com recursos da Previdência Social. Hoje, é muito difícil ter um mapa exato disso.

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JLPolítica – Quais foram as soluções apontadas até agora para a ocupação Beatriz Nascimento, no Japãozinho?
VO –
A gente fez algumas reuniões de negociação, inclusive com Belivaldo Chagas, que hoje é o governador. O primeiro acordo era de que não fosse estabelecido o processo de reintegração de posse. Ele cumpriu a palavra dele, diferentemente até hoje do prefeito Edvaldo Nogueira e da gestão municipal de Aracaju. A segunda questão foi que nós propusemos a construção de um condomínio naquele terreno, para atender à demanda das famílias.

JLPolítica – E qual foi a reação dele?
VO –
Ele colocou que o financiamento do Estado não permitiria, mesmo calculando o valor médio de São Paulo, construir 1.500 apartamentos. Mas isso significaria mais ou menos 1% do orçamento do Estado. Ou seja, não estamos pedindo muita coisa. Ele propôs avaliar a proposta de doação do terreno para o movimento. Mas o terreno estava voltado para a Secretaria de Estado da Educação e tinha a possibilidade de abrigar ali uma escola.

Como ele estava assumindo, pediu um tempo para uma avaliação técnica sobre a necessidade da escola. Dentro disso, o movimento organizou um Barracão Cultural e vamos realizar atividades educulturais para mostrar que temos direitos não só à moradia, mas também à educação e à cultura, e que seria possível construir os apartamentos e, ainda assim, possibilitar educação e cultura às comunidades.

JLPolítica – Quantas famílias há nela?
VO –
São cerca de 1.400 famílias.

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JLPolítica – Quantas pessoas compõem a Ocupação Marielle e Anderson Vivem, da Coroa do Meio?
VO –
No cadastro havia 650 famílias, mas com o episódio da reintegração de posse e do tiro, a Prefeitura cadastrou 528 famílias. Há mais componentes que ficaram assustadas com tudo que aconteceu e se afastaram.

JLPolítica – Já se apurou de onde partiu o tiro?

VO – Ainda não. Mas eu estava na hora. Inclusive, estava voltando para o acampamento quando vi a Guarda Municipal de Aracaju em atrito. Eu falei que estava indo lá acalmar o pessoal, eles abordaram uma moto ou um carro, não lembro bem, de forma truculenta. Exageradamente repressiva. E aí uma série de curiosos se aproximou. Eles ficaram assustados e atiraram para cima. Foi quando eu pedi calma. Nesse meio tempo, atiraram novamente e, em vez de se afastar, as pessoas chegaram mais perto ainda. Nesse momento os guardas entraram no carro e desferiram alguns tiros em direção à ocupação, inclusive, é bom deixar claro que estávamos todos próximos. Ela estava a 150 metros de distância.

JLPolítica – Não há dúvida de que o tiro veio da Guarda Municipal?
VO –
Para mim, não.

JLPolítica – Qual é a promessa existente entre a saída dessas pessoas da Ocupação Anderson e Mariele Franco para o galpão da Rua Acre e a solução?

VO – A negociação que está sendo estabelecida, inclusive com nosso companheiro da Executiva Nacional Guilherme Boulos, é a de que no dia 23 vai haver uma reunião paritária com o grupo de trabalho na qual colocaremos terrenos públicos ou privados que tenham dívida de IPTU maior do que seu valor de mercado, para que sejam avaliados e possam ser doados para o movimento. Enquanto isso, foi negociado que a Guarda e a Prefeitura parassem de dar declarações públicas negando o episódio do tiro e que fosse garantido o mínimo de dignidade no galpão da Rua Acre, para onde as famílias foram levadas. Ali era totalmente insalubre, não havia ventilação. Os bebedouros foram instalados depois. Os banheiros estavam entupidos.

JLPolítica – Nessas questões, quem é melhor interlocutor: o Governo do Estado ou a Prefeitura de Aracaju?
VO –
Pela experiência concreta do MTST, a negociação com o Governo foi mais respeitosa com o movimento do que a da própria Prefeitura do PCdoB. Frustrando, inclusive, o movimento e o discurso que a Prefeitura coloca.

JLPolítica – Quais serão as atitudes do MTST se até o dia 23 não tiver uma proposta concreta?
VO –
O movimento tem um princípio básico da conquista de direitos através da mobilização e do poder popular. E se até o dia 23, o prefeito Edvaldo Nogueira continuar protelando, enrolando, a gente vai ocupar as ruas, denunciar tudo que está acontecendo e partir para a reivindicação do que foi prometido.

