Militantes do MTST visitam local e levam solidariedade | Tragédia em Brumadinho não foi acidente, foi crime!
O rompimento da barragem de rejeitos de minério que levou à morte centenas de pessoas — deixando, ainda, outras centenas de desaparecidos — ocorreu na tarde do dia 25 de janeiro, em Brumadinho, na região de Córrego do Feijão, Minas Gerais, completando, na última sexta-feira, dia 1º de fevereiro, uma semana. A barragem era controlada pela empresa Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, e a mesma responsável pelo crime ambiental de Mariana, em 2015, numa barragem da Samarco, que por sua vez também pertence a Vale.
Com o segundo crime ambiental-humanitário nas costas, a multinacional, privatizada em 1997, ainda não prestou a devida assistência à população de Brumadinho, que sofre com a falta d’água, de energia elétrica e moradia. Muitos moradores do município estão sem saneamento e, apesar disso, a Vale não se pronunciou com relação aos pedidos de instalação de banheiros químicos e abrigo.
MTST presta solidariedade
Militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, em Minas Gerais, estiveram no local do crime e conversaram com lideranças comunitárias, além de levar solidariedade e força à população, na tentativa de amenizar a dor de quem perdeu tudo para a lama. O MTST também segue em contato com movimentos sociais e pastorais da região para fortalecer iniciativas de apoio às famílias de Brumadinho.
Débora Souza, integrante da coordenação nacional do movimento, relata o sentimento de tristeza e impotência diante das cenas vistas. “Desespero. A sensação era de como estar no enterro de alguém de quem a gente gosta muito. Foi muito difícil ver aquilo, ver as pessoas e segurar o choro”. Ela conta que, junto de moradores, caminhou próximo ao local por onde a lama passou, “e aquilo não tinha fim. Para todo lado era uma boa parte de lama, em outra, com ônibus virados de ponta-cabeça, casas destruídas, árvores arrancadas…”.
Uma psicóloga, presente em Brumadinho, chegou a relatar que, embora tivesse ido à cidade para prestar apoio psicológico, o que as pessoas mais necessitavam era calor humano. “Ela ajudou nos primeiros momentos, mas disse que não havia condição alguma de fazer atendimento psicológico naquelas horas porque as famílias tavam muito abaladas e precisavam de algo mais espiritual, como abraços. Ela resolveu fazer um mural com cartazes de mensagens de luz, de vida, para dar suporte. Nós também deixamos nossa mensagem”, conta Débora.
“Acho que não teve uma pessoa sequer, independente de onde more, que não tenha se abalado com o que aconteceu. A gente se mobilizou pra ir pra lá com outros companheiros do MTST não só para levar nossa sede de luta, mas para levar nosso carinho, nosso respeito com aquelas famílias, nossa empatia, nosso calor, nosso abraço e também a nossa revolta, indignação. A gente foi pra segurar na mão das pessoas e dizer ‘você não está só’”.
O MTST repudia os crimes cometidos pela mineradora Vale e a falta de auxílio aos moradores desabrigados de Brumadinho, além de lamentar a perda de centenas de trabalhadores e se colocar à disposição das famílias das vítimas. Para que a justiça seja feita e nenhuma família fique desamparada é necessário que não deixemos que os crimes sejam esquecidos e os culpados impunes mais uma vez.
Lucro acima das vidas
A empresa encara o falecimento de 121 pessoas apenas como algumas cifras de força de trabalho humano perdido. E, assim, tenta amenizar a dor das perdas humanas com uma doação — “apoio financeiro humanitário” – para as famílias das vítimas. Segundo o novo balanço divulgado pelos responsáveis pelo resgate e segurança na região, 226 pessoas continuam desaparecidas e outras 395 já foram localizadas; dados que demonstram a falta de interesse da Vale em tomar medidas de segurança cabíveis. O dano humano, material, ambiental e psicológico para a população de Brumadinho é incalculável e irreparável.
Duas cidades vítimas da Vale
No dia 5 de novembro de 2015, parte do município de Mariana foi soterrado por rejeitos de mineração, deixando 19 mortos. Brumadinho supera o desastre de Mariana em número de mortes, mas a destruição da biodiversidade local foi prejudicada em estágio semelhante.
Mesmo após pouco mais de três anos do crime da Samarco, propriedade da Vale, ninguém foi responsabilizado ainda e a empresa pagou apenas R$ 41 milhões dos R$ 610 milhões estabelecidos como multa — evidenciando como a Justiça brasileira é dona de memória curta e bolsos largos.
Mesmo com o crime de Mariana nas costas, a multinacional da mineração continuou seu processo de arrecadação de lucro em outras áreas de extração no país, fechando o terceiro trimestre de 2018 com lucro líquido de quase R$ 5,8 bilhões. A cifra exorbitante mostra a perpetuação da lógica do completo desprezo por vidas humanas e meio ambiente, com a finalidade, única e somente, de enriquecimento.
