Entrevista com Guilherme Boulos, do MTST, sobre as perspectivas para 2018
Fonte: Esquerda Diário
Entrevista com Guilherme Boulos sobre os rumos do país, as eleições de 2018 e perspectivas para a esquerda
Como você avalia a situação política do país nesse último pós-golpe institucional, num contexto de “reformas” e retiradas de direitos?
O país vive uma confluência de duas crises. Uma crise econômica profunda que a burguesia e o governo golpista construíram uma saída, que foi a saída de espoliação, com a aprovação da reforma trabalhista da terceirização, da PEC to teto… Enfim, com a destruição de qualquer capacidade de investimento social do estado brasileiro e, ao mesmo tempo com a desregulamentação dos direitos trabalhistas e a proteção ao trabalhador.
E por outro lado há a crise política, que o golpe aprofundou com uma ruptura institucional, com um retrocesso democrático. Mas que já vinha se anunciando com a incapacidade do sistema político da nova república de coesionar minimamente a sociedade, de exercer hegemonia. Há uma crise de hegemonia. E o debate que está posto nesse momento é quais saídas vão se construir para essas duas crises.
Se o projeto ultraliberal de espoliação das maiorias vai conseguir se impor até o fim. E essa é uma batalha que está representada hoje na reforma da previdência, e em um conjunto de retrocessos que ainda está na agenda do golpe; ou se a resistência ganhará força e esboçará a capacidade, através das ruas e da mobilização, de uma oposição a esse projeto, e uma saída que possa ser popular.
De outro lado, o tema político é um debate de que tipo de transição está posto no país. Que o sistema político da nova república desandou, que está numa crise profunda é quase um consenso na sociedade. As próprias pesquisas de opinião sobre rejeição à política e descrédito das instituições e nos partidos demonstram isso.
A questão é para que lado vai. Não necessariamente vai para um caminho melhor, há uma disputa sobre os rumos políticos no pais. Onde de um lado há programas de retrocesso democrático, expresso na ofensiva conservadora, expresso num crescimento dos tipos como Bolsonaro; nas políticas do judiciário e na politização do judiciário. Enfim, com o fechamento democrático, inclusive.
Ou se isso pode se expressar a partir de um projeto de aprofundamento da democracia, de radicalização da democracia, de participação popular. A insatisfação com a política pode ser canalizada à esquerda ou à direita. Várias experiências internacionais têm nos demonstrado isso. Essa batalha está posta hoje e estará posta no próximo período.
Podemos falar do fim do ciclo lulista?
Já vi muita gente cometer o erro de decretar o fim do Lula. E o Lula permanece sendo a liderança mais popular do país, hoje liderando qualquer pesquisa de intenção de voto. É uma expressão política muito forte. Acho que não pode ser subestimado e ignorado, ou lido de uma maneira equivocada.
O que eu acho é que hoje no país não há mais condições para um entendimento entre o andar de cima e o andar de baixo. Para uma política em que seja possível ter avanços sociais e atendimento a alguns interesses populares sem enfrentamento decidido aos privilégios. A margem de manobra para uma política dessa natureza me parece que não está posta hoje na realidade brasileira.
O mesmo se refere à situação política, o país está muito polarizado. E o centro, que de algum modo foi fiador parlamentar dos governos da nova república, esse centro implodiu. E as condições de governabilidade no sentido tradicional, pelos mesmos métodos que sempre se deram, também estão numa crise grande. Então é evidente que o governo Temer a faz da maneira mais fisiológica possível. Agora o preço disso é 97% de rejeição da sociedade, então acho que o que está em jogo é que a margem de manobra para uma conciliação de interesses, para uma composição política com as velhas forças… Essa margem de manobra hoje é extremamente reduzida. Isso coloca para a esquerda [a função] de pensar um projeto mais efetivo de enfrentamento.
Qual é, na sua visão, o papel do MTST nesta perspectiva e nestes 20 anos do movimento? Qual a situação atual da ocupação Povo Sem Medo de São Bernardo do Campo?
O MTST, nos últimos 20 anos, conseguiu construir um caldo social importante na luta urbana e periférica no país. Partiu de um movimento regional com algumas ocupações e se tornou um movimento nacional, capilarizado em 14 estados e com uma base social de mais de 55 mil famílias em todo o Brasil.
A pauta urbana ganhou muita força na sociedade, não só pela extrema urbanização da sociedade brasileira nas últimas décadas, como porque também as cidades se tornaram palco de importantes conflitos: conflitos pelo direito à cidade, moradia, mobilidade, serviços públicos, e esses conflitos deságuam em processos de luta nas periferias urbanas.
O MTST foi um dos movimentos que conseguiu canalizar isso em lutas sociais de resistência, mas está diante de uma série de desafios, do desafio de fortalecer essa mobilização, embora tenha hoje uma capacidade importante de mobilizar pessoas, essa capacidade ainda é muito insuficiente para o que nós temos adiante. Para enfrentar os retrocessos, para derrotar o processo do golpe e até mesmo para ter amplas conquistas de moradia.