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JLPolítica – E há retorno à ocupação?
VO –
Não, pela decisão não judicial. Mas não programamos nada nesse sentido.

JLPolítica – Qual é o perfil da pessoa sem residência no Estado de Sergipe?

VO – O perfil dos ocupantes é: pessoas que recebem de zero a dois salários mínimos, que sobrevivem de bolsa-família; a maioria é mulher; não pode ter casa, esse também é um dos critérios nossos; há trabalhadores do mercado informal, trabalhadores temporários, como domésticas, pescadores, marisqueiros, vendedores ambulantes, diaristas, limpadores de carro.

JLPolítica – O coordenador Vinicius Oliveira é um sem teto ou apenas um intelectual envolvido solidariamente na tentativa de soluções?
VO –
Eu diria que um pouco dos dois. Vale ressaltar que há duas possibilidades de estar dentro do movimento: por necessidade ou por solidariedade permanente. De certa maneira, eu entrei no movimento por solidariedade permanente, embora eu também me encaixe no perfil, já que não tenho carteira assinada – mesmo sendo jornalista e tendo mestrado –, e o meu aluguel é muito maior do que o que recebo.

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JLPolítica – Pelo olhar do MTST, é alto ou baixo o índice de pessoas que não teriam necessidade de moradia e que fazem parte das ocupações?
VO –
É muito baixo. A gente costuma dizer que quem fica, quem resiste, quem demora mais tempo nas ocupações é quem realmente precisa. A própria ocupação, com o tempo, serve como um filtro. Agora, é claro que podem existir várias pessoas que querem se aproveitar e querem ganhar mais uma casa.

Mas há uma questão fundamental, que é a seguinte: quando a pessoa tem casa, acesso a uma política pública e ganha outra casa, é porque ela tem ou conivência do Estado ou de algum funcionário, porque pelo número do NIS, que é o registro social da pessoa, é possível detectar quais benefícios ela recebe e qual a renda média dela. Além da regularização fundiária.

JLPolítica – Qual é a correlação que o senhor faz entre a corrupção de Governos, que abarrotam construtoras e banqueiros de dinheiro sujo, e o drama da moradia popular?
VO –
A gente costuma dizer que o arquiteto da cidade é o capital, porque o planejamento urbano, a determinação para onde os equipamentos públicos vão determinam a valorização ou não de um terreno, de uma casa ou um bairro. Ou seja, dá lucro à desigualdade urbana. Por exemplo, dá lucro ao Bairro Jardins saber que no Japãozinho ou no Lamarão os problemas urbanísticos não são suficientes para atender àquela demanda. Isso faz com que o Jardins tenha maior valorização. A correlação está aí: a partir do momento que a desigualdade urbana vira um valor dentro da lógica imobiliária, determinar como se dá o planejamento das cidades é fundamental para as construtoras e empreiteiras.

JLPolítica – Como isso se encaixa no contexto das relações entre elas e os políticos?
VO –
Exatamente por isso elas são as maiores financiadoras de campanhas de políticos. E não é à toa que financiam as campanhas – legal ou ilegalmente –, já que depois elas se beneficiam. Então a corrupção está atrelada a esse planejamento urbanísticos das cidades brasileiras. São dois tipos de corrupção nesse sentido: a legalizada e não legalizada. A legalizada é quando você sabe onde o Estado ou o município vai construir aquele equipamento público nos próximos anos. Aí é legalizado você investir.

Outra coisa é fazer como eles estão fazendo: recorrer com ação judicial, de maneira atropelada e irresponsável, porque sabem que aqueles terrenos da Coroa da Meio têm valoração imobiliária. E aí o que importa é que a vizinhança do Shopping Rio Mar não quer pobre morando ali.

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JLPolítica – Quais seriam as reais consequências sobre o Movimento de Trabalhadores Sem Teto e as pessoas que ele representa de uma justa regulação fundiária numa cidade como Aracaju?
VO –
Uma regulamentação fundiária que atingisse as periferias permitiria que as pessoas tivessem a garantia da propriedade, o que seria fundamental. Além de dar uma segurança jurídica e territorial, no sentido de que as pessoas não querem morar daquela forma, mas querem morar ali. E de carta maneira, esse é um critério importante. Agora mesmo, no Bairro Coqueiral, tem muita gente assustada com as histórias de que quem mora nos condomínios construídos às margens do Rio do Sal pode perder suas casas por causa da questão ambiental.