Outros 56 locais com potenciais destrutivos
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), cerca de uma em cada três barragens administradas pela Vale possui “alto dano potencial”. Contudo, há apenas 200 pessoas para fiscalizar os mais de 1.124 reservatórios considerados de alto risco.
Se em Mariana e Brumadinho não havia qualquer preocupação com a segurança pública — sendo que eram consideradas barragens de baixo risco –, preocupa a situação de risco constante que comunidades inteiras passam nos mais de 1.124 reservatórios de alto risco.
A multinacional mineradora utiliza o método de alteamento a montante, considerado por especialistas o mais barato e inseguro por apresentar comportamento imprevisível e simplista para rejeitos altamente tóxicos, que expõe riscos à vida de moradores e animais. Com o aumento da exploração mineral no país, sistemas baratos e inseguros como este colocam em risco a diversidade ambiental. Das 839 barragens existentes no Brasil, apenas 449 seguem as regulamentações inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).
Propaganda governamental de Israel em meio à tragédia
Em meio a tudo isso, o governo Bolsonaro solicitou a ajuda de militares israelenses para ajudar nas buscas por vítimas em Brumadinho. Contudo, o presidente nem ao menos consultou e debateu a questão com as Forças Armadas brasileiras.
A assistência simbólica de Israel contou com 136 militares e as buscas começaram no dia 28 de janeiro, se retirando apenas quatro dias depois, em 1º de fevereiro. A ajuda teve pouco efeito, dado que os drones, radares e sondas israelenses não são úteis para localizar corpos soterrados na lama tóxica. O episódio evidencia a tentativa de maquiar uma imagem positiva de Israel, país historicamente envolvido em violações de direitos humanos contra o povo palestino.
A todo momento, desde a chegada até a saída dos militares israelenses, o presidente Jair Bolsonaro publicou registros otimistas desses militares no Brasil, mesmo que pouco ou nada tenham conseguido fazer para auxiliar nas buscas por pessoas desaparecidas. Ficou nítida a instrumentalização do crime em Brumadinho para fins de propaganda positiva para Estado de Israel.
Vale ressaltar que, em 18 de janeiro, ainda antes da tragédia, Bolsonaro concedeu a medalha Cruzeiro do Sul — a mais importante honraria do governo brasileiro — ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netayahu, acusado formalmente em seu país de envolvimento em escândalos de corrupção. O mesmo governo que promove crimes ambientais, sociais e humanos diariamente no Oriente Médio, mostrando-se sem condições e treinamento adequado para ajudar as vítimas de Brumadinho.
Privatização da Vale: números acima de tudo
A negligência e irresponsabilidade da Vale em assegurar a dignidade e a segurança humana está diretamente ligada à privatização da empresa. Quanto mais a Vale lucrava com a extração de minério de ferro, mais afetava a população dessas áreas e destruía o ecossistema local.
Mesmo antes do rompimento da barragem, a empresa já apresentava as consequência dessa cadeia exploratória quando, por exemplo, rebaixou o lençol freático na Mina de Feijão, interferindo nas nascentes da região e deixando a população do Bairro Tejuco sem água e sem condições de tomar banho, lavar roupas e utilizá-la para o consumo.
Para as empresas privadas, vidas humanas pouco importam — apenas, talvez, para adentrarem como meros números em um mercado mundial de vidas. Estas companhias precisam se manter na lógica do lucro a qualquer custo — sejam quantas vidas humanas necessárias.
Antes de ser privatizada em 1997, a Vale enquanto empresa pública, durante mais de 50 anos, nunca apresentou evidências de envolvimento em crimes ambientais ou de desrespeito aos direitos humanos. Pelo contrário: ela cumpriu, até a década de 1990, sua função de estimular empregos e garantir a soberania nacional — funções agora sob risco com o “novo’’ modelo econômico proposto pelo governo Bolsonaro.
Quando grandes empresas privadas fazem o trabalho de destruir vidas e meio ambiente, resta ao setor público tentar arrumar o estrago irreparável. Assim, a operação de resgate em Brumadinho conta com 454 oficiais, dentre eles, 228 bombeiros que estão em um trabalho árduo para encontrar as vítimas da tragédia.
Centenas de pessoas desabrigadas em busca de justiça
Após três anos do crime ambiental em Mariana, nenhuma casa foi construída, nenhuma família reassentada e moradores das 482 casas atingidas pelos rejeitos de mineração ainda não foram indenizados pelo crime. Com isso, moradores de Brumadinho temem serem esquecidos, assim como as vítimas de Mariana.
Dezenas de famílias que sobreviveram ao rompimento da barragem em Brumadinho seguem desabrigadas. A maioria se encontra em abrigos e pousadas que não foram atingidas pela lama, mas continuam sem receber qualquer auxílio da mineradora. A certeza da impunidade permite que essas empresas perpetuem a irregularidade e a falta de controle e segurança, ameaçando centenas de famílias todos os dias.
O crime ambiental cometido pela Vale é irreparável, abalando não só a população de Brumadinho, como todo o Brasil.