Selfies na Fiesp, bombas para os sem-teto
Por Guilherme Boulos
Ontem a Avenida Paulista foi palco de cenas de selvageria. A Polícia Militar de São Paulo conseguiu transformar uma manifestação pacífica de luta por moradia em um conflito violento, com presos e feridos.
Dentre outras agressões gratuitas, correu o país a imagem chocante da médica Erika Sampaio sendo atirada ao chão, tomando um “mata-leão” e agredida por dois policiais homens. Num momento em que a violência contra a mulher está em pauta, esse é o exemplo que o Estado oferece.
Uma semana antes, os sem-teto já haviam sofrido repressão policial numa manifestação em frente à casa de Michel Temer. A alegação da PM na ocasião – repetida ontem – foi a necessidade de desobstruir as vias.
Chama a atenção, porém, o fato de que na mesma Avenida Paulista, há alguns metros dali, um grupo de pessoas – que defendem desde intervenção militar ao fim de políticas públicas – permanece acampado há mais de dois meses.
Neste caso, a Tropa de Choque só apareceu para tirar “selfies”. A Fiesp ofereceu até filé mignon para a turma. Turma que mais de uma vez agrediu quem vestia vermelho, intimidou jornalistas e chegou a exibir paus e pedaços de cano quando uma manifestação da esquerda passou por perto. Contando sempre com a complacência da PM.
Mantiveram inclusive a avenida bloqueada, nos dois sentidos, por 39 horas entre os dias 16 e 17 de março. Só foram retirados da pista depois de muito diálogo e com um carinho quase materno.
O acampamento permanece lá até hoje, reunindo tipos do lumpen-empresariado, artistas decadentes e viúvas dos Jardins. Não tem data para sair e nada indica que serão incomodados. Afinal, trata-se de cidadãos de bem.
Já atentei num artigo anterior [http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2015/04/1620144-a-matematica-politica-da-pm.shtml] como esta diferença de tratamento se expressa também na contagem do número de manifestantes pela PM. Quando uma manifestação é de agrado do governador recebe um tratamento, quando não, o papo é outro. Dois pesos, duas medidas.
Mas, no caso desta quarta-feira, não é apenas a seletividade que espanta. Essa já é uma velha conhecida quando consideramos a ação policial. Polícia que fala grosso na favela e fino em Higienópolis.
É preciso abrir os olhos para uma onda crescente de violência e criminalização das manifestações populares. A Secretária de Segurança alegou em nota – tentando justificar o injustificável de ontem – que seis pessoas foram presas, incluindo Erika, por “periclitação da vida”, isto é, por supostamente colocar em risco a vida de outros.
O absurdo é evidente. Seria de se esperar do Governador e do Secretário de Segurança o reconhecimento dos abusos e a punição aos policiais responsáveis.
Mas quando alguém que assume o Ministério da Justiça compara ações de movimentos sociais a guerrilha e diz que devem ser tratadas como crime, fica claro que o abuso está chancelado e que os abusadores terão salvo-conduto.
***
Em tempo: Mesmo com toda a repressão, os sem-teto mantiveram-se firmes. A manifestação permaneceu até a vitória, com a retomada dos projetos do Minha Casa Minha Vida que haviam sido cancelados por Temer. As bombas machucam, as arbitrariedades indignam, mas são incapazes de deter o sonho dos que lutam por uma vida mais digna.
Fonte: Coluna do Guilherme na Folha de São Paulo (02 de junho de 2016)