NOTA DE INDIGNAÇÃO DA ARTICULAÇÃO NEGRA DE PERNAMBUCO SOBRE O CASO DE MIGUEL OTÁVIO: EXIGIMOS JUSTIÇA!
ARTICULAÇÃO NEGRA DE PERNAMBUCO
NOTA DE INDIGNAÇÃO DA ARTICULAÇÃO NEGRA DE PERNAMBUCO
SOBRE O CASO DE MIGUEL OTÁVIO: EXIGIMOS JUSTIÇA!
No dia 02 de junho de 2020, perdemos mais uma vida negra, mais uma criança
retirada de sua família brutalmente em decorrência do racismo estrutural. O
genocídio da população negra avança de diferentes maneiras todos os dias.
Mesmo diante do contexto da pandemia, o que assistimos são violentas
investidas contra a vida das pessoas pobres e negras, que já encontram
dificuldade em se preservar da contaminação do vírus.
Estas pessoas, precisam cotidianamente lidar ainda com os ataques violentos
e diários frutos do racismo estrutural que atravessa a sociedade brasileira, seja
a partir da atuação dos órgãos de segurança pública, seja na ausência de leitos
hospitalares, seja na manutenção do status quo da elite branca deste país.
Sarí Gaspar Corte Real, mulher branca, de classe média alta e esposa do
prefeito da cidade de Tamandaré, município de Pernambuco, explorava em meio
a pandemia a necessidade de trabalho de uma mulher negra, pobre e mãe.
Situação que por si só evidencia o desprezo, a negligência e o racismo. Sabe-se
as várias nuances que atravessam as vidas das mulheres negras neste país
cotidianamente.
Mirtes Renata Santana da Silva, mãe do pequeno Miguel Otávio de cinco anos
de idade, teve a rotina modificada com a pandemia: creches e escolas fechadas,
as crianças em casa, também demandando cuidados e atenção. Obrigada a
trabalhar mesmo diante das recomendações da Organização Mundial de Saúde
pelo isolamento social e sua atividade laboral não constando entre os serviços
essenciais, Mirtes passou a levar Miguel com certa frequência para o trabalho
como forma de cumprir os acordos estabelecidos com sua empregadora. No dia
02 de junho, em determinado horário em que estava em serviço, Mirtes passeava
com a cadela dos patrões nas cercanias do condomínio.
Na ocasião, Miguel – que estava sob responsabilidade e olhar da empregadora
Sarí Corte Real – foi colocado e deixado sozinho no elevador pela mesma, que
permitiu que ele fosse ao encontro de sua mãe em um ambiente que não lhe era
familiar, nem passível de mobilidade a uma criança de sua idade, sem a
companhia de um adulto. Miguel foi colocado no elevador de serviço e acabou
indo parar no nono andar do prédio, onde o acesso a caixa do ar condicionado
se encontrava facilitado. A criança caiu ao tentar se apoiar no parapeito da casa
de máquinas.
Após a queda, Miguel Otávio foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. Sarí
Corte Real foi indiciada inicialmente por homicídio culposo – quando não se tem
a intenção de matar – detida por menos de 24h, sendo liberada após o
pagamento da fiança de 20 mil reais.
No momento em que tem se observado o crescimento de campanhas como
#vidasnegrasimportam, esse crime e a forma como ele tem sido apurado,
somente nos coloca mais certeza de que, substancialmente, as vidas negras
ainda valem menos diante de uma sociedade estruturada no racismo, elitismo e
de punitividade seletiva.
Não temos dúvidas que esse crime não é um ato isolado, ele é o retrato da rotina
de desvalorização e descartabilidade que o racismo impõe aos corpos negros e
pobres. Bem sabemos, famílias negras no Brasil vivem um estado constante de
dor e indignação. Porque não é possível reconhecer a precariedade da vida do
povo preto? Porque a vida de uma criança negra não é passível de luto?
A morte de Miguel e o luto da sua família é mais uma expressão das
desigualdades enraizadas na história deste país. Quando não estamos expostos
a violência arbitrária do Estado brasileiro, somos expostos a diferentes formas
de violação dos nossos corpos. A retirada da vida de Miguel Otávio é parte
componente do genocídio contra pobres e pretos, que se executa pela ação e
negligência, fazendo com que crimes com essa barbaridade não sejam punidos
de forma coesa e precisa.
Temos a plena certeza de que dificilmente haverá valor monetário e ações
punitivas que tragam o pleno conforto para uma mãe que nesse momento chora
a morte de seu pequeno filho, em decorrência do elitismo e racismo. Mas não
temos dúvidas ser necessário um investimento preciso, qualificado e livre do
racismo – que historicamente tem rebaixado valorativamente a vida das pessoas
negras – para que a justiça, ao menos nesse momento, seja efetivada.
Por isso, a Articulação Negra de Pernambuco – ANEPE, exige que o Governo
do Estado de Pernambuco e as diferentes esferas do Judiciário se prontifiquem
a apurar e cumprir integralmente aquilo preconizado no Estatuto da Criança e
Adolescente – ECA, urgentemente. Garantindo a ampla investigação,
responsabilização e punição diante desse absurdo caso de negligência racista
orquestrado conscientemente por Sarí Gaspar Corte Real. Do mesmo modo,
exigimos que seja dado amplo apoio – psicológico, jurídico e financeiro – a Mirtes
Renata, que nesse momento sofre em decorrência de um crime, não podendo
ser ainda mais sujeita a revitimização.
Com indignação e por justiça assinam:
1. Afoxé Omo Nilé Ogunjá
2. Afoxé Alafin Oyó
3. Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas – Pernambuco
4. Articulação Nacional de Psicólogas/os Negras/os e Pesquisadoras/es – PE
5. Bloco Afro Obirin
6. Círculo Palmarino
7. Coletivo Afronte
8. Coletivo de Juventude Negra Cara Preta
9. Coletivo Fala Alto
10. Coletivo Filhas do Vento
11. Coletivo Ibura + Cultura
12. Coletivo NegreX
13. Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia
14. Espaço Cultural das Marias
15. Grupo de Estudos Afrocentrados Baobá da Faculdade de Direito/UFPE
16. Movimento Negro Evangélico de Pernambuco
17. Nação do Maracatu Leão da Campina
18. Rede de Mulheres Negras de Pernambuco
19. Instituto Luiza Mahin
ORGANIZAÇÕES E COLETIVOS PARCEIROS:
1. Coletivo Mangueiras
2. Coletivo Periféricas
3. Fase – Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional
4. Grupo de Pesquisa LABERER/UFPE
5. Movimento Semente Urbana
6. RENFA – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
7. RUA – Coletivo Anti-Capitalista
8. MTST – Coletivo Negro