E tem também o desafio de ser parte de um processo de unidade mais ampla e de debate de projeto na esquerda do país. A construção da Frente Povo sem Medo, onde o MTST foi um dos impulsionadores, expressa isso; a construção do Vamos, com o ciclo de debates de projeto, também através da Frente Povo Sem Medo, expressa isso.
O caso da ocupação Povo Sem Medo de São Bernardo é muito emblemático da crise urbana e do agravamento da crise social brasileira. Nós ocupamos o terreno com 500 pessoas e, em pouco mais de uma semana, havia 5 mil, hoje estão lá 8 mil famílias. É um drama de milhares de pessoas que, ao final do mês, por conta do desemprego, por conta da queda da renda, não têm mais como pagar o aluguel. E nesse sentido as ocupações devem ainda crescer bastante no próximo período no Brasil.
O ano de 2018 provavelmente será de muitas ocupações, e a ocupação de São Bernardo agora conseguiu uma vitória parcial: existia um movimento muito forte de tentar despejar a ocupação ligado à construtora dona do terreno, ao prefeito de São Bernardo. Nós conseguimos um prazo de quatro meses para possibilitar uma negociação para o atendimento habitacional das famílias que estão lá.
Então, no início do ano, seguramente o movimento fará uma nova jornada, como fez a importante marcha de 23 km de São Bernardo até o palácio do governo, como fizeram outras lutas, como a ocupação da secretaria de habitação de São Paulo por três dias; [o movimento] fará novas mobilizações no início do ano para buscar uma solução que assegure o direito de moradia das famílias.
Na Argentina, a esquerda está encabeçando a luta contra a reforma da previdência. Qual importância você vê neste processo?
A resistência na Argentina é muito expressiva e inspiradora. Milhares de pessoas indo às ruas de maneira radicalizada e com forte apoio social, inclusive das camadas médias de Buenos Aires, que se somaram às mobilizações com panelaços e inclusive participando das manifestações que aconteceram.
Conseguiram aprovar a reforma da previdência em uma madrugada, mas o processo de resistência não parou, as pessoas não saíram das ruas. E se acumulou um caldo importante que pode ser capaz de se seguir firme, ter força para revogar essa medida e outras medidas impopulares do governo Macri, e quem sabe até derrubar o próprio governo. Nós não podemos esquecer que também em um dezembro, há 15 e 16 anos atrás, as mobilizações do Argentinaço sacudiram o país e derrubaram 3, 4 presidentes da república por meio da mobilização social e popular.
Então fica a inspiração da resistência e da luta argentina, como uma demonstração que há, sim, possibilidade de resistência. De que a onda de direita, a onda neoliberal não é invencível e o povo pode ter voz para poder detê-la.
O PSOL anunciou a possibilidade de sua candidatura à presidência do Brasil pelo partido. Quais são suas perspectivas para 2018?
O ano de 2018 muito provavelmente será marcado pela instabilidade política, por tentativas de regressão democrática — como é o esforço do judiciário de impedir o direito de Lula ser candidato a presidente da república, como é também a possibilidade, que vez ou outra aparece, agora com o empenho direto de Temer e Gilmar Mendes, de estabelecer pela cúpula, pelo STF, pelo congresso nacional, sem qualquer participação popular, de um regime semi-parlamentarista no Brasil.
E como são vozes de direita cada vez mais atrevidas que chegam a falar de intervenção militar ou que dão inclusive suporte a candidaturas como de Jair Bolsonaro.
Será um ano de instabilidade e precisa ser também um ano de resistência. Da nossa parte, há algum tempo, o MTST tem se envolvido em um debate sobre os rumos da esquerda, de perspectivas para a esquerda brasileira, com um debate de projeto como foi o Vamos. Agora, nós não achamos que esse debate se esgote em caminhos eleitorais: se há uma lição que precisa ser aprendida com o golpe é que ganhar a eleição não resolve todos os problemas. Vai haver vida depois de 2018, eleição não é panacéia.
Evidentemente que nós temos feito conversas dentro de uma perspectiva de reorganização da esquerda com dirigentes do PSOL, discutindo possibilidades e alternativas, mas até o momento não há nenhuma definição. Até porque esse ano de 2017 foi um ano muito intenso do ponto de vista dos retrocessos e das lutas contra esses retrocessos.
Nesse momento nós estamos muito focados em buscar uma alternativa para a ocupação Povo Sem Medo de São Bernardo, há já uma data em fevereiro para a votação da reforma da previdência, houve essa antecipação vergonhosa pelo TRF4 do julgamento do Lula — de maneira altamente casuística para interferir no processo eleitoral… Então o debate sobre uma eventual candidatura nas eleições de “18” tem que ocorrer em 2018, apesar de existirem efetivamente conversas, e elas são publicas, esse debate ainda não foi amadurecido o suficiente ao ponto de uma definição.