Então, mais de 200 famílias estão com insegurança jurídica, porque o Estado ou o governante pode tirá-las dali a depender do seu entendimento. E lá já existe toda uma jogada imobiliária, inclusive todos os terrenos pertencem a um empresário da área. Além disso, lá o Governo comprou os terrenos por cinco vezes o valor médio. Nós temos as escrituras e nas mais antigas um terreno na beira do rio foi grilado. Sem pagar um real.

JLPolítica – A causa da moradia popular em Sergipe tem quantos movimentos sociais a representá-la?
VO –
Não sei dizer, mas sei que são muitos. Nós não temos ainda um Fórum de discussão da ocupação urbana.

JLPolítica – Essas instituições todas se entendem ou mais batem cabeça e muito se divergem?


VO –
Veja: no MTST é proibido cobrar qualquer valor em dinheiro. A gente não é remunerado. A agente não cobra às famílias e não permite que dentro da ocupação haja qualquer tipo de negociação. Outros movimentos não seguem esses princípios. A gente tem muito cuidado com esse relacionamento. Porque da mesma forma que o movimento é para lutar por direitos, a gente sabe que há movimentos que são pequenas empresas habitacionais que cobram mensalidade, etc.

JLPolítica – O que diferencia ocupação de favela?
VO –
Na verdade, a gente costuma dizer que as favelas são a forma como o pobre constrói a sua cidade. É como a resistência à especulação imobiliária. As favelas são construídas com barracos e barracos são recicláveis, são o que sobra dos ricos e da classe média. As favelas são um cenário de resistência ao processo de especulação imobiliária e, geralmente, de forma espontânea. As ocupações são organizadas. Têm regras, princípios e o objetivo de adquirir aquela propriedade. As favelas não têm necessariamente um objetivo comum. Têm apenas a necessidade.

JLPolítica – O que o senhor diria aos que criminalizam as pessoas sem teto e em situação de luta por uma casa?

VO – Diria a essas pessoas que fossem conhecer uma ocupação, porque melhor do que eu explicar e falar é elas irem lá. Ouvir de perto as histórias de vida, porque há coisas que são muito surreais. Por exemplo, na ocupação da Coroa do Meio, apareceu uma mulher que estava fugindo de casa, em virtude do marido drogado. Na Ocupação Beatriz Nascimento, por exemplo, há uma rua só de LGBTs que foram expulsos de casa e por ter dificuldade de emprego. Eles estão lá. Mas tem movimento que chama de ocupação e na verdade não é.

JLPolítica – Se essas pessoas conhecessem, não criminalizariam?
VO –
Acredito que não.
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JLPolítica – O MTST tem levantamento de prédios públicos de Aracaju, do Estado de Sergipe e da União abandonados na capital?
VO –
O que tenho sobre prédios e espaços públicos são dados do Plano Diretor, que aponta a existência de 1.231 terrenos vazios e mais de 2.015 imóveis construídos vazios também. Segundo o relatório da equipe técnica, hoje Aracaju tem terra suficiente para zerar o déficit de moradia sem precisar expandir nada. Inclusive a maioria dos terrenos não cumpre sua função social, voltados para a especulação imobiliária. Os prédios, a mesma coisa. O centro da cidade é um exemplo disso. Ali, poderíamos não só utilizá-los para moradia. Mas também para cultura, com discussão patrimonial e histórica.

JLPolítica – Qual o real significado desses auxílios-moradia na vida de uma pessoa sem teto? O valor convence e sai em dia?
VO –
Existe até uma discussão da Defensoria Pública de que esse valor não é reajustado há muitos anos. São R$ 300 em Aracaju e tem dois fatores importantes: em curto prazo, você consegue dar condições para que a pessoa alugue um lugar. Mas em médio prazo, cria-se um fenômeno chamado de pequena especulação imobiliária. Ou seja, aquele cortiço, o quartinho que ela alugava por até R$ 100, hoje custa R$ 300, porque todo mundo sabe que boa parte das pessoas recebe o auxílio.

O auxílio é bom e não é. Ao menos que resolve um problema, cria outro, porque a pessoa que conseguia pagar R$ 100 no quartinho, por não receber o auxílio, não poderá pagar os R$ 300. E será despejado.

JLPolítica – Qual a correlação dessas ocupações em maio de 2018 com o movimento francês de maio de 1968?
VO –
Em maio de 1968 ficou claro o tipo de cidade que se organiza pelo Estado e pelos capitalistas da terra. Eles precisam também levar em conta como as pessoas reproduzem seus modos de vida e, dessa forma, as ocupações e as favelas são isso. Por isso maio de 1968 sempre vai ser uma referência para os movimentos urbanos e para a luta pela terra, pelos direitos urbanos e humanos.

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Entrevista por Jozailto Lima

Fonte: JL